Carlos Carvalho Cavalheiro: 'O dia da mulher'

Carlos Cavalheiro

O dia da mulher

Por anos a fio foi divulgada como verdadeira uma tradição inventada para justificar o Dia Internacional das Mulheres, comemorado em 8 de março. Essa história, amplamente divulgada por sindicatos e outros movimentos sociais, alegava que a data referia-se a uma greve de mulheres tecelãs e que teve consequências graves quando o patrão decidiu incendiar a fábrica na tentativa de demover as operárias do motim de ocupação daquele lugar.

As mulheres, então, teriam morrido sufocadas e, depois, tiveram seus corpos carbonizados. A maioria, na tentativa de escapar das chamas, teria se enrolado em tecidos de cor lilás, a qual converteu-se em símbolo das lutas feministas.
Ninguém nega que os primeiros industriais eram dados a maus tratos a seus funcionários. A crônica é pródiga em relatos e denúncias das mais cruéis e hediondas, que vão desde espancamentos, exploração do trabalho e até estupro das mulheres dentro das fábricas. Mas, se o patronato não tinha qualquer apreço por seus operários, o mesmo não se dava em relação ao seu patrimônio, de modo que parece um tanto exagerada – e até romântica em demasia – a história do capitalista que incendiou a própria fábrica e das mulheres que se deixaram morrer como mártires para “não dar o braço a torcer”. O fato teria acontecido em Nova Iorque ou em Chicago (há várias versões) em 1857 e na ocasião contabilizou-se o número de 129 mulheres carbonizadas. Há outra versão que diz que o incêndio ocorreu em 1911.

Hoje quase não se ouve mais falar dessas versões. Uma pesquisa mais acurada aponta o início da comemoração da data a partir do início do século XX. Mas a ideia já estava gestada no século XIX, dentro do contexto de lutas emancipacionistas das mulheres. Afinal, as mulheres foram as mais prejudicadas com o surgimento da sociedade industrial, uma vez que trabalhavam as mesmas exaustivas horas que os homens, mas recebiam, em média, metade do salário. Ademais, muitas das mulheres que eram mães ainda se viam obrigadas a cumprir as tarefas domésticas e a cuidar dos filhos. Obviamente que as mulheres reconhecerão a exacerbação da exploração a que estavam submetidas.

 Além disso, as mulheres operárias eram assediadas em locais de trabalho, não podiam votar e nem se eleitas, não tinham voz e nem vez. Os cargos de comando nas empresas jamais eram dados a mulheres. Sua competência era sempre colocada a prova.

  A feminista Clara Zetkin parece ter sido a primeira mulher a propor a comemoração de uma data para a mulher com o intuito de reflexão sobre os temas que se referiam a como era socialmente vista e tratada. Isto ocorreu em 26 de agosto de 1910, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em Copenhagen.

O dia, porém, era instituído de acordo com a realidade de cada país. No Brasil, na década de 1920, os congressistas propuseram criar a data do Dia da Mulher, o qual, por proposta feita senador Marcílio de Lacerda, deveria ser o “Dia da Mãe Brasileira”, desvirtuando completamente o objetivo da comemoração (CORREIO DA MANHÃ, 27 jul 1920, p. 2). A data proposta seria dia 15 de agosto.

  O dia 8 de março surgiu durante protestos de mulheres pela entrada da Rússia czarista na Primeira Guerra Mundial. Marchando contra a carestia e a miséria, mulheres operárias saíram às ruas da Rússia imperial no dia 8 de março de 1917 para protestar.

O movimento internacional socialista imprimiu esse dia como o da luta das mulheres pela sua emancipação. E, assim, começou-se a comemorar esse dia que foi oficializado na década de 1970 pela Organização das Nações Unidas (ONU).

  Independentemente da origem do Dia, o importante é perceber que o espírito de luta permeia a comemoração. E é esse o elemento principal que não pode deixar de existir jamais. A razão da existência da comemoração do Dia Internacional da Mulher não pode estar desatrelada da consciência de que a igualdade de gênero ainda não foi atingida. Somente assim fará algum sentido a existência dessa data e das rosas e “parabéns” recebidos por elas nesse dia.

Carlos Carvalho Cavalheiro

 08.03.2022