Marcus Hemerly: 'Mês de Halloween: décadas de horror – um breve olhar'

Marcus Hemerly

Mês de Halloween: décadas de horror – um breve olhar

“Ouça, crianças da noite, que linda música elas fazem!”*, é a famosa fala entoada em sotaque carregado pelo ator húngaro Bela Lugosi, em resposta ao uivo dos lobos, quando interpretou Drácula no filme de 1931, numa das encarnações mais icônicas do personagem concebido pelo irlandês Bram Stoker (1847-1912), no romance homônimo de 1987.

É uma realidade que os gêneros de terror e policial são uma roupagem imortal por excelência. Infelizmente, até mesmo alguns críticos ainda utilizam expressões como “literatura e cinema de terror”, quando na verdade, o mais aceitável seria simplesmente dizer cinema e literatura, sem uma distinção, muitas vezes imbuída de preconceito sem fundamento.  Decerto, tratam-se de gêneros populares, o que não implica necessariamente um distanciamento da qualidade, pois o que existe é o bom cinema e o cinema ruim, a boa literatura e a literatura barata; o que é facilmente aferível pelos grandes clássicos cultuados até a atualidade nas criações de Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft, e mais contemporaneamente Stephen King, Peter Straub e Clive Barker, que tiveram seus trabalhos levados às telas do cinema inúmeras vezes, algumas, com sucesso e qualidade, outras, nem tanto. Evidentemente, trata-se da sina de qualquer obra adaptada.

Numa breve trajetória pelo cinema, inevitável citar os grandes lançamentos da produtora inglesa Hammer, que descortinou seu auge nas décadas de 50 e 60, com produções inesquecíveis, alcançando sua decadência, tão somente, no início dos anos 80. Cenários bem compostos, até mesmo suntuosos no ápice da sua popularidade, eram marca registrada, em um tom estilizado com pitadas de erotismo e morbidez góticas, aliado a uma gama seleta de estrelas como Peter Cushing, Christopher Lee e Oliver Reed, fazendo com que suas películas fossem vistas como uma reinvenção do horror.

Inclusive, concomitante a este período, no Brasil, foram realizados alguns dos filmes de José Mojica Marins, o eterno Zé do caixão. “Coffin Joe”, como ficou conhecido nas terras da rainha Elizabeth, até hoje detém uma popularidade acentuada na Inglaterra, culturalmente forte consumidora do gênero de terror, com títulos famosos como “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, 1963; “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver”, 1967 e “O Despertar da Besta”, 1970, que levaram o nome do Brasil ao mundo.

Nas décadas de 30 e 40, temos as produções norte-americanas também baseadas nas obras de Poe, além de uma das versões mais populares do imortal vampiro Drácula, no já citado filme de 1931, estrelado por Bela lugosi. O ator ainda personificaria outras criações daquele autor nos filmes “O Assassinato da Rua Morgue” de 1932 e “O Gato Negro” de 1941. Impossível ainda deixar de citar a mais marcante adaptação de “Frankenstein”, clássico de Mary Shelley publicado em 1823, levado ao cinema também em 1931, sendo a enigmática criatura imortalizada por Boris Karloff.

Retrocedendo um pouco ao cinema expressionista alemão, nos primórdios da década de 20, surgiu uma das  primeiras retratações do vampiro, com o filme “Nosferatu”, uma sinfonia dos horrores, (Eine symphonie des grauens, 1922), livre adaptação não creditada de “Drácula”, dirigida por  F.W. Murnau, que teria uma refilmagem no ano de 1972, com Klaus Kinski, comandada pelo controverso Werner Herzog (de Fitzcarraldo).

Apesar da famosa interpretação do vampiro Drácula pelo húngaro Lugosi, uma das mais populares adaptações foi estrelada pelo inglês Christopher Lee, que o  interpretou em vários filmes da Hammer, com a primeira aparição em “O vampiro da Noite”, em 1958, do diretor Terence Fisher, seguida de um considerável números de sequências, nas quais foi também retratado o impetuoso caçador de vampiros Van Helsing, (Peter Cushing), algumas delas em: Drácula, o príncipe das trevas (Dracula: prince of darkness, 1965), de Terence Fisher;  Drácula, o perfil do diabo (Dracula has risen from the grave, 1968), de Freddie Francis;  Sangue de Drácula (Taste the blood of Dracula, 1969), de Peter Sasdy;  Conde Drácula (El Conde Dracula, 1970), de Jesús Franco; O Conde Drácula (The scars of Dracula, 1970), de Roy Ward Baker e Dracula AD 1972, de Alan Gibson.

Outro representante de peso no universo de terror foi o ator Vincent Price, conhecido como “mestre do macabro” e comumente associado à Hammer britânica, em razão das populares adaptações de contos e novelas de Edgar Allan Poe, as quais, na verdade, foram produzidas por Roger Corman  para os Estúdios American International Pictures. Continuando a listagem do cânone clássico de “monstros” do cinema, imprescindível mencionar o “homem das mil faces”,  Lon Chaney, e seu sucesso estrondoso na produção muda “O Fantasma da Ópera”, de 1925, na qual, com um aspecto assustador, rendeu sustos às plateias na primeira aparição do atormentado personagem criado por Gaston Leroux, no ano de 1909.

O cinema da década de 70 e 80 é marcado por um tom de terror psicológico e slasher/gore, numa tensão muito bem retratada na película de diretores como Brian de Palma (“Irmãs Diabólicas”, 1973; “Carrie, A Estranha”, 1976; “Vestida para Matar”, 1980; “Um Tiro na Noite”, 1981; “Dublê de Corpo”, 1984), o italiano Dário Argento (“Suspiria”, 1977) e Mario Bava, que criariam um próprio subgênero, denominado Giallo, num flerte de tensão sangrenta e thriller policial.

A década de 80 também foi dourada para as produções de terror com a primeira aparição de ícones como Jason Voorhees, da franquia “Sexta-feira 13”, o assassino que ataca nos sonhos; Freddy Krueger, de “A Hora do Pesadelo”, além de “Brinquedo Assassino” e “A Hora do Espanto”. Curiosamente, muitas pessoas não atentam para o fato de que outro super-vilão do gênero, o assassino Michael Myers, é o mais antigo de seus contemporâneos, aparecendo inicialmente na produção “Halloween”, de 1978, dirigida pelo lendário John Carpenter, filmes que receberam posteriores remakes, sem contudo, alcançar a qualidade e o toque de individualidade dos originais.

Atualmente, apesar de ser um gênero em constante reinvenção, com considerável número de refilmagens em homenagens à franquias populares, desde a década de 90, o que se percebe é um crescente interesse do público por títulos de suspenses psicológicos.

A contribuição dos serviços de streaming, inclusive com alguns especializados na disponibilização de filmes de terror, é valiosíssima para que a sétima arte, consoante mencionada, permaneça viva e em constante reinvenção. Filmes recentemente lançados nas plataformas, como “Fuja”, “A mulher na Janela” e “À Espreita do Mal”, são recorrentemente tema de debates, críticas e lives nas redes sociais, mais uma vez atestando a imortalidade da sétima arte, e sua constante renovação de público. Afinal, o que é bom, é imortal, e não sai de moda.

 

Marcus Hemerly

marcushemerly@gmail.com

 

N.E.

*  “Ouça, crianças da noite, que linda música elas fazem!”

Frase original:

“Listen to them: the children of the night. What sweet music they make.”

A tradução do texto é de autoria do autor desta publicação.