Isabel Furini: 'A gadanha'

Isabel Furini

A gadanha*

Os anjos caídos cuspiram sombras

sobre a árvore de magnólia

refletida em um espelho de metal antigo

um movimento nas luzes projetadas pelo espelho

e os fantasmagóricos  duendes do abismo abriram seus olhos

e riram

e eles atravessaram as paredes que separavam os séculos

e palavras antigas como ‘pandemia’ e ‘fim do mundo’

renovaram-se com o poder das sombras

e  voltaram a habitar os lábios e estremeceram

gargantas e corações

alguns verbos como viajar tornaram-se proibidos

mas outros verbos como amar e acreditar

foram erigidos em herdeiros do trono de Cronos

e Cronos (matreiro) ergueu a gadanha

e cortou cabeças e triturou pescoços

e ficou sozinho como aquele pedaço de pão velho

que permanece esquecido em um banco de madeira de uma praça

onde alguns mendigos (cansados ​​da vida) matam as horas

enquanto esperam serem mortos pela gadanha impiedosa de Cronos.

 

 * Gadanha.  Foice de cabo comprido para cortar feno; alfanje, gadanho.

 

Isabel Furini

isabelfurini@yahoo.com.br