Artigo de Celso Lungaretti: 'O blog do 'NÁUFRAGO' abre o debate sobre a REFUNDAÇÃO DA ESQUERDA. Participem!!!'
Celso Lungaretti
O blogue Náufrago da Utopia está priorizando a discussão de questões inerentes à refundação da esquerda e à fase de defensiva estratégica na
qual acabamos de ingressar.
Um agudo processo de crítica e autocrítica hoje é simplesmente imperativo, pois a
derrota que acabamos de sofrer foi, em muitos aspectos, pior ainda do
que a capitulação sem luta de 1964.
A depuração moral deve marchar junto com a reaglutinação de forças, pois não conseguiremos reconquistar o respeito do cidadão comum se nossa imagem
continuar associada à daqueles que, comprovadamente, tenham utilizado
a atuação política para, de forma ilícita, perseguir objetivos pessoais
como o enriquecimento e a conquista de status.
E, claro, como não adianta repetirmos o que deu errado na esperança de que na vez seguinte dê certo, temos de discutir quais as novas estratégias e táticas a serem adotadas, para substituírem as que chegaram ao esgotamento na atual década.
O espaço está aberto para todos que tenham contribuições pertinentes
a oferecer, com este foco: o que vínhamos fazendo de errado e
como deveremos agir daqui para a frente?
O mais do mesmo, evidentemente, não será bem-vindo, pois foi ele que nos
reconduziu ao ponto de partida, obrigando-nos a começar de novo a lenta
e longa trajetória para empurramos a pedra até o topo da montanha.
CELSO LUNGARETTI
IDEAIS REVOLUCIONÁRIOS SÃO A BÚSSOLA PARA UMA SOCIEDADE IGUALITÁRIA
E LIVRE. JÁ OS GOVERNOS VÊM,
VÃO E NADA MUDA…
Em 1967, aos 16 anos, fiz minha opção definitiva pelos ideais de esquerda, que eu inicialmente identificava apenas com o marxismo.
A única mudança importante nas minhas convicções ideológicas, desde então, foi ter saído dos cárceres da ditadura convencido de que nada, absolutamente nada, justificava o esmagamento do indivíduo pelo Estado, que eu e meus companheiros sofrêramos na pele.
Passei a colocar em plano de absoluta igualdade os objetivos revolucionários e o respeito aos direitos humanos. Ou seja, encaro ditaduras, permanentes ou transitórias, como incompatíveis com a dignidade do ser humano e também com a própria integridade da revolução, pois a desvirtuam irremediavelmente, favorecendo a imposição da vontade de nomenklaturas sobre os trabalhadores.
A revolução deve transferir o poder ao povo, não entronizar novos privilegiados.
Coerentemente, deixei de me considerar apenas marxista. No que tange à ditadura do proletariado, os anarquistas é que sempre estiveram certos. Se fossem ouvidos, a revolução soviética não frustraria as enormes esperanças que despertou, a ponto de tornar-se o exemplo negativo que o capitalismo utilizou para dissuadir os trabalhadores de outros países de também lutarem por sua emancipação.
Hoje enxergo pontos válidos no marxismo, no anarquismo, no trotskismo e em muitas bandeiras específicas da geração 68. Se a humanidade vier a ser libertada (há, infelizmente, a possibilidade de o capitalismo nos conduzir ao extermínio antes disto), será pelo que de melhor tais vertentes produziram. É essencial que estejam unidas nos momentos decisivos.
A revolução também não se confunde com capitalismo de estado, nem é necessariamente alavancada pela estatização da economia. Por tal caminho se chega mais facilmente ao fascismo do que ao reino da liberdade, para além da necessidade.
Fui dos primeiros a entrevistar o Lula na campanha eleitoral de 1989. Perguntei-lhe como faria para evitar que as estatais continuassem a serviço da politicalha. Ele respondeu que as colocaria sob a tutela de conselhos de trabalhadores.
Quando finalmente chegou à Presidência da República, não moveu uma palha neste sentido. Nem isto lhe foi cobrado por quase ninguém, infelizmente. De 1989 a 2002, a esquerda não avançou, retrocedeu. E continua até hoje andando para trás, como os caranguejos.
Eu não mudei um milímetro; considero, p. ex., que teria sido muito melhor se a gestão da Petrobrás coubesse aos trabalhadores organizados. Talvez estes a tivessem mantido nos trilhos, evitando que fosse saqueada e quase destruída pelos políticos profissionais (ou em seu benefício).
É patética a compulsão pelo poder sob o capitalismo que contagiou a maior parte da esquerda brasileira. Da Presidência da República à vereança, os cargos eletivos na democracia burguesa sempre foram encarados pelos revolucionários como meios para impulsionar a revolução, meras ferramentas da ação revolucionária, e não como fins em si.
Acabamos de assistir, pelo contrário, à utilização de um imenso arsenal de ilicitudes, falácias e casuísmos para tentar salvar uma presidente que nem sequer estava conseguindo governar, tendo chegado ao cúmulo de entregar a condução da política econômica a um neoliberal, ou seja, a um inimigo de classe.
Diziam que cabia aos esquerdistas apoiarem incondicionalmente Dilma Rousseff, mesmo que isto lhes acarretasse enorme desprestígio e apesar de ela pisar o tempo todo nos ideais e bandeiras da esquerda que um dia honrou. Mas, como a veria uma pessoa isenta e dotada de espírito crítico? Apenas como uma tecnoburocrata que apostava todas as suas fichas no Estado e não no povo, com um indisfarçável viés autoritário.
A revolução é infinitamente mais importante do que quaisquer governos que se limitem a gerenciar o capitalismo para os capitalistas. Pois só ela é solução solução definitiva para os dramas que nos afligem na sociedade de classes. Inexistindo o poder popular, as conquistas de uma fase podem ser todas anuladas na fase seguinte, como está acontecendo agora.
Desmoralizar a revolução aos olhos dos trabalhadores, fazendo-os identificarem-na com tudo que há de antipopular e antiético, equivaleu a destruir sua esperança num futuro de realização plena dos seres humanos, em troca de um poder muito mais ilusório do que real. Quando o verdadeiro poder –o econômico– decidiu dar um fim ao ciclo petista, o fez com um simples piparote, sem nem mesmo ter de recorrer aos serviçais fardados.
Governos vêm, vão e nada muda sob a democracia burguesa e o capitalismo. Cabe-nos, então, priorizar sempre os ideais de esquerda, pois são eles a bússola que nos aponta o caminho para uma sociedade igualitária e livre.
E os erros cometidos nos últimos governos nos devem servir de lições: teremos de fazer tudo bem diferente da próxima vez, para que os frutos dos nossos árduos e abnegados esforços não nos escapem novamente dentre os dedos.
CELSO LUNGARETTI
AS LIÇÕES DA DERROTA E O QUE FAZERMOS DORAVANTE
O jornalista Bernardo Mello Franco é um dos muitos críticos do último governo do PT que veem consequências sinistras na queda de Dilma Rousseff: “A posse de Michel Temer deve marcar a mais brusca guinada ideológica na Presidência da República desde que o general Castello Branco vestiu a faixa, em abril de 1964. Após 13 anos de governos reformistas do PT, o país passa ao comando de uma aliança com discurso liberal na economia e conservador em todo o resto”.
Por um dever de coerência, todos que pretendemos contribuir para a emergência de uma sociedade que concretize os melhores anseios da humanidade através dos tempos –a justiça social e a liberdade– tivemos de repudiar o que o Governo Dilma se tornou: responsável pela pior recessão brasileira da História e, desde janeiro de 2015, meramente neoliberal (ou seja, empenhado em corrigir suas lambanças anteriores à moda de Milton Friedman, sacrificando os explorados e os coitadezas ao invés de entregar a conta aos que sempre foram privilegiados demais, como os parasitas do sistema financeiro, os predadores ambientais do agronegócio, os detentores de grandes fortunas e os aquinhoados com grandes heranças).
Mas, a partir da descaracterização que a esquerda sofreu nas últimas décadas, isso significou ficarmos, os minimamente coerentes, na contramão dos muitos que passaram a considerar que a alternativa aos governos de direita fosse essa sopa aguada de populismo com reformismo que nos servia o Partido dos Trabalhadores… (continua aqui)
DALTON ROSADO
HUMANIZAR O CAPITALISMO SERIA COMO
ADMINISTRAR O DIABO E SEU TRIDENTE
O escritor francês Thomas Piketty, autor do livro O capital no século XXI, um best seller mundial, faz uma análise estatística da concentração mundial da riqueza sob o capitalismo; sobre a falência dos serviços públicos; sobre a insolvência do sistema financeiro; da dívida pública; e por aí vai, para concluir que “o capitalismo é um beco sem saída”.
Entretanto, as soluções por ele propostas, tais como “taxação de grandes fortunas e propriedades globais”, que vêm encantando a esquerda, situam-se dentro do espectro antigo no qual se tenta humanizar o capitalismo, como se nós pudéssemos administrar o diabo e seu tridente como um mal necessário.
A questão fundamental que se coloca na atualidade foi pouco percebida pelos inimigos do capitalismo de todos os tempos, inclusive pelos marxistas-leninistas; eles não entenderam ou não quiseram entender a necessidade de se superar o capital e suas categorias fundantes no sentido de aboli-las e substitui-las por outra forma de relação social, e não de administrá-lo.
O Marx exotérico admitiu, equivocadamente, em certo momento de seus escritos, que poderíamos conviver com o capital numa transição para uma sociedade comunal, o que gerou equívocos oportunistas.O Marx esotérico, contudo, contrariou a si próprio posteriormente e em tempo, negando tal possibilidade. Com razão: não podemos viver sob a égide de uma forma de relação social que se exauriu a si mesmo pelas contradições inconciliáveis de seus próprios fundamentos…. (continua aqui)
CELSO LUNGARETTI
O COMPROMISSO DOS REVOLUCIONÁRIOS COM A CIVILIZAÇÃO
Ao surgirem, tanto o marxismo quanto o anarquismo prometiam conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização.
A proposta de ambos era a de um melhor aproveitamento do potencial produtivo existente, direcionando-o para a promoção da felicidade coletiva, ao invés de desperdiçá-lo em privilégios para uns poucos e parasitismo generalizado.
A hipótese anarquista nunca foi testada: não houve país em que cidadãos livres organizassem a economia e a sociedade sem a tutela do Estado.
A hipótese marxista não foi testada da forma como seus enunciadores previam: em países cujas forças produtivas estivessem plenamente desenvolvidas.
Nas duas nações que realmente contam, a revolução teve de cumprir uma etapa anterior, qual seja a de acumulação primitiva do capital, já que se tratava de países ainda desprovidos da infra-estrutura básica para uma economia moderna.
Acabaram tendo de exigir esforços extremos dos trabalhadores; e, como eles não se dispunham livremente a isto, a URSS e a China, cedendo ao imperativo da sobrevivência, coagiram-nos a dar essa quota de sacrifício.
Ou seja, tornaram-se tiranias. Uma mais brutal e assassina, a stalinista. A outra mais messiânica e fanática, a maoísta… (continua aqui)
MARCOS NUNES FILHO
“O PT SÓ BENEFICIOU A POPULAÇÃO POBRE E TRABALHADORA QUANDO NÃO PRECISOU CONTRARIAR NENHUM GRANDE INTERESSE”
Lula tentou sem sucesso provar que era possível conciliar trabalho e capital. Não existe capitalismo humano: ele sempre será predador e monopolista.
Na ideologia pseudo-distributiva do PT, os beneficiários do Bolsa Família receberam a sua pequena quota do orçamento, e foi feito um grande alarde propagandista desta boa ação. Mas o que não se propagou foram os beneficiários dos juros altos, os empréstimos do BNDES, as isenções fiscais, etc.
O grosso da grana ia para a aristocracia financeira, sobrando as migalhas para os deserdados do Bolsa Família, de modo a mantê-los no cabresto eleitoral. Este programa é uma esmola estatal que a esquerda marxista sempre denunciou como uma contrarrevolucionária política compensatória ditada pelo Banco Mundial para controlar a luta de classes e impedir explosões sociais… (continua aqui)
CELSO LUNGARETTI
O LEGADO DA SOCIEDADE ALTERNATIVA
No início dos anos 80, quando trabalhava em revistas de música, tive uma breve amizade com o Raul Seixas.
O que nos aproximou foi termos ambos 1968 como referencial maior de nossas existências.
Canções tipo “Metamorfose Ambulante”, “Tente Outra Vez”, “Cachorro Urubu” e “Sociedade Alternativa” lavavam minha alma, num momento em que a velha esquerda rabugenta se reconstruía, passando como um rolo compressor sobre os sonhos da geração das flores.
De papos sóbrios e etílicos que tive então com o Raulzito, posso dizer que o lance da sociedade alternativa era, basicamente, o de agruparmos as pessoas com boa cabeça em comunidades que estivessem, ao mesmo tempo, dentro do sistema (fisicamente) e fora dele (espiritualmente).
Essas comunidades existiram no Brasil, de 1968 até meados da década seguinte. Nelas praticávamos um estilo solidário de vida, buscando reconciliar trabalho e prazer. Procurávamos ter e compartilhar o necessário, evitando a ganância e o luxo.
Acreditávamos que um homem novo só afloraria com uma prática de vida nova; quem quisesse mudar o mundo dentro das estruturas podres, acabaria sendo, isto sim, mudado pelo mundo… (continua aqui)