Virgínia Assunção: 'Fragmentos da dor de um poeta'
Fragmentos da dor de um poeta
A literatura, que é a arte casada com o pensamento
e a realização sem a mácula da realidade,
parece-me ser o fim para que deveria tender
todo o esforço humano, dar a cada emoção
uma personalidade, a cada estado de alma
uma alma. A única realidade
para cada um é a sua própria alma.
Reabsorvo-me, perco-me em mim
por detrás de falar, escrever, responder,
conversar, no fluxo e refluxo da minha consciência,
o virar do avesso do domínio do quotidiano de nós mesmos!
O mal da vida, a doença de ser consciente,
entra com o meu próprio corpo
e perturba-me.
Sofri sempre mais com a consciência
de estar sofrendo que com o sofrimento
de que tinha consciência.
Quem sou eu para mim? Nunca aprendi a existir.
Busco – não encontro. Quero e não posso.
Que fiz de mim? Nada.
O que tem de ser será, quer eu queira
que seja ou não.
Aqui, agora, rememoro quanto de mim
deixei de ser. Quanto não sou,
sou quanto não posso ser,
quanto se for, serei em vão.
Nada sou, nada me resta, não sei quem sou para mim.
Tenho de meu, agora, um silêncio, uma lei.
Ganhei ou perdi? Deixei atrás os erros do que fui,
e ninguém é exato nem feliz.
Do alto de ter consciência, nada do que vejo é meu,
quebro a alma em pedaços, e assim pensando riu amargamente,
dentro em mim riu como se chorasse.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Cada meu sonho ou desejo, é do que nasce e não meu.
Toda a vida é um sonho. Ninguém sabe o que faz,
Ninguém sabe o que quer.
Por isso, alheio, vou lendo como páginas o meu ser.
Também escrevi em meu tempo, cartas de amor,
as minhas memórias dessas cartas de amor,
é a dor que já não me dói, o ontem que a dor deixou.
Valeu a pena? Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.
Bricolagem literária
Virgínia Assunção
mavifeitosa@gmail.com