Claudia Lundgren: 'O lamento do Paquequer'

Claudia Lundgren

O lamento do Paquequer

Despejaram-me todo o lixo do mundo; toda sorte de excrementos. Adoeci.

As memórias me levam a um tempo em que eu viço, banho e fertilidade; roupas eram lavadas em meu leito; eu matava a sede do menino.

Minhas águas, dantes cristalinas, deram lugar a  essas, ralas e fétidas.

É ininteligível. Se semeei somente  o bem, me doei para o bem de todos, porque me retribuem assim? De cima da ponte me jogam casca de frutas; escarram-me. O esgoto, à céu aberto, deságua em mim aquilo que o corpo humano expele.

Nem mesmo as minhas nascentes escapam. Já não sacio a sede do menino; ao contrário; de mim ele nem se aproxima mais. Alimentos já não crescem em minhas margens;  só o mato resiste.

Meu cheiro é sentido de longe. Já não atraio olhares.

Quando as tempestades vêm, e transbordo, minhas  insalubres águas invadem ruas e calçadas, deixando um rastro barrento e doentio. Logo eu, que já fui história e patrimônio; logo eu, o único a cortar a cidade.

Meu prazer de viver terminou. Hoje vegeto; minhas águas se arrastam.

Quem sabe um dia, com tratamento adequado, eu renasça límpido e com aquela transparência dos bons tempos.

 

Claudia Lundgren

tiaclaudia05@hotmail.com