Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo: 'Um mundo ético'
Um mundo ético
Em quaisquer circunstâncias, atividades, projetos, relações interpessoais e societárias em geral, entre muitas outras situações, a ética deveria ser o princípio, o valor, o comportamento fundante para um mundo melhor, nos diferentes contextos, em que a pessoa humana vai agindo, ao longo da vida e, pode-se afirmar, que em cada cenário, um novo papel é preciso representar.
A ética, enquanto valor moral, no conceito Kantiano, segundo o qual: “não devemos desejar para os outros o que não desejamos para nós”, vem sendo cada vez mais ignorada, infelizmente, em quase todas as atividades humanas, incluindo as de natureza política, religiosa, negócios, entre outras. Há como que uma perceção de “meio mundo a enganar outro meio” ou, eventualmente, estas duas proporções estejam desfasadas para pior, ou seja: a maior parte das pessoas não olha a meios para atingir os fins que mais lhes interessam, sem respeito pelos direitos dos seus iguais.
O exercício do valor moral envolve, para a pessoa ética, uma dimensão decente, suportada pela virtude, para que o comportamento coerente e idóneo não ofereça quaisquer dúvidas, sabendo-se que uma pessoa assim formada será sempre credível, conveniente e merecedora de respeito.
Refletir, e depois tentar aplicar, na vida corrente, o valor ético, enquanto virtude de moral, seguramente que não será nada fácil para a pessoa humana, que é, e continuará a ser, sempre um ser limitado, imperfeito, condicionado por diversas variáveis: umas intrínsecas; outras externas, não sendo possível desenvolver um esforço para se melhorar o relacionamento na sociedade, na família, no círculo de amigos e noutras atividades que não envolvem interesses objetivamente materiais.
O mundo é um espaço dinâmico, no qual se criam, desenvolvem, lutam e/ou se harmonizam diferentes forças, interesses, situações e objetivos, por isso, a penetração da ética encontra imensas resistências, porque, também, o ser humano, em geral, estará mais preparado para “disputar” os seus próprios interesses, do que incorporar-se num projeto coletivo, para o bem-estar da maioria da sociedade.
O avanço, surpreendentemente, acelerado da ciência, da técnica e da tecnologia, por vezes não se compatibiliza com o valor ético, no seu sentido moral. Como hipótese de reflexão, muito séria, pode-se partir da posição individual de cada pessoa que, habitualmente, defende nunca estar completamente satisfeita com o que tem, e/ou não tem, porque: se possui muita riqueza material, pode ser muito débil ao nível da saúde; se ama, intensamente, alguém e não é correspondida, não será muito feliz; se tem um projeto de vida e este não se concretiza plenamente, é natural que se considere frustrada e desiludida.
Por vezes, a vida não se desenvolve como se deseja, porque não utilizamos, nem praticamos certos valores, muito embora, unilateralmente, os exijamos aos outros, quase sempre a pessoas, profissionalmente dependentes ou que devem favores difíceis de “pagar” e/ou retribuir. Falta-lhes o sentido ético com que devem orientar a própria existência.
A sociedade, ainda bastante estratificada, na sua maioria, vê o valor ético como um “adorno”, um “enfeite” para, hipocritamente, o exibir, contudo, não o praticando, genuinamente, sabendo, mesmo assim, que certos comportamentos “não-éticos”, conduzem a situações complexas, de consequências imprevisíveis, onde tudo pode acontecer, inclusive, o conflito violento e, até, a morte física.
Hoje, ninguém está livre de precisar de alguém: por muito poder que possua; por muitos bens e riqueza material que tenha, sempre haverá algo que não se consegue obter por nós mesmos, carecendo-se dos conhecimentos, do apoio, da influência, da boa-vontade de uma outra pessoa, com a qual, e não só, devemos manter um relacionamento ético, sob pena de não sermos atendidos.
A vida e o mundo estão repletos de obstáculos, as tais “esquinas” que por diversas vezes temos invocado, noutras reflexões. Os altos e baixos que vivenciamos, ao longo do nosso percurso existencial, são constantes, embora, muitas vezes, muitas pessoas não os deem a conhecer, mas a verdade é que não há vidas perfeitas, sem problemas, nem dificuldades, pelo contrário, quando menos se espera, surge um obstáculo, que nem sempre se consegue vencer sozinhos.
Acredita-se que na verdade, a ausência de valores positivos, na perspetiva do humanismo, da solidariedade, da amizade, da lealdade, da cumplicidade, do amor, da felicidade e da paz, tem dificultado o caminho para um mundo melhor, no qual cada pessoa se possa sentir realizada, nas suas diferentes dimensões humanas: política, religiosa, profissional, cultural, cívica, enfim, onde a democracia, a liberdade, a igualdade de oportunidades, o progresso, o pleno emprego e a equidade social sejam os pilares da dignidade da pessoa humana, como é de seu direito inquestionável.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
NALAP.ORG