Paulo Siuves: 'Madrugada hipócrita'
Madrugada hipócrita
Lá fora está chovendo, madrugada de chuvas e minha alma também está chovendo, trovejando ruidosamente dentro de mim. O problema é que sempre sou eu que tenho que dormir com meus barulhos internos; acordo sobre um lençol amarrotado, igual à minha cara nessa noite mal dormida.
Sou um fingidor.
Esforço-me tanto para parecer alegre que até a tristeza passa por mim e me olha, dando aquela piscadela sobre um sorriso amarelo de quem ainda não conseguiu se livrar do vício dos cigarros. A tristeza passa e não vai embora, fica ali, igual doente mental sorrindo, faceira, me olhando paquerando.
A chuva diminui a intensidade, o barulho lá de fora está mais ralo, porém (sempre tem um ‘porém’), o frio aqui dentro é inexplicável. Dentro do quarto está muito frio, porque tem um coração de gelo irradiando frio, decepção, desgosto, álgido, irascível.
Meu braço direito está dormente, minha perna está dormente, meu lado esquerdo está dormente, o amor dela está para mim como a dor está para a mente, a dor mente. Dorme, ente querido. Eu não durmo, fico aqui, velando essa madrugada hipócrita dizendo que são lágrimas essas gotas de chuva. Mentirosa.
Duas mentirosas; a madrugada chuvosa e a tristeza faceira…
Paulo Siuves
paulosiuves@yahoo.com.br