Sergio Diniz da Costa: 'Meu alter ego'
“Pela conclusão a que cheguei, eu devo ter, seguramente, como alter ego, o indesejável ‘inquilino interior’; ele, o abominável Mr. Hyde!”
Eu estava no início da adolescência quando assisti pela primeira vez uma das versões cinematográficas de ‘O Médico e o Monstro’ (originariamente, ‘The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr Hyde’ – O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde), um romance do escritor escocês Robert Louis Stevenson, publicado em 1886.
A versão era de 1941, dirigida por Victor Fleming e contava com um trio de atores de primeiríssima qualidade: o impecável Spencer Tracy, como Dr. Jekill/Mr. Hyde, e as belíssimas atrizes Ingrid Bergman e Lana Turner.
A história, já bastante conhecida, se passa em Londres, no século XIX. O médico e pesquisador Henry Jekyll acredita que o Bem e o Mal coexistem em todas as pessoas e, para provar sua teoria, elabora uma fórmula. E, não querendo colocar em risco a vida de ninguém, ele mesmo a bebe. Como resultado, seu lado malévolo ─ Mr. Hyde ─ é revelado e, ao contrário do que previa o cientista, sobre ele não tinha nenhum controle.
Aquele filme me aterrorizou ─ particularmente, pela brilhante atuação de Spencer Tracy ─ e me rendeu pesadelos recorrentes. E, também, me levou a refletir e concluir sobre a eterna luta entre o Bem e o Mal: todo ser humano, sob seu lado Luz, é um amável e solidário Dr. Jekill, e, sob seu lado Sombra, um odioso Mr. Hyde.
Pela conclusão a que cheguei, eu devo ter, seguramente, como alter ego, o indesejável ‘inquilino interior’; ele, o abominável Mr. Hyde!
Entretanto, se ele habita em mim, ao que parece a idade deve tê-lo amansado um pouco, pois, se realmente é verdade que, com o início da velhice, voltamos a ser criança, meu alter ego apresenta uma faceta oposta: leve, descontraída, brincalhona e solidária.
Longe de causar terror, como um Mr. Hyde, meu alter ego, todavia, às vezes me deixa em maus lençóis. E, às vezes, em alvos lençóis, pois, nada como jogar a culpa em outra pessoa, ainda que, por causa disso, me tachem, no mínimo, como excêntrico.
Este ‘outro eu’ é, na verdade, um saci! Sim, aquele menino negrinho de uma perna só, com um barrete vermelho e pito na mão e que, regra geral, chega e se escafede num redemoinho.
Convivo com ele já há algum tempo; aliás, creio que há muito tempo! E confesso que, apesar dos pesares, tenho a impressão de que nunca vou despejar esse inquilino.
Mas, em vez de continuar discorrendo sobre ele, permitam-me apresentá-lo, por meio do poema que escrevi sobre ele ─ Meu Saci Interior ─ e que, ao mesmo tempo, define-o e mostra a nossa relação: Dentro de mim mora um saci/ Que fala de todos e de si/ Apronta todas, só fala asneira/ Quem é ele? Sacísio Meira! Negrinho que nem carvão/ De barrete e pito na mão/ Lá vem ele, num remoinho/ Saiam todos de seu caminho! No meio de discurso sério/ Fala de tudo, sem critério/ Mete o bedelho, esse fedelho/ Um verdadeiro pentelho! Quem me salva deste anão? Quem me livra deste espinho? Será ele demônio, então? Ou, de mim, só quer carinho?