Cia. do Sopro estreia Medea com direção de Zé Henrique de Paula no Teatro do SESC Pompeia
Texto de Mike Bartlett, uma versão inglesa e contemporânea para o clássico de Eurípedes. A peça faz reflexões acerca da condição da mulher nos dias de hoje
Dar corpo e voz a essa Medea é uma catarse. Um expurgo pelo constante desacato a que estamos sujeitas, pelo fato de se ser mulher.” Fani Feldman
Formada por Fani Feldman, Rui Ricardo Diaz, Plínio Meirelles, Osvaldo Gazotti e Antonio Januzelli a Cia. do Sopro, que tem em sua trajetória os espetáculos A Hora e Vez e Como Todos os Atos Humanos, convida Zé Henrique de Paula e um time de artistas, para levar à cena MEDEA do dramaturgo inglês Mike Bartlett (mesmo autor de “Love, Love, Love”, “Contractions” e “Bull”). O referido autor é um dos mais ousados dramaturgos da geração emergente da Europa, e a versão desse clássico grego, suscita reflexões acerca da condição da mulher nos dias de hoje.
Com tradução de Diego Teza, a peça tem no elenco Fani Feldman (Medea), Daniel Infantini (Jasão), Juliana Sanches (Pam), Maristela Chelala (Sarah), Plínio Meirelles (Andrew) e Bruno Feldman (Nick Carter). MEDEA estreia presencialmente no Teatro do SESC Pompeia dia 26 de novembro, às 21h, faz 3 únicas apresentações e segue para temporada online de 29 de novembro a 7 de dezembro.
Ao adaptar este clássico grego, Mike Bartlett transporta o território e a realidade originais da Grécia antiga a um terreno suburbano localizado em um conjunto habitacional, análogo aos bairros que bordejam as áreas centrais de cidades grandes ao redor do mundo. E o faz não por mera similaridade, nem tampouco para assegurar a fruição do espectador com artifícios referenciais deste tempo, mas para tratar de matérias próprias da contemporaneidade, sem que, por conta disso, perca de vista o alicerce mitológico que respalda sua obra.
Bartlett reloca o mito ao presente e se desvia do tecido dramático original, revelando, desse modo, particularidades imprevistas, rumores inéditos e problemáticas exclusivas do modus operandi deste nosso tempo. Revisita a fábula, os arquétipos e suas potências e os recondiciona num jogo disposto em um tabuleiro não mais coletivizado, como é próprio da Grécia antiga. As condições agora estão circunscritas pela lógica particular, individualista e degradante, capaz de tornar ainda mais complexo o emaranhado de vetores que fabricam a tragédia de Medea.
“Em tempos tão alarmantes e retrógrados como os que estamos vivendo, nos quais as chagas sociais pululam a olhos vistos, não há dúvida de que a tragédia grega está absolutamente presente na sociedade moderna assim como esteve na Grécia antiga, mas, para além da manutenção das linhas de força que conduzem o mito, na obra composta por Bartlett há evidências contemporâneas prementes que necessariamente estão consideradas nesta empreitada”, conta Fani Feldman, atriz do espetáculo.
“O estado geral desta Medea agrega condições análogas às de eventos, cotidianamente assistidos por muitos de nós, que tendem a terminar de modo trágico. São pungentes, nesse caso ainda mais, por não ocorrerem num palácio real com uma visão panorâmica da paisagem circundante, mas dentro dos limites de um ambiente suburbano, cotidiano e coalhado de tensões subjacentes e normatizadas”.
“A mulher de nosso tempo é atuante nas diversas esferas da realidade, mas tem seu espaço ainda subjugado pelas forças contrárias à emancipação efetiva de seus direitos e lugar de fala. É por esta vereda e seus meandros que a Cia do Sopro investiu seu intento e elegeu esta Medea, como uma potência radical capaz de refletir sobre o estado de coisas da condição atual da mulher”, conclui.
Sobre a direção
“Um clássico é aquele tipo de obra que nunca para de dizer o que tem para dizer, que se ressignifica o tempo todo, que serve à sociedade de quando foi escrito e, ao mesmo tempo, ao nosso ‘zeitgeist’. Medeia é um dos grandes clássicos do teatro grego. A protagonista acuada, traída, vilipendiada, eviscerada por uma sociedade alicerçada pelo machismo estrutural fala integralmente aos dias de hoje. E infelizmente, fala demais ao Brasil de 2021, um país aterrorizado permanentemente por notícias diárias de abuso e feminicídio”, conta Zé Henrique de Paula, que avança:
“Dirigir essa peça sendo um homem é exercitar a humildade e servir meramente de canal para que a voz – no nosso caso, o grito – das mulheres seja ouvido. Ouvido de verdade, o que significa permitir que esse grito, esse lamento, esse coro, sejam ferramentas de modificação de uma tremendamente injusta situação social”.
Grande parte do trabalho recente de Bartlett está situado em um futuro distópico próximo. Recorrer à Grécia clássica para se inspirar é ponto de partida inusitado, mas não menos coeso com sua abordagem acerca do homem contemporâneo, tratado sem condescendência, por seus atos mordazes, ambivalentes, nem sempre justificáveis, tal como se afigura o sujeito da época em que vivemos. Não é à toa que o dramaturgo vai beber na fonte de Eurípides que, segundo ele, escreveu sobre as pessoas como elas são – não sobre reis idealizados, rainhas e deuses, seus personagens foram os primeiros a não culpar os deuses por seus infortúnios; em vez disso, eles são responsabilizados por suas ações.
No último espetáculo da Cia do Sopro, “Como Todos os Atos Humanos”, numa alusão inversa a Electra, a Cia. levou à cena uma narrativa tétrica na qual uma filha, obcecada por seu pai e por ele subjugada, ao contrário do que dita sua paixão e admiração, o extermina furando seus olhos com um estilete. Depois deste “parricídio ocular”, que simbolicamente termina por incidir no aniquilamento arquetípico do patriarcado e de toda a vigília que a redoma masculina exerce sobre a mulher, torna-se, agora conexa a escolha por esta Medea, um poderoso emblema de todas as mulheres juguladas pela falocracia.
Seu filho com Jasão é utilizado como barganha recorrentemente e acaba sacrificado por vingança. Bartlett desvela ainda as engrenagens do universo masculino, mostra como os homens são claramente incapazes de negar sua luxúria sexual, mesmo quando confrontados pelo ódio proclamado de mulheres extenuadas pela violência diária, como faz Medea ao expor, não sem altiva ironia, suas chagas diante de Jasão: “Eu divido os homens em três grupos: idiotas, tios e estupradores. Os idiotas precisam de uma mãe, os tios nos tratam como crianças e os estupradores querem nos foder, gostemos ou não”.
SINOPSE
Medea está em depressão, o marido Jasão a deixou por outra mulher mais jovem, seu filho, Tom, perdeu a fala. O desamparo dá a ela um ar que mistura poder e impotência. Suas atitudes inspiram empatia e repulsa, ambivalência que se reflete na vida real: ela se vinga da nova esposa de Jasão e mata seu próprio filho. Incapaz de reaver o homem que ama, ela destrói tudo o que é remotamente querido para ele, e faz isso sem se importar, tomada por uma fúria nitidamente alocada neste tempo no qual a violência é vestida por sentidos polivalentes e, no mais das vezes, empenhada com a frieza da apatia.
Sobre a CIA DO SOPRO
A Cia. do Sopro nasceu com o espetáculo “A Hora e Vez”, a partir de “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa, com direção de Antonio Januzelli e atuação de Rui Ricardo Diaz. O espetáculo teve sua estreia em 2014 no projeto Teatro Mínimo no SESC Ipiranga-SP. Em seguida, em 2015 e 2016 o espetáculo realizou duas novas temporadas em São Paulo. Em 2017 integrou a Mostra “Solos e Monólogos no CCBB” entre outras realizações. O segundo trabalho da Cia. do Sopro, “Como Todos os Atos Humanos”, fez sua estreia em agosto de 2016 no Teatro do Núcleo Experimental, permanecendo em cartaz por três meses na cidade de São Paulo. Em 2018 abriu a Mostra Solos Monólogos no CCBB, e esteve em diversos lugares como Itaú Cultural na Av. Paulista, SESC São José dos Campos entre outros. Entre março e abril de 2020 os dois trabalhos entraram em cartaz no Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, ambas as peças tiveram sucesso de público e crítica, além de sessões esgotadas, mas infelizmente tiveram suas temporadas interrompidas pela pandemia. Em maio o solo “Como Todos os Atos Humanos”, retornaria a São Paulo para mais uma temporada, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, mas dadas as circunstâncias pandêmicas, a Cia. transformou o espetáculo em uma peça/filme (nome adotado para a versão online da peça) para sua veiculação.
Ficha Técnica
Texto: Mike Bartlett
Tradução: Diego Teza
Idealização: Fani Feldman e Cia. do Sopro
Direção: Zé Henrique de Paula
Fani Feldman (Medea), Daniel Infantini (Jasão), Juliana Sanches (Pam), Maristela Chelala (Sarah), Plínio Meirelles (Andrew) Bruno Feldman (Nick Carter) e David Uander (TOM)
Preparação: Inês Aranha
Trilha Original: Fernanda Maia
Assistência de direção: Marcella Piccin
Iluminação: Fran Barros
Cenário: Bruno Anselmo
Figurino e visagismo: Daniel Infantini
Direção de vídeo, montagem e fotografia: Murilo Alvesso
Direção audiovisual – Murilo Alvesso | Câmeras – Murilo Alvesso, Jorge Yuri e Ju Lima | Som Direto – Tomás Franco | Assistênica de câmera e Grafismos – João Marcello Costa | Produção Audiovisual – Assum Filmes
Concepção do projeto: Fani Feldman e Bruno Feldman
Produção: Quincas e Cia. do Sopro
Direção de Produção: Fani Feldman e Rui Ricardo Diaz
Assistente de Produção: Laura Sciulli
Realização: ProAc | Quincas I Cia. do Sopro
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Agradecimentos e apoios: Teatro do Núcleo Experimental, Teatro Santa Cruz/ Raul Teixeira, teatro FAAP/ Cláudia Hamra, Cláudia Miranda,Tati Marinho/ Casa dos Achados – Brechó, Refúgios Urbanos/ Bárbara Tegone, Una Muniz Viegas/ Cristiane Viegas, Jairo Leme, Marina Feldman, e Ariel Moshe.
Cia. do Sopro: Fani Feldman, Rui Ricardo Diaz, Plínio Meirelles, Osvaldo Gazotti e Antonio Januzelli.
Serviço:
Presencial:
Estreia 26 de novembro
SESC Pompeia
26, 27 e 28 de novembro. (Sexta e Sábado 21h00 e domingo 18h00)
Rua Clélia, 93 – Pompéia, São Paulo – SP.
Temporada online:
29 de novembro a 07 de dezembro, com sessões diárias, sempre às 21h00. (ingressos pelo Sympla)