Marcus Hemerly: 'Babenco, o coração ainda bate'

Marcus Hemerly

Babenco, o coração ainda bate

“Você não passa impunemente pelo que acontece com você. É óbvio que cicatrizes ficam.

Não no corpo, mas na alma.” Hector Babenco

Falecido em 2016, vítima de câncer, mas, evidentemente, nunca esquecido, Héctor Eduardo Babenco deixou uma filmografia completa em todos os sentidos. Aos amantes do cinema, uma vertente especial de análise salta aos olhos; o drama humano transmitido em cotejo à qualidade e técnica dos mestres, que se descortina no trabalho do cineasta argentino naturalizado brasileiro. Profissional que sempre elevou o nome do Brasil ao nicho internacional com produções que conquistaram plateias e se inseriram como indissociáveis à história do cinema mundial, coadunando crítica e bilheteria.

Após seu lançamento em larga escala nas salas de cinema ter sido frustrado pela pandemia, o público brasileiro ainda recebeu a frustrante notícia de que o filme “Babenco: Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou” indicado em novembro anterior pela Academia Brasileira de Cinema – ABC, para representar o país no Oscar 2021, ficou fora da premiação. Na película dirigida pela viúva do diretor, Barbara Paz, são retratados os últimos meses de Babenco, através de um olhar sensível, porém incisivo, ao traçar momentos importantes em sua carreira. No filme, rememora-se a seleção para concorrer à estatueta de melhor diretor por “O Beijo da Mulher Aranha”, 1986, quando foi diagnosticado com câncer pela primeira vez; a produção do festejado “Pixote, A lei do mais fraco”, (1980), até o crepúsculo de sua existência dando dicas ranzinzas de enquadramentos de câmera à sua esposa/cineasta.

              

O resultado: Babenco é uma ode visual às artes, e não apenas ao cinema, junção de várias modalidade de expressão, pois o diálogo entre a vida que vemos e sentimos pulsa de forma incontida a cada minuto da película. Nessa visão, a arte como forma de escapismo, a criação aliada às complexidades da vivência – e aqui se separa o viver do simples existir – são aplaudidos de pé na imagem em movimento.

O tom de despedida entrelaçado à trajetória do responsável por obras como ‘O rei da noite’ (1975), ‘Lúcio Flávio, o passageiro da agonia’ (1977), Ironweed’ (1987) e Carandiru’ (2003), registrado por meio da sétima arte, é impactante e comovente em sua belíssima fotografia em preto e branco.  Disse Babenco “Eu já vivi minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela”, e o faz como protagonista, de forma magistral como o fez atrás das câmeras.

Bastidores de “Carandiru”, 2003

Seu último filme, produzido em 2015, “Meu Amigo Hindu”, gravita em torno de um diretor de cinema que se descobre em fase terminal de câncer, interpretado por Willem Dafoe. As feições autobiográficas são patentes, e assim como no filme de Barbara Paz, não se detecta uma visão fatalista dos percalços humanos, mas a beleza encontrada em todos os desdobramentos da vida. Dafoe, que é um dos produtores associados de Babenco, ponderou sobre o diretor que sua obra e imaginação é “uma meditação poética, um poema de amor para ele, para a vida, para a morte e para o cinema”.

Com o devido respeito e valor aos selecionados, quem perdeu pela ausência do filme brasileiro à 93ª edição do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, foi a própria instituição, além do público que viria a conhecer a obra que já recebeu prêmios internacionais, incluindo o Bisato D’Oro, da crítica independente, no 76º Festival Internacional de Cinema de Veneza. Abaixo segue a lista da filmografia de Hector Babenco e a contundente sugestão para que o leitor com ela se delicie.

TRABALHOS  DE HECTOR BABENCO

1975 – O Rei da Noite

1977 – Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia

1980 – Pixote, a Lei do Mais Fraco

1985 – O Beijo da Mulher Aranha,

1987 – Ironweed

1990 – Brincando nos Campos do Senhor

1998 – Coração Iluminado

2003 – Carandiru

2007 – O Passado

2014    Words with Gods (Capítulo: O Homem que roubou um pato)

2016 – Meu Amigo Hindu