De Luanda, Angola, para o Quadro de Colunistas do ROL, Agostinho Mulombo Domingos

Agostinho Mulombo Domingos

Com Agostinho Mulombo, Angola e Brasil se unem cada vez mais nas letras e nas culturas!

Agostinho Mulombo Domingos, natural de Luanda (Angola), 26, é licenciado em Ensino da Língua Portuguesa, pela Escola Superior Pedagógica do Bengo, membro afecto ao Projecto de Definição de Espaço das Línguas Nacionais da Escola Superior Pedagógica do Bengo, e afecto ao Departamento de Letras Modernas da mesma instituição; Revisor linguístico oficial do Projecto de Extensão Universitária Saber-fazer & Saber-ser, da ESP-Bengo. Professor de Língua Portuguesa e investigador em assuntos linguísticos.

Abaixo, a primeira contribuição de Agostinho Mulombo.

O lado ridículo do angolano e a autocolonização linguística: As inferências a Fanon e Bagno

O objectivo deste texto é abordar o que chamamos de problema pós-colonial na situação linguística angolana, com um olhar minucioso para aquilo que tratamos de português angolano e português europeu, de maneira que se perceba até que ponto essas duas variedades se demarcam do ponto de vista prático, isto é, como a norma que se tem como ideal linguístico no território angolano não corresponde, evidentemente, com o real comportamento linguístico do falante angolano. No meio deste cenário, pretende-se também compreender, neste estudo de petulância, o papel ridículo do angolano em imprimir artifícios para falar como um português e a sua autocolonização linguística, fazendo, por fim, inferências a autores como Bagno e Fanon, através das obras Preconceito Linguístico (o que é  e como se faz) e Pele Negra, Máscaras Brancas, para a compreensão do comportamento linguístico do angolano.

Pretende-se também descrever o papel ridículo do angolano ante a norma padrão, e os estudos pós-coloniais ajudam-nos a lançar o grito de socorro para dizer que o PE não se compagina com os modus pensandi e vivendi do angolano,  e fazer um rompimento a tal colonização do saber, consentida a partir do momento em que é imposta a norma padrão, motivo pelo qual, muitas vezes, o falante angolano tende a imitar o modo de falar do português, acabando num processo que aqui chamamos de auto-colonização linguística.

A leitura de Preconceito Linguístico, o que é e como se faz, de Marcos Bagno, torna-se útil para a valorização e aceitação da existência de um português angolano que se demarca do português europeu, e para propor à escola angolana que, no ensino desta língua, não se deixe de lado o comportamento linguístico real do angolano. A partir dessa obra, foi possível fazer algumas colocações prazíveis e adequá-las à realidade local, reconhecendo o facto de o autor ter escrito para o contexto brasileiro..

Por outro lado, as inferências que se fizeram de Pele Negra, Máscaras Brancas, fazem nascer uma ilha de reflexões e críticas, e traz a magnitude dessa obra de Fanon, no que a linguagem diz respeito.

Embora Bagno tivesse escrito para o contexto brasileiro, cogitamos ser útil o seu contributo para a manutenção, discussão e incitação da consciência crítica do angolano em relação às enormes diferenças entre o português angolano e o europeu. Tal como afirma o autor:

Na língua falada, as diferenças entre o português de Portugal e o português do Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem dificuldades de compreensão: no vocabulário, nas construções sintáticas, no uso de certas expressões, sem mencionar, é claro, as tremendas diferenças de pronúncia — no português de Portugal existem vogais e consoantes que nossos ouvidos brasileiros custam a reconhecer, porque não fazem parte de nosso sistema fonético. E muitos estudos têm mostrado que os sistemas pronominais do português europeu e do português brasileiro são totalmente diferentes.(BAGNO, 23).

Em relação ao ensino e a oficialização do português em Angola, é mais que evidente que até aos dias actuais, voltados cerca de 40 anos de independência, o Estado angolano continua a não enxergar ou não aceitar essas diferenças, permitindo-se autocolonizar e com os olhos voltados para uma norma estranha e infértil no território nacional.  A autocolonização linguística é um processo de conformismo do uso do português europeu pelo angolano através da imitação, processo legal e intencional.

A autocolonização pode ser política, desde que o Estado angolano, por lei, reconheça o português de Portugal como sendo a língua oficial e língua de ensino, num contexto em que essa variedade constitui uma utopia; E individual, quando o falante angolano subestima o falar local, que lhe é natural, para adoptar o que lhe é estranho, por meio da imitação.

Fanon (1952), tentando compreender a relação entre negro e branco, teve várias colocações que nos ajudam perceber a questão que chamamos de autocolonização linguística e o desejo do angolano em se deixar (neo) colonizar, embora se refira, sobretudo, à realidade nas Antilhas.

O negro tem duas dimensões. Uma com o seu semelhante e outra com o branco. Um negro comporta-se diferentemente com o branco e com outro negro. Não há dúvida de que esta cissiparidade é uma consequência directa da aventura colonial… (…) (FANON, 1952, 33)

Essa, provavelmente, seja também a posição do angolano  em Portugal.

O angolano mesmo não estando em Portugal, já se empenha para falar como um português, treina a voz e o modo de pronunciar as palavras, mostrando que está radicalmente transformado. Isto é autocolonizar-se!

Quando o angolano, radicalmente encolhe os lábios, abre menos a boca e apresenta uma aparência facial esforçada para usar o português europeu, isso é um artifício. É o sepultamento da sua originalidade linguística e o seu fenótipo sofre uma transformação.

Fanon, na tentativa de compreensão da relação entre o negro e o branco, relação essa estabelecida pela linguagem, percebe que o sentimento de rejeição do negro sobre si, não só ocorre pela aceitação da língua do branco como também pela adoção do seu sotaque e do seu modo de articulação das palavras.

Um cruzamento que se pode fazer entre essa realidade e a situação linguística do angolano, é que, de um tempo a esta parte, o falante angolano tem adoptado o mesmo comportamento em relação à linguagem. A esta altura, a discussão não estaria no facto de o angolano aceitar e falar o português. A discussão está, sobretudo, no português que aceita e se empenha para falar.

Como poderá compreender Fanon que “Um homem que possui a linguagem possui, em contrapartida, o mundo que essa linguagem expressa e que lhe é implícito’’. Nesta linha de pensamento, o português de Angola (PA) transparece o mundo angolano, desde as periferias às cidades, através dos aspectos morfológicos, sintácticos, semânticos e sobretudo lexicais. Por exemplo, a unidade lexical ‘’maka’’ no português falado em Angola, aos ouvidos de um angolano, pode ser, para além do seu valor semântico, um convite à cultura angolana e valorização do que é nosso.

Por essa razão, a adopção e discussão  do português de Angola não significa apagamento e desvalorização das línguas angolanas elevadas ao estatuto das línguas nacionais:

Primeiro, porque toda e qualquer língua revela um modo de pensar;

Segundo, porque o português de angolano (PA), diferente do português europeu (PE), é ao mesmo tempo uma via de valorização das línguas bantu de Angola.

Agostinho Mulombo