Inutilidade dos trabalhos de fim de curso
Orlando Ukuakukula: Artigo ‘Inutilidade dos trabalhos de fim de curso’
Afirmamos, categoricamente, que este texto é nossa produção pessoal. Nossa reflexão, que a trazemos para partilhar.
Concebemos a educação como sendo o meio através da qual o homem é transformado e, consequentemente, transformador. Aliás, este é o fim último dela: a transformação. Nesta ordem de ideia, já sabendo que a educação transforma o indivíduo, as questões que se levantam são as seguintes: o indivíduo, depois de transformado, transforma o quê? Com o quê ou como?
As respostas, no fundo, ficam evidentes. O indivíduo deve ser, durante a sua formação, um ser pensante; aquele que toma decisões e age por conta própria, aquele que produz, embora, às vezes, sob direcção do seu orientador, o professor, que se considera ter, pelo menos, mais experiência que ele.
Assim, “findo” o processo de formação, neste particular, de nível superior, é-lhe colocado à prova sobre o que pensa e como pensa, avaliado por pessoas idôneas, no que a ciência diz respeito, sobre o problema que o estudante viu e que pretende resolver, no seu TFC, como contributo digno de um cidadão.
É aqui em que a educação deve(ria) se enriquecer, pois, os TFC’s são propostas de solução dos problemas educacionais, e não só, de qualquer outra esfera da sociedade. Logo, percebemos que o indivíduo pode transformar, com o seu pensamento, partilhado nestes trabalhos, a sua comunidade, município, província e, pela dimensão do trabalho, o país no geral. É neste entretanto que a negação da aplicabilidade destes trabalhos resulta, também, na instabilidade da própria educação e, concomitantemente, na continuidade dos problemas sociais, pelo que se carimba, nestes termos, a inutilidade destes trabalhos.
Um TFC, ao nível em que abordamos, é um desafio para o governo, no geral, e para o ministério de tutela, no particular. Desafio na medida em que chama à atenção para se partir à uma avaliação e acção. A ausência desta aplicabilidade desencadeia um retrocesso ou mesmice no país, em geral.
Este retrocesso e mesmice é evidente em Angola, o que nos fez acreditar que exista a falta de interesse a quem de direito, e o que nos levou a confirmar que existe uma certa inutilidade dos TFCs, ou seja, os TFCs não prestam para nada em Angola, senão para enfeitarem as prateleiras das faculdades desta circunscrição e empoeirarem ali. Um país em que na educação não existe uma comitiva de fiscalização para acertos de aplicabilidade dos TFCs para solução de determinados problemas sociais é, deveras, um país doente.
Isso expõe a percentagem de importância que se dá neste sector, bem como expõe a desvalorização do indivíduo-académico. A título de exemplo, reclama-se, e até já ouvido pelo próprio presidente da república, João Manuel Gonçalves Lourenço, sobre a incapacidade de produção textual por parte dos estudantes, e a isso acrescenta-se o caso da leitura.
Embora seja escasso, mas a pergunta é: quantos trabalhos, a nível da licenciatura, mestrado ou doutoramento abordam sobre soluções desses problemas? Que interesse já houve na sua aplicabilidade? Que discussão se teve em relação aos trabalhos com solução dessa natureza? Queremos crer: as soluções estão aí, à vista, mas o interesse está à falta. Repetimos: os TFCs são inúteis, pelo menos no nosso contexto.
Há pouco interesse em discutir sobre isso e, portanto, Angola, neste aspecto, que é pilar principal de qualquer país, se considerarmos que o desenvolvimento de um país depende do contributo dos seus cidadãos, continuará a andar de patas para o ar e cabeça para baixo. E, deste jeito, a ciência nunca será disputada, e os trabalhos do fim do curso continuarão sendo apenas um requisito de obtenção de títulos, já que nunca são valorizados como deviam.
A nível do doutoramento, temos a obra-tese de Panzo, publicado em 2019, referimo-nos ao “Português Língua Segunda em Angola”, uma proposta metodológica do ensino do português neste território, que, fruto da leitura que dela fizemos, tendência, com as estratégias, ali, apresentadas, resolver o problema da escrita e da leitura.
Temos, ainda, a obra de Undolo “A Norma do Português em Angola”, uma obra-tese em que se traz a discussão da variedade do Português em Angola, na perspectiva de passarmos já a olhar com outros olhos a peculiaridade do português neste território, pois, a cegueira a isso, se traduzirá no insucesso escolar, no que a Língua Portuguesa, enquanto disciplina e meio de ensino – como atesta a Constituição da República – diz respeito; “Umbundismos Lexicais no Português de Angola: Proposta de um dicionário de Umbundismos”, de Costa.
A nível da licenciatura, embora sejam recentes, mas já podemos avançar, temos, ainda, trabalhos como “Vocabulário de Especialidade da Medicina Tradicional em Angola”, de Ukuakukula e Bilhete, “Léxico de Especialidade da Política Angolana”, de Ângelo, Balduíno e Muacaputo, “A Ressignificação da História por meio do Conto”, de Marcelo e Mártir, só para citar.
As discussões desses ofícios ou, pelo menos, o interesse de aplicabilidade desses trabalhos (os já antigos) onde ficaram? Que estratégia o estado usa para tornar úteis esses trabalhos? Até ao ponto em que estamos, fruto da ausência de práticas destes trabalhos, podemos dizer que andamos mal, ou melhor, muito mal.
Talvez nos perguntariam: como sabemos que não estão a ser aplicados? Temos uma resposta acima: a prática fala mais que a teoria. Os problemas continuam os mesmos, mesmo com o número de formados existentes. A título de exemplo, na educação, no que os programas de língua portuguesa diz respeito, não há modificação significativa.
Para terminar, as negligências com o fim último da educação fotografam o tipo de país que temos e, invertido o quadro, fotografariam o tipo de país que pretendemos ter. Portanto, mais uma vez, fica exposta a falta de vontade política, a desvalorização dos TFC’s e, consequentemente, desrespeito pelos académicos.
As utopias continuam a se afirmar, e sonhos se vão sonhando em perpetuação. Mais do que meros trabalhos, teriam outros olhos: os TFC’s são discussões de pessoas comprometidas com o país.
Orlando Ukuakukula
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