Bruna Rosalem: 'Baile de máscaras. Qual é a sua?'
COLUNA COTIDIANO E PSICANÁLISE
Baile de máscaras. Qual é a sua?
Se você pudesse vestir uma fantasia agora, qual seria? Um super- herói ou uma super-heroína, quem sabe? Alguma profissão que use traje específico: bombeiro, policial militar, astronauta, chefe de cozinha? Ou ainda, criar a sua fantasia ironizando algum acontecimento histórico, satirizando fatos da política, entre outras possibilidades. O que importa é usar a criatividade.
Em tempos de festa carnavalesca, o que não falta é ousadia e coragem para vestir-se de maneira inusitada, engraçada e até polêmica para talvez ‘abandonar’, nem que seja por alguns dias, o nosso ‘quem somos de verdade’. Parece que nestes momentos tudo é possível. Quem é tímido, permite-se ficar extrovertido, quem já se comunica e interage facilmente, é a oportunidade de extravasar ainda mais.
Encobertos por máscaras e fantasias, deixamos o ‘eu real’ de lado para incorporar e realizar, muitas vezes, as vontades mais secretas, escondidas sob o manto diário do homem e da mulher cordial.
Se, por um lado, somos barrados por leis, regras, crenças e freios, que não nos deixam expressar o que sentimos, por outro lado, por sermos, nas profundezas de nosso inconsciente, natos transgressores, precisamos destes impedimentos para viver minimamente em sociedade e conseguirmos transitar, trabalhar em equipe e conviver com tantas pessoas diferentes cotidianamente, como se diz, sem ‘perder a linha’. Embora nem sempre isso aconteça, contudo nos esforçamos para cumprir as ordens.
Já fantasiados e mascarados, a história é outra. As atitudes tomam outros contornos. O que era só brincadeirinha, torna-se incomodo ou aceitável. Depende da interpretação. Arrisca-se mais. Pode dar certo ou muito errado. O “sem querer, querendo” parece ter livre acesso.
Na batida dos trios elétricos, a direção é seguir em frente, desfilando pelas ruas ou nos bailes, fazendo semblantes, caras e bocas, dançando sem parar, cantando a plenos pulmões, rindo de tudo, falando alto, não pensando em nada (se é que é possível), apenas atentando à música, sentindo a vibração dos instantes que se seguem, animando-se como se não houvesse o amanhã.
Neste compasso (ou seria descompasso) parece que não é à toa que as festas duram praticamente cinco dias ininterruptos. Haja energia e disposição.
Porém, uma hora tudo acaba. Virá pó, na quarta-feira de cinzas.
As rotinas diárias retornam ao seu fazer corriqueiro, banal.
Jornadas de trabalho a cumprir. Trânsito. Horários e agendas cronometradas. Dia após dia, o super-homem volta a ser o cidadão comum. A odalisca já não dança mais. O colorido desaparece em meio a paisagem cinzenta e esfumaçada das grandes cidades.
O tímido volta a esboçar sua introspecção. E para o festeiro, acabou o dinheiro.
Todos retornam ao seu posto de gente ‘normal’.
Sem as máscaras e as fantasias, veste-se novamente o manto da cordialidade, da politicagem, do sorriso enviesado e acovardado pelo julgamento. Grafado no manto, em letras garrafais: “o que vão pensar de mim se eu fizer tal coisa, falar isso ou aquilo?”.
Essa virada chega até a ser brusca. Dos dias permissivos, de liberdades totais (ou quase isso) para condutas, muitas vezes, moralizantes, condenatórias e inquisidoras.
Muda-se o tom da conversa. Os semblantes caem. Os corpos se enrijecem.
A personagem da festa deixa de existir. Agora, só o ano que vem.
Retorna o ‘eu de verdade’. Mas quem é ele, de fato?
Afinal, que máscaras realmente estamos a vestir?
Bruna Rosalem
Psicanalista Clínica
@psicanalistabrunarosalem
www.psicanaliseecotidiano.com.br