Artigo de Celso Lungaretti: 'A SUPERESTRUTURA IDEOLÓGICA IMPORTA MUITO MAIS PARA OS FILHOS DOMESTICADOS DE MARX DO QUE A REALIDADE CRUA DA LUTA DE CLASSES'
A ESQUERDA NA ENCRUZILHADA:
OU VOLTA A SER REVOLUCIONÁRIA OU SE TORNARÁ
UMA ESQUERDA PLUNCT-PLACT-ZUMMM
Por Celso Lungaretti, no blogue Náufrago da Utopia.
Uma semana depois do afastamento de Dilma Rousseff o panorama é desalentador. O teor das críticas contra a nova administração, que jorram em profusão na internet e até na grande imprensa, nos leva à melancólica conclusão de que um governo como o do Partido dos Trabalhadores era o ideal para a maioria dos que hoje se enxergam como esquerdistas, com a única ressalva de que precisariam ser excluídas a roubalheira e a política econômica desastrosa.
É um paradoxo: todos constatam a mediocridade rasteira e a cupidez espantosa dos políticos profissionais mas, ainda assim, mantêm a crença no Estado e nos
Da incrível ruindade e insuficiência dos serviços de Educação, Saúde e transporte coletivo a que estão sujeitos dezenas de milhões de brasileiros, aqueles que não têm como bancar escola particular, convênio médico e carro próprio?
De que só 48% dos brasileiros contam com coleta de esgoto e só 38% dispõem de tratamento de esgoto? [Saberão quão frequente é a queda de crianças nos córregos imundos, com riscos enormes para sua vida e sua saúde?]
Da insegurança permanente em que nossa gente vive, ameaçada pela bandidagem armada até os dentes e por uma polícia tão truculenta quanto ineficiente, a ponto de ambos os contingentes inspirarem idêntico terror na população?
Da vida de cão que os aposentados, em sua maioria, levam?
Mas, a superestrutura ideológica importa muito mais para esses filhos domesticados de Marx do que a realidade crua da luta de classes. Por mais que resmunguem e radicalizem na retórica, para eles o capitalismo é suportável.
Se conhecessem os grotões longínquos, ou mesmo a periferia de nossas metrópoles, saberiam quão insuportável a exploração do homem pelo homem se tornou e como é premente sua substituição por um regime que priorize o bem comum em lugar da ganância, de forma que os avanços das forças produtivas passem a beneficiar a toda a população brasileira ao invés de alavancarem o contínuo incremento da desigualdade econômica!
Então, inexistindo uma reação por parte dos que ainda sejam capazes de reconhecer um fracasso retumbante quando ocorre sob seus narizes, não haverá um processo de crítica e autocrítica profundo como o de 1964, que mudou a face da esquerda da época. Aquela capitulação sem luta teve a consequência que se impunha; a atual, nem de longe está tendo.
Se a ênfase continuar sendo a de repisarmos como o inimigo é horroroso ao invés de aprofundarmos a discussão sobre os erros que nosso lado cometeu no processo de entregar-lhe a Presidência da República numa bandeja, só uns poucos se compenetrarão da nocividade da política de conciliação de classes e da ilusão de que as mudanças cruciais para o povo brasileiro possam ser engendradas na Praça dos Três Poderes.
Assim como não se discutirá se é sensato apostarmos todas as fichas num partido de massas forte, desacompanhado de uma vanguarda apta para tangê-lo em direção a objetivos maiores do que o mero gerenciamento do capitalismo com o consentimento dos capitalistas (cancelável a qualquer momento), sem jamais questionarmos a essência da dominação burguesa nem ressaltarmos a absoluta necessidade de irmos paralelamente construindo um poder popular; afinal, seria deselegante assustarmos os companheiros banqueiros (como o Luís Carlos Trabuco) e as companheiras ruralistas (como a Kátia Abreu).
Continuaremos, portanto, esquecidos de que é nas escolas, nas ruas, campos e construções que temos de nos fazer cada vez mais presentes, acumulando forças para a transformação em profundidade da sociedade brasileira.
E seguiremos patinando sem sair do lugar, condenados a assistir sempre ao mesmo filme: a alternância de governos que imporão rigidamente a supremacia dos valores e interesses capitalistas, até as tensões sociais começarem a se tornar insuportáveis, quando serão substituídos por governos menos impiedosos, que vão afrouxar os parafusos por algum tempo, até sobrevir uma grave crise econômica e as tensões sociais começarem novamente a se tornar insuportáveis, pavimentando o terreno para a volta da austeridade e do conservadorismo, e assim por diante.
Parafraseando o eterno Raulzito, caso nem agora reassuma as bandeiras revolucionárias, a esquerda brasileira se tornará, definitivamente, uma esquerda plunct-plact-zummm: por ter esquecido aonde queria chegar, já não vai a lugar nenhum!
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* Minha Gente, de Ronnie Von.
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