Claudia Lundgren: 'A serpente multicor'
A serpente multicor
Caminho pelas curvas sinuosas da serpente multicor. O azul, o rosa, o verde, o branco, e outras, misturam-se à cor-de-cimento e ao tijolo virgem, ainda sem tinta.
Ouço seu sibilar; shhhhh… as panelas de pressão já prenunciam a feitura do feijão; o cheiro também denuncia. Vejo gatos nas janelas, roupas penduradas nas grades, as samambaias nas varandas. A cada passo olho para o lado, vejo a decoração de muitas salas: algumas com dois ambientes, outras com somente um pequeno sofá. O contraste entre as luzes apagadas, e a escuridão quebrada com o clarão das TVs, e os tetos repletos de luzes de LED.
Anoitece, mas as crianças ainda jogam bola no meio da rua. A serpente, triste e ao mesmo tempo contente, vislumbra escuras vielas transversais. A idosa sobe as escadas com suas compras no beco escuro. As vizinhas se reúnem no meio fio e colocam a conversa em dia, acompanhadas de seu copo americano de café.
O motoboy sai para entregar os salgados; o outro, os sushis. A serpente efervescente agita-se, ilumina-se, debate-se. A calçada vira estacionamento, a via de mão dupla não comporta dois carros; os rebaixados urram ao baterem em seus incontáveis quebra-molas. São ciclistas, crianças, bolas, automóveis, motocicletas na rua estreita, todos juntos e misturados, fora o ônibus e o caminhão, que passam imprensados.
Algumas horas depois, tudo se faz silêncio; qualquer voz vira eco. A quadra vazia; as ruas sem saída, e as demais, se calam. O bairro fantasma repousa de sua lida. As luzes se apagam e as cortinas se fecham. A serpente multicor com suas curvas sinuosas dorme profundamente sob o manto escuro crivado de estrelas.
Claudia Lundgren
tiaclaudia05@hotmail.com