Artigo de Celso Lungaretti: 'QUEM JUSTIFICOU A CHACINA DO 'CHARLIE HEBDO' É CÚMPLICE MORAL DO MASSACRE DE ORLANDO'

CELSO LUNGARETTI: ‘OS TERRORISTAS ISLÂMICOS SÃO RÉPROBOS DA HUMANIDADE!’

 

 


Orlando, EUA: 50 mortos em nome da volta à Idade Média.
Meus leitores habituais já sabem que tenho ojeriza profunda aos fanáticos religiosos que exumaram e exacerbaram o terrorismo clássico. Vale a pena explicar os motivos.
Ao contrário de considerável parcela dos articulistas ditos de esquerda, li muito Marx, Engels, Lênin e Trotsky nos meus anos de formação política. E aprendi que a abolição do capital e o fim da sociedade de classes seriam o coroamento da marcha civilizatória, o final de uma longa caminhada das trevas para as luzes, do tacão da necessidade para a plenitude da liberdade.
Então, como os autores citados, só posso considerar patética a tentativa de fazer o relógio da História retroceder à Idade Média, quando os pastores de cabras aceitavam que a idiotia religiosa regesse cada esfera da vida social e da moral individual, e acreditavam que dizimar infiéis lhes abriria as portas do paraíso.
Barbárie cega e faca amolada
Desde o aiatolá Khomeini, sou totalmente contrário ao oportunismo da má parte da esquerda que, trocando o marxismo pela geopolítica, alinha-se com os inimigos da civilização, apenas porque, casualmente, estão na contramão de EUA, Israel, França ou qualquer outro vilão da vez.
Quem justificou a chacina do Charlie Hebdo é cúmplice moral da matança na cidade estadunidense de Orlando. Considero simplesmente aberrante a esquerda, filha do iluminismo, dar as mãos a quem quer anular o iluminismo e todas as suas consequências!
Também me irrita profundamente a forma como os terroristas de Alá ajudam a indústria cultural a incutir no cidadão comum a paranoia face aos diferentes. Num momento em que o capitalismo putrefato o expõe aos piores rigores econômicos e à vingança da natureza, a existência de um bicho papão é mais do que conveniente para quem pretende mantê-lo submisso e conformado, encarando as catástrofes climáticas como fatalidades, a desigualdade como ordem natural das coisas e a polícia como protetora, suportando sem chiar as  agruras nossas de cada dia.
Morticínios fazem lembrar os horrores nazistas
O que a indústria cultural insidiosamente incute nos seus públicos, martelando sem parar? A sensação de que tudo vai bem na vidinha de todos até que surge qualquer ameaça externa, como assassinos seriais, zumbis ou… terroristas. Os papalvos devem prezar a normalidade e temer unicamente aquilo que a quebre. É onde se encaixam, como uma luva, as bestiais matanças perpetradas pelo Estado Islâmico.
Desconheço autoproclamados inimigos do sistema mais convenientes para o dito cujo do que os carniceiros de Alá. O ataque pirotécnico da Al Qaeda ao WTC deu pretexto a uma longa e terrível temporada internacional de estupro dos direitos humanos, da qual finalmente estávamos emergindo quando o EI entrou em cena para fornecer novos e valiosos trunfos propagandísticos para os trogloditas da direita. Se depender dos jihadistas, a guerra ao terror nunca acabará.
Por último, os verdugos de Alá, com seus atentados covardes contra civis e suas repugnantes execuções de prisioneiros, agridem de tal forma a sensibilidade dos cidadãos equilibrados que facilitam a disseminação de preconceitos contra qualquer forma de resistência armada a governos totalitários.
Execução por apedrejamento: crueldade extrema!
A direita deita e rola nesse clima de rancor cego, que propicia a satanização dos combatentes que, em situação de extrema inferioridade de forças, desafiaram heroicamente o terrorismo de estado nos anos de chumbo; propiciou a satanização de Cesare Battisti, mediante a afixação de um rótulo que nem sequer fora utilizado no momento dos acontecimentos (a Justiça italiana não o acusou nem condenara como terrorista). Serviu para socar-nos goela adentro uma lei que permitirá enquadrar as mais inofensivas formas de protesto como crimes gravíssimos.
Sou veterano de uma organização armada que erigia como inimigos apenas os torturadores, assassinos e dirigentes da ditadura militar, fazendo tudo para evitar que civis e os inconscientes úteis apanhassem as sobras dos confrontos. Preferíamos sacrificarmo-nos do que sacrificar os inocentes. Então, é chocante ao extremo para mim constatar a falta de um mínimo resquício de solidariedade, de compaixão, de empatia com outros seres humanos, nesses autômatos de Alá.
Os atentados do ano passado em Paris e o que acaba de ser desfechado em Orlando foram típicos de nazistas, de psicopatas! Os que matam humoristas por fazerem blague com a sisudez dos fanáticos e homossexuais porque encontram o amor de uma forma diferente da prescrita por um mercador em meio à barbárie e às trevas do primeiro milênio, não passam de réprobos da humanidade!
Há 6 meses em Paris: restaurantes como alvos!
A abordagem psicanalítica do escritor português João Pereira Coutinho (vide íntegra aqui) tem tudo a ver:
…quando olho para o rosto dos terroristas, o que vejo é a felicidade da matança. Eles não matam apenas por uma religião (que mal estudaram) ou por razões geopolíticas (que nem sequer entendem).
Eles matam porque gostam de matar… A parte bestial do ser humano não pode ser abolida da nossa natureza… Quando provamos a loucura da guerra, emergimos como o primeiro homem, o homem das cavernas.
…embalados pelo conforto da paz, somos incapazes de entender, muito menos aceitar, a felicidade (…) de homens como nós que provaram e gostaram do sangue. E que exatamente por isso querem mais e mais e mais –até que a morte nos separe.