A minissérie Missa da Meia-Noite e uma reflexão sobre a eternidade

Bruna Rosalem

COLUNA PSICANÁLISE E COTIDIANO

“Missa da Meia-Noite, no original Midnight Mass, é uma minissérie de 2021 do gênero terror que traz narrativas, no mínimo, intrigantes.”

Bruna Rosalem
Bruna Rosalem

Missa da Meia-Noite, no original Midnight Mass, é uma minissérie de 2021 do gênero terror que traz narrativas, no mínimo, intrigantes.

De ambientação inóspita, nos transportamos para uma remota ilha de pescadores chamada Crockett, cercada de paisagens frias, cinzentas, quase que sem vida e cores, exceto pelos poucos 128 moradores que buscam tornar aquele lugar ainda habitável.

Abordando temáticas um tanto espinhosas como fanatismo religioso, dominação via discurso opressor e inquisidor, manipulação da fé das pessoas, promessas de cura e milagres, desde que haja total devoção e obediência às pregações, controle pelo medo, entre outras que poderíamos citar, há um questionamento muito interessante que a série nos apresenta através da personagem do padre, Monsenhor Pruitt, o líder do templo, que toma uma decisão extrema.

Após quarenta anos de intenso trabalho na paródia, os habitantes frequentadores da igreja, financiaram uma viagem a Israel para Pruitt conhecer os caminhos percorridos por Jesus, como forma de agradecimento pelos anos de dedicação e devoção. Como o padre já apresentava alguns indícios de demência, acabou se perdendo do grupo de turistas, refugiando-se em uma caverna após uma tempestade de areia. Lá ele recebe a visita de uma criatura alada, um misto de demônio e vampiro que lhe propõe algo tentador: renunciar ao inevitável fim da vida e conquistar a eternidade!

Após a criatura beber seu sangue, ele se vê jovem e belo novamente, ao passo que retorna a ilha como padre Paul. Porém este ato tem seu preço a pagar: o ser demoníaco estará junto com ele para todo o sempre, alimentando-se de seu sangue e das pessoas da ilha. Mais um detalhe: agora rejuvenescido, Paul não poderá mais ver a luz do dia, pois isso o fará queimar até a morte. Ao escolher ser jovem e nunca mais envelhecer, nem adoecer, o padre passa então a viver a maior parte do tempo recluso, mais restrito ao templo, refém da escuridão. Tanto é que passa a fazer os cultos somente à noite.

A chegada do padre Paul à ilha foi recebida com animosidade pelos moradores que sequer poderiam imaginar que era o velho Monsenhor Pruitt. Acreditavam que era apenas um substituto mais jovial que traria vigor à igreja.

De fato. Com uma abordagem mais radical, agressiva e distorcida dos textos bíblicos, as pregações de Paul eram ousadas, provocativas e chegavam a suscitar indagações aos fiéis acerca dos conteúdos do livro sagrado.

Realmente, os discursos proferidos pelo padre Paul eram sedutores e manipuladores. Ninguém desconfiava que aqueles dizeres estavam redimensionando a fé daquelas pessoas, atribuindo uma nova roupagem para as crenças. E uma das cenas mais marcantes foi a presença do demônio/vampiro junto aos fiéis que o viam como um anjo, mesmo sendo evidente que sua aparência não era nada angelical. Não houve espanto, nem incômodo. A criatura transitou livremente em meio a eles. E tão logo, o “anjo” mostrou a que veio: alimentar-se abundantemente de sangue.

Milagres foram realizados, e dois chamaram a atenção: a garota cadeirante voltou a andar e uma velha senhora, uma antiga paixão do padre Pruitt, rejuvenesceu assustadoramente, ficando ainda mais jovem que sua própria filha. Apesar dos rostos surpresos dos fiéis, eles estavam tão alienados que mal percebiam que tudo aquilo era muito estranho.

Gradativamente, a presença daquela figura infernal foi tornando a ilha caótica. Os habitantes que tiveram seu sangue sugado, transformaram-se em seres vampirescos, fadados às trevas, a viver em sombras, impossibilitados de sentir a luz solar.

O padre Paul, apesar de seu regozijo genuíno por voltar a ser jovial e de ter um corpo forte e saudável, começa a reconhecer que pagou um preço alto demais pela eternidade e que talvez não valesse tanto a pena se for às custas do sangue de inocentes que acreditavam em suas palavras e na fé que carregavam em seus corações.

Pela formosura da pele restaurada, pelo poder de não envelhecer, nem de sucumbir a doenças, Paul vendeu sua alma. No entanto, aprisionou-se para sempre neste abismo. Se formos pensar neste momento, o fator mais natural de nossa vida é a morte. Parece paradoxal que vivemos para morrer um dia. Mas se não for assim, qual o sentido que daremos a nossa existência?

Será mesmo que conseguiríamos suportar uma vida eterna? Transitar por gerações e gerações, vivenciar guerras, colapsos, pandemias, tsunamis, contágios em massa, doenças “novas e velhas”, infecções, mudanças climáticas? Claro que não vivenciaríamos somente aspectos negativos, mas será que é justamente neste ínterim, entre momentos bons e ruins, que enxergamos a beleza da vida? Que buscamos realizar sonhos e alimentar desejos, pois sabemos que um dia deixaremos de existir?

Missa da Meia-Noite é repleto de diálogos e monólogos muito ricos acerca do que é a vida e a morte. Nos convida a refletir de diversas maneiras e nos deixa livres para atribuir nosso peculiar sentido a estas indagações. Afinal, é extremamente subjetivo as respostas que buscamos para o nosso viver.

As batalhas são diárias, vencemos umas, perdemos outras. A única luta que certamente já nascemos derrotados é para a morte. E não haverá nada a se fazer.

A vida é magnífica, mas a morte é triunfal!

Bruna Rosalem

Psicanalista Clínica

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