Fernanda Stefanski e André Zurawski estreiam 'NÓS', livremente inspirado na distopia de Ievguêni Zamiátin

Espetáculo pensado especificamente para as instalações da Oficina  Cultural Oswald de Andrade discute os desafios do processo de  construção da intimidade 

As dualidades e barreiras quase intransponíveis que criamos quando nos  relacionamos com o “outro” são questões discutidas pela peça NÓS, livremente  inspirada no contexto distópico proposto pelo romance homônimo do russo Ievguêni  Zamiátin (1884-1937). O espetáculo, concebido e atuado por Fernanda Stefanski e  André Zurawski estreia no dia 24 de agosto, na Oficina Cultural Oswald de Andrade,  onde segue em cartaz até 24 de setembro.

Publicada pela primeira vez em 1924, a distopia futurista de Zamiátin influenciou  grandes obras desse gênero, como 1984, Admirável Mundo Novo e O Conto da Aia.  O romance se passa no futuro e retrata um estado totalitário, no qual as emoções  foram eliminadas. Não há mais divergência entre as pessoas, liberdade ou qualquer  forma de privacidade.

O espetáculo não se propõe a realizar uma adaptação teatral dessa distopia, afirma  André Zurawski. “A estrutura do romance apresenta uma sequência de peripécias e  fluxos de consciência em primeira pessoa do protagonista. Nosso desejo era construir  uma dramaturgia em dueto, que abordasse a distopia pela perspectiva de dois  protagonistas no momento atual, e entender o quanto já somos distópicos em em  2022.”

A pesquisa concentra-se na investigação das fronteiras que permeiam as relações na  contemporaneidade, levando em consideração uma das características primordiais  da espécie humana: o medo do “outro”, principal responsável pelos sentimentos de  isolamento e solidão, cada vez mais radicalizados em nossa sociedade.

“O romance retrata os conflitos na relação entre duas pessoas que vivenciam o ‘amor  romântico’, e se encerra com um desfecho trágico. Nosso desejo era discutir as  construções ficcionais que estruturam o conceito de ‘amor’, na tentativa de  compreender possibilidades de desviar desse ideal trágico do amor impossível, um

modelo que ainda persiste com força na sociedade ocidental nos dias de hoje. Depois  de muitos desvios e resistências, entendemos a importância da nossa honestidade  no processo de criação. Somos eu e Fernanda em cena, dirigindo e atuando e  escrevendo e brigando. E, como somos um casal na vida real, foi impossível não  considerar essa verdade na construção da nossa ficção”, comenta André.

A trama apresenta o processo de construção da intimidade entre duas pessoas que  se conhecem por acaso, e enfrentam a barreira do cinismo como censura do amor,  intensificando suas dúvidas e as paralisando. A salvação está no resgate da potência  das faculdades humanas: a imaginação, a memória e o sonho – erradicados no futuro  distópico do romance de Zamiátin.

“Nós observamos que a distopia de Zamiátin fala muito sobre nosso tempo: o controle  da privacidade, a redução radical dos espaços de intimidade, as redes sociais como  ferramentas para a construção programada de ficções. No livro, as personagens  vivem em apartamentos de vidro, são observadas o dia inteiro e têm direito a abaixar  as cortinas por apenas uma hora por dia – a hora pessoal. E 60 minutos é exatamente  a duração do espetáculo. No decorrer dessa hora íntima, cercados por paredes de  concreto, revivemos o ritual teatral, ancorados pela força da ficção, na tentativa de  representar o “estado selvagem de liberdade” que os selvagens do romance  preservam.” reflete Fernanda Stefanski.

Outro tema pesquisado pelos artistas é a dualidade, por meio da qual o ser humano  instintivamente observa o mundo e estabelece fronteiras entre nacionalidades, etnias,  religiões, classes, gêneros, dividindo as pessoas entre “eu/nós/você/eles/os outros”.

“São duas personagens que se comunicam através de duetos, diálogos, padedês,  duelos… Estamos brincando com separações que criam dualidades e a encenação  está sendo pensada a partir do conceito de pares”, acrescenta Fernanda.

Já a dramaturgia foi pensada especificamente (site specific) para a Oficina Cultural  Oswald de Andrade, que atualmente passa por uma reforma. “Vários espaços estão  sem forro, com as paredes descobertas e estruturas à mostra. Essa reconstrução do  espaço físico da sala de ensaio onde a peça foi criada foi incorporada à dramaturgia.  Todas as restrições e constrangimentos decorrentes da reforma – poeira, entulho,  interdição de espaços e avisos de perigo – se tornaram metáforas para o tema do  projeto: o compreensão do amor não apenas como um sentimento e sim como uma  ética de vida e construção cotidiana, que só tem sentido na ação. O amor é o que o  amor faz”, conclui a diretora.

Sobre Fernanda Stefanski

É atriz, arte-educadora, diretora, dramaturga e integrante da Cia Hiato. Graduada em  Artes Cênicas pela USP e Teatro-Escola Célia Helena, tem em seu currículo trabalhos  em teatro e audiovisual. Entre seus principais trabalhos estão os espetáculos da Cia  Hiato: Odisseia, Amadores, 02 Ficções, Ficção, O Jardim, Escuro e Cachorro Morto.  No audiovisual está no elenco dos filmes Para Francisco, Mare Nostrum, Guigo

Offline, Velha roupa colorida, Cão na Estrada, Segundo o sexo, Acomunicati,  Domitilas, Biografias e Entulho; e nas séries O Dono do Lar, 3% e Terrores Urbanos.

Sobre André Zurawski

É diretor, ator, dramaturgo e especialista em tecnologia da informação. Graduado em  Audiovisual pela USP, no curso técnico de Tecnologia da Informação – SENAC, e no  curso técnico de formação do ator – Teatro Escola Célia Helena. É co-fundador do  Núcleo Instável – companhia teatral com foco na pesquisa de arte-tecnologia. Co

dirigiu o espetáculo Experimento Espelho 2.0 e realizou a montagem audiovisual dos  espetáculos: Libolli.doc, Véspera, O Macaco Simão, Rapunzel, Os Três Porquinhos,  A Terra dos Meninos Pelados, Furunfunfum no Carnaval e Furunfunfum no Dia des  Bruxes. Em teatro foi dirigido pelos diretores e encenadores: Janaina Leite, Dagoberto  Feliz, Ruy Cortez, Ednaldo Freire, Vivien Buckup, Miriam Rinaldi, Antonio Salvador,  Luah Guimarães e Serguey Zemtsov. Faz parte dos espetáculos Bruto e Gota d’água  Paris. No audiovisual faz parte das séries Pico da Neblina e Feras.

Sinopse 

O que é o amor? O ano é 2022, as emoções, a intimidade e o diálogo são  ideologicamente indesejáveis e estão expressamente proibidos. Nesse contexto  distópico duas pessoas se encontram clandestinamente, em uma sala de teatro  prestes a ser demolida. Juntas, elas reconstroem sua intimidade perdida, a partir dos  resquícios de uma civilização que colapsou.

Ficha Técnica 

Concepção, direção e dramaturgia: Fernanda Stefanski e André Zurawski Assistência de direção: Jorge Ferreira

Dramaturgismo: Jorge Ferreira e Sofia Riccardi

Elenco: Fernanda Stefanski e André Zurawski

Produção executiva: Aura Cunha e Yumi Ogino

Desenho de movimento: Beth Bastos

Cenografia e desenho de luz: Marisa Bentivegna

Figurinos e adereços: Chris Aizner

Fotografia: Ligia Jardim

Projeto audiovisual e tecnológico: Núcleo Instável

Música original e desenho de som: Charles Tixier

Arte gráfica: Eric Peleias

Orientação dramatúrgica: Luis Felipe Labaki

Assessoria de imprensa: Pombo Correio

Redes sociais: Jorge Ferreira

Palestrante convidada: Magô Tonhon

O espetáculo NÓS é realizado com recursos da 12ª edição do Prêmio Zé Renato

Serviço 

NÓS, de Fernanda Stefanski e André Zurawski

Temporada: 24 de agosto a 24 de setembro

quartas, quintas e sextas – 20h

sábados e feriados – 18h

sexta, dia 23/09 – 17h e 20h

Apresentação-desmontagem: 02, 09 e 16/09

sextas – 17h

Oficina Cultural Oswald de Andrade – Rua Três Rios, 363, Bom Retiro Ingressos: grátis, distribuídos uma hora antes de cada sessão

Classificação: 14 anos

Duração: 60 minutos

Capacidade: 40 lugares