Guaçu Piteri retorna ao ROL: artigo 'Justiça na Democracia'

Guaçu Piteri
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Guaçu Piteri: ‘Justiça da Democracia’

Deodato, coordenador estadual do partido, não poderia ter sido mais direto:

– Rafael, leva essa nominata da nova Comissão Provisória de Osasco ao cartório eleitoral para registro. Preciso dessa providência hoje, sem falta.

– Não dá para mandar um funcionário?

– Não. Tem que ser o presidente municipal. É exigência do TSE.

Rafael, o jovem dirigente partidário, tinha trauma de enfrentar a prepotência e o desprezo de burocratas das repartições federais que se consideram patrões dos contribuintes que lhes pagam os salários.  Mas, como não havia alternativa, dirigiu-se à rua Padre Damásio, na esquina da Primitiva.

Chegou, tomou seu lugar  no fim da fila e, pacientemente, esperou sua vez.

– Bom dia. Eu sou o presidente da Comissão Provisória do meu partido e vim em busca da senha de acesso à Justiça Eleitoral.

Na sala, dois estagiários do CIEE e duas funcionárias:

A morena, idosa, levantou os olhos do teclado e deu a impressão de que não sabia o que responder. Sua colega, jovem, loira, arrogante, aproximou-se e disparou:

– Não é aqui.

– Aonde poderia ser, perguntou Rafael.

– Você já foi ao TRE?

– Não. Na verdade …

– Por quê não foi?

– Bem, senhora, é que me mandaram vir aqui…

A funcionária deu-lhe as costas e, antes de desaparecer numa sala interna, sentenciou:

–  Você não pode ficar aqui dentro. Rafael entendeu o sentido da frase que, aos seus ouvidos soou como “assunto encerrado, ponha-se daqui pra fora”

Humilhado, vencido e enredado no roteiro kafkiano que se delineava, resolveu telefonar para a secretária do Diretório Estadual para pedir orientação. Enquanto ligava, ocorreu-lhe a ideia de aplicar o velho golpe da carteirada. Não teve dúvida, em voz alta para que todos na sala pudessem ouvi-lo, saiu-se com essa:

“Alô, deputado, eu estou no cartório eleitoral conforme determinação de Vossa Excelência. Os funcionários estão me informando que não é aqui.”

A secretária do partido na outra ponta da linha, perplexa, não sabia o que responder.

(“Como?… Quem está falando?… Eu não estou entendendo…”)

“Então é isso mesmo, né deputado?” – continuou Rafael. “Ah!… Sei!… Vossa Excelência tem certeza. É aqui no cartório onde eu estou.”

Os funcionários, em pânico, retornaram aos seus postos. O chefe, até então recluso numa sala interna, apareceu, e, de imediato, sentou-se ao computador. Em menos de cinco minutos o documento estava disponível.

Antes de se retirar, Rafael simulou  outro telefonema:

“Jairo, avisa a militância que o Senador me telefonou de Brasília confirmando a  presença na nossa reunião hoje à noite. Eu quero casa cheia…”

(“Senador?…Hoje?… É pegadinha, colega?”)

Com um sorriso, Rafael desligou o telefone, encarou uma funcionária, a loira arrogante, e comentou:

“O que mais me emociona é a propaganda do TSE: ‘Justiça Eleitoral é a Justiça da Democracia'”. Pode?