Marcus Hemerly: 'Cinema em Tela: Lembrando de Bette Davis'

CINEMA EM TELA:

Lembrando de Bette Davis

“Havia muito melhores interpretações nas festas de Hollywood do que jamais houve nas telas de cinema…” Bette Davis.

Provavelmente os amantes das sessões coruja e, especialmente, de filmes antigos, se lembraram de uma mulher de olhar intenso, mesmerizante, cujas atuações no final da vida concentraram-se em produções de suspense psicológico. Trata-se de Ruth Elizabeth Davis, aclamada como uma das atrizes mais importantes da história do cinema e conhecida pelo nome artístico de Bette Davis, indicada uma dezena de vezes ao Oscar, foi vencedora duas estatuetas, pelas produções “Perigosa” (Dangerous, 1935) e “Jezebel”  (1938). Nascida em 5 de abril de 1908, em Lowell, Massachusetts, EUA, iniciou sua carreira em algumas produções da Broadway, estreando no cinema em 1931, no filme Bad Sisters, aos vinte e três anos, já despertando àquele tempo a atenção das produtoras.

Fumante compulsiva, dizia-se que Bette Davis podia pontuar cada fala com uma tragada no cigarro, intensificando a emoção retratada com um leve e sedutor expelir da fumaça; e era verdade. Seja num olhar fixo de ódio em um engendrado suspense, ou o sonhador e errante contemplar dos apaixonados, o vício era, naquele cenário, utilizado de maneira “saudável”. Com o início da carreira deflagrado nos primórdios do cinema noir, sua persona misteriosa foi escalada em grandes películas como A Floresta Petrificada, (Petrified Forest, 1936), na qual serviu de suporte à personalidade psicótica de Duke Mantee, interpretado por Humphrey Bogart, e A Mulher Marcada, (Marked Woman, 1937), na qual vive amedrontada testemunha contra um poderoso mafioso, também ao lado de Humphrey Bogart e Mayo Methot. Registram-se como importantes aparições no período, inclusive valendo-lhe algumas indicações ao Oscar:  “Névoa de Mistério” (Fog Over Frisco -1934),  “Escravos do Desejo” (Of Human Bondage 1934),  “Miss Repórter” (Front Page Woman 1935),  “Somos do Amor” (It’s Love I’m After  1937), “Eu Soube Amar” (The Old Maid -1939), “Vitória Amarga” (Dark Victory – 1939, com participação do futuro presidente dos EUA, Ronald Reagan) e A Carta (The Letter – 1940).

Caminhando pela evolução da sétima arte no panorama americano, o que se percebe de forma bem característica nas vindouras produções das décadas de cinquenta e sessenta, é um verdadeiro raio-x dos bastidores de Hollywood. Suas ascensões e derrocadas, retratando a busca pela fama – muitas vezes infame – a qualquer custo, e a decadência e substitutividade de muitas estrelas. Impossível não se recordar da delirante Norma Desmond, personificada por Glória Swanson no aclamado “Crepúsculo dos Deuses”, (Sunset Boulervard, 1950), no qual em uma fala clássica, a outrora estrela do cinema mudo replica ao personagem de Willian Holden, “Eu sou grande, são os filmes que ficaram pequenos!”.

Tal aura de glamour embotada pela passagem do tempo é facilmente percebida na película A Malvada (All About Eve…, 1950), que lhe rendeu uma nova indicação ao prêmio da academia. Na trama, a jovem ambiciosa e aspirante a atriz Eve Harrington, interpretada por Anne Baxter, se aproxima da estrela Margo Channing, no intuito de iludi-la, e com sua ajuda, se dispõe a tudo para alcançar o sucesso na indústria cinematográfica, passando por cima de todos, inclusive de sua mentora para atingir a tão sonhada glória.

Bette Davis não era o modelo de beleza da época, dissonante de suas contemporâneas, era uma mulher e profissional de gênio forte; com seu sucesso cada vez maior em meados da década de trinta, foi uma pioneira em romper o laço de submissão dos artistas aos estúdios de cinema. Buscando maior influência sobre roteiros e castings, foi fundadora da produtora “B.D Productions”, arrecadando percentual sobre os filmes nos quais participava. Em 1941, foi indicada pelo produtor Darryl F. Zanuck, da 20th Century Fox, e posteriormente, eleita como a primeira mulher presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela entrega do mais aclamado prêmio da indústria, o que chancelou sua imagem de mulher destemida, marca já então consagrada nas telas como o perfil recorrente de suas personagens.

Igualmente digna de especial relevo, é a produção “O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (What Ever Happened to Baby Jane? -1962), cuja trama narra a história de uma ex-estrela infantil esquecida (Davis), que cuida de sua irmã inválida (Joan Crowford), a qual no auge do sucesso foi vítima de um acidente, paralisando-a. Nesse cenário, a tensão provocada pelo sentimento de ciúmes e ressentimentos, faz com que a frustrada artista se entregue a uma empreitada de manipulação e tormento psíquico em relação à sua irmã presa à cadeira de rodas, o que conduz o espectador pelo escalar de sua insânia, paralelamente à deterioração de seu estado mental em meio a delírios de um retorno ao mundo artístico.

Uma coincidência com a vida real era o fato de que ambas as atrizes naquela época, experimentavam o decair de seu sucesso de forma concomitante à sua juventude. O filme é interessante também por outra razão, Davis e Crowford eram rivais dentro e fora das telas, num quadro de conhecido ódio mútuo, e por conseguinte, o contracenar conjunto para mulheres que alimentavam tamanho ressentimento, além de traumático, revela uma tensão que reflete na excelente qualidade e intensidade das interpretações. Inclusive Davis foi indicada ao Oscar de melhor atriz em 1960, pelo papel da perturbada Baby Jane Hudson. Esse mesmo estilo de filme com alta carga de terror psicológico, anti-heróis e reviravoltas, seria reprisado em excelentes produções como “Alguém morreu em meu lugar” (Dead Ringer -1964), “Com a maldade na alma” (Hush… Hush, Sweet Charlotte – 1964) e Nas garras do ódio (The Nanny – 1965).

A estrela feneceu – nunca se apagou – em 6 de outubro de 1989, vítima de um câncer na mama, aos 81 anos. Além de ser eternizada na calçada da fama, Bette Davis será para sempre lembrada por suas personagens marcantes, brindando as plateias em mais de cem filmes durante o curso de cinco décadas de carreira.