Nas Entrevistas ROLianas, um bate-bola com Mestre Léo!
Mestre Léo (Daniel Leonardo) é Mestre de Bateria da ARUC
(Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro)
Vamos de Samba?
Quando falamos em cultura, qual é a primeira imagem que invade a nossa mente?
Provavelmente aquela de Senhores distintos, sentados em teatros, rodeados de charme e glamour! Quem sabe um museu com obras de arte centenárias (e caras), com pessoas passando vagarosamente, analisando cada traço do artista?
Talvez uma exposição contemporânea, um espetáculo de dança, um show internacional ou, quem sabe, expressões folclóricas, artesanatos e repentes? Sim, todas elas são válidas e extremamente importantes dentro da formação das pessoas como cidadãos. Tudo o que se disser, está correto.
Porém existem formas de cultura que, se existem, se formaram através de uma capacidade que só nós (seres humanos) temos: somos criativos. Vem da inquietude que nos move, sempre arriscando passos à frente. Através da observação da capacidade de improvisação e adaptação, inerente aos seres humanos em geral, surgem, também, formas de arte.
São estruturadas e coordenadas por uma engrenagem acionada pelo amor, pela dor, pela paixão, pela necessidade de extrapolar os limites da nossa consciência e por forças que só entende quem faz parte do processo.
Estamos falando de uma escola de samba, uma entidade que abraça e é abraçada por uma comunidade que toma para ela a responsabilidade de levar adiante, passando por gerações de famílias imbuídas de necessidades invisíveis e importantes, criando raízes profundas.
E, para nos trazer um pouco de luz ao que estamos falando, vamos direto ao ponto que faz tudo pulsar, dá ritmo e a sensação de poder voar na avenida. Vamos conversar com Daniel Leonardo, Mestre de bateria da ARUC (Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro).
Com vocês, Mestre Léo:
Eliéser Lucena: Aos que acompanham pela TV, em épocas de carnaval, aos que não acompanham e podem até não curtir a festa ou simplesmente não sabem, afinal, o que é uma Escola de Samba?
Mestre Léo: Uma escola de samba é uma engrenagem que funciona o ano inteiro, sem parar, sem folga e sem descanso. Sempre existe algo a ser feito, o tempo, as pessoas e a formas de se fazer as coisas e tudo aquilo que é necessário para que as coisas funcionem no dia do desfile, que vai da Presidência da entidade até os responsáveis pela limpeza dos locais. Porém uma escola de samba é muito mais que isso.
Trata-se de uma entidade viva, que pulsa… vibra em muitas áreas da vida das pessoas. Não apenas de forma cultural. Aqui na ARUC nós temos a questão do esporte bastante presente, a geração de empregos diretos e indiretos, permanentes e temporários.
Existem aulas de várias modalidades, não apenas de música, shows de vários segmentos, não apenas samba, oficinas, enfim, uma série de coisas que não estão na avenida mas levamos nos nossos corações, na nossa alma e o que realmente defendemos na avenida. Um exemplo interessante que podemos citar é o Sambódromo, no Rio de Janeiro. Na maior parte do ano ele é uma escola formal.
E.L. – Todo mundo vê o desfile e fica maravilhado com a forma como as pessoas defendem a sua escola e a garra dos integrantes em um desfile. Mas lá dentro, na hora que está valendo, qual a sensação de pisar na avenida?
M.L. – Bom, eu poderia dizer que só consegue sentir o que é, quem está lá dentro. Parece tão pouco e tão rápido. Aqui no DF só temos 50 minutos de desfile. Mas se eu pudesse descrever a hora em que a sirene toca, dizendo que está valendo, quando a bateria começa a tocar e as pessoas começam a vibrar nas arquibancadas, talvez se assemelhe ao que se sente ao voar.
Sensação de liberdade, de que somos grandes, somos artistas dentro de um contexto lotado de suor, lágrimas, arte e luz. Não é o nosso trabalho que está ali. É o trabalho de todos, de toda uma comunidade que está presente, é o que representamos e não há vaidade, há o sentimento do pertencimento, que apesar de sermos muitos e a maioria vai passar até de forma anônima, somos um único corpo que vibra em função de algo.
E.L. – Em 2023 o desfile das escolas de samba foi realizado em junho, depois de alguns anos sem ser realizado, por vários motivos que vão da política até a pandemia e com alguns requintes de crueldade, digamos assim. Bem fora de época, bastante frio, 3h da madrugada, e concorrendo com os festejos juninos. Mesmo assim, valeu?
M.L. – Bom, nós sabemos que não era o cenário ideal, que talvez não tivéssemos o público que teríamos em fevereiro, tinha essas questões como frio, festas juninas e todo um contexto que indicava não ser o melhor momento.
Acontece que estamos falando de paixão, de sentimentos acima de todos os outros valores, inclusive os financeiros. Apoiamos a nossa paixão pelo que fazemos nos outros requisitos para que um desfile seja realizado.
E mesmo com pouco público, ainda tivemos público. Mas é claro que valeu. Fomos nós na avenida e voltamos a fazer aquilo que nos faz voar, nos tira do considerado normal e engrandece a nossa alma. Mas é claro que valeu!
E.L – Todo mundo um dia tem um começo, um gatilho, de alguma forma o nosso caminho nos encontrou, não o contrário. Qual a origem do que hoje é o Mestre Léo? Como isso começou?
M.L. – Bem, sou de uma família de músicos, percussionistas e já venho de uma herança do samba, digamos assim. Não consigo dizer qual foi o momento, o dia, horário e tudo mais em que isso entrou na veia e começou a se tornar parte do que sou. Mas por volta de 6 ou 7 anos eu já estava por aí, ouvindo e interiorizando a música.
Sou criado no Cruzeiro, no DF, notoriamente um reduto de cariocas na Capital Federal. Não teria como ser diferente, foi fundada uma escola de samba e se transformou em algo parecido com o que são os bairros cariocas. Então, quando nascemos com alma de artistas, em um local que respira samba, é natural que cada um vá simplesmente ocupando seu espaço, simplesmente tomando posse daquilo que tem mais afinidade. No meu caso, a música.
Aí depois de passagens por bandas de samba, outras escolas de samba como ritmista e Mestre de bateria, além da própria ARUC, fui convidado a ser o Mestre de bateria aqui, na ARUC e lá se vão quatro anos.
E.L. – Andando pelo mundo do samba, visitando outras escolas e entidades, percebi que há diferenças entre as baterias. Não estou me referindo a qualidade e sim a características próprias, batidas, bossas e formas de tocar samba. O que diferencia a bateria do Mestre Léo? A bateria Carcará!
M.L. – Bem, eu diria que nós, aqui na ARUC, estamos em ritmo de evolução próximo das baterias das escolas do Rio de Janeiro, guardadas as devidas proporções, claro. A principal delas é o número de integrantes. Nós temos 100, eles 300.
Porém, assim que assumi aqui e dei continuidade ao trabalho, padronizamos e criamos uma batida própria da ARUC. Se escutarmos as baterias do Rio, vamos notar que existem diferenças entre elas.
A escola adquiriu e reformou instrumentos e apostamos nas oficinas que ocorrem em dias específicos da semana, durante o ano inteiro, de todos os instrumentos que compõem a bateria. Com calma, explicando as dinâmicas de cada um, as técnicas, as funções de cada um e o que esperamos de cada ritmista. Um trabalho árduo e contínuo que dá resultado, traduzindo em uma palavra: nós estudamos muito cada movimento.
E.L. – E se alguém quiser ser ritmista na ARUC?
M.L. – Nos procure aqui durante a semana, procure a mim nas terças e quintas, na quadra da escola que vamos conversar, avaliar cada pessoa, cada situação e daremos o melhor encaminhamento.
E.L. – Bom, estamos falando da bateria e, claro, o foco não poderia ser outro, mas uma coisa vai além. O que move as pessoas que estão nos barracões?
M.L. – O mesmo que move todo mundo aqui. Cada um tem um talento, uma especialidade. Sendo assim todas as pessoas envolvidas fazem aquilo que conseguem fazer de melhor. Seja tocar um instrumento, esculpir alegorias, costurar, cozinhar, ajudar na limpeza dos locais, a parte elétrica dos carros alegóricos, a mecânica deles, soldar coisas, enfim, aquilo que cada um pode contribuir dentro daquele contexto de sentir que é parte de algo maior e identificar a sua obra durante os 50 minutos de um desfile.
E.L. – Andando por aí, observando, percebi que um desfile é como uma ópera, só que ela passa na sua frente, contando uma história e quem contar da melhor forma será o vencedor. Há uma competição entre as entidades do carnaval, normal. Mas também há uma torcida pelo adversário. Como é?
M.L. – O que fazemos é tão complicado por ter que ser coordenado com muitas pessoas e situações, passamos por muitas coisas que as pessoas sequer imaginam durante um ano de trabalho e temos só aqueles 50 minutos.
Então, sabendo como são os processos, não tem como não torcer para os outros que passam pelas mesmas coisas que nós. É claro que queremos ganhar todos os anos. Mas só um vai ganhar. Aquele que contar a sua história da melhor forma.
Aí o imprevisível entra em campo. Uma fantasia que descola, um carro que quebra, um detalhe que nos tira ponto. Também é um tempero em tudo isso. Mas algo que me motiva é sempre evoluir. Sendo assim, quanto mais uma outra agremiação evolui, melhor.
Mas eu tenho que batalhar, no sentido de superar aquilo. Arranjar uma forma de melhorar o meu trabalho. Então quanto mais os irmãos (eu não diria concorrentes) evoluem, mais eu tenho a oportunidade de evoluir.
E.L. – Sendo assim, o que faz o coração do Mestre Léo pulsar como uma bateria? A razão de todo o esforço de um ano, para 50 minutos de emoção?
É que existe uma parte que quer competir e ganhar, isso é humano. Mas ver aquilo que não existia e transformamos em som e, o mesmo som que estamos levando às pessoas é capaz de emocionar, aí está a minha recompensa, acima de qualquer outra coisa.
Pensar que fomos capazes de envolver as pessoas com a nossa história e o nosso som, é um sentimento sem explicação. Aí encantar os jurados será algo mais natural.
E.L. – Se hoje eu quiser começar uma bateria, qual o primeiro passo?
M.L. – Eu diria que o único segredo que existe nem é segredo. A chave de tudo é estudar. Estudar música, estudar cada instrumento da bateria, cada timbre, como usar e quais as possibilidades que eles nos oferecem.
É pesquisar os melhores instrumentos, as melhores formas de tocar cada um, as melhores performances. Aí sim começar a buscar pessoas que se interessem e que consigam entregar essa performance, separar por nível e treinar as pessoas, buscando um som homogêneo. Ou seja, a palavra-chave é estudar muito.
E.L. – Bem, para que possamos encerrar, uma coisa que me vem à mente é o que representa uma escola de samba para a comunidade onde está inserida. Então, o que representa a ARUC, para o bairro onde está, o Cruzeiro?
M.L. – Eu diria que é impossível dissociar uma coisa da outra. A escola nasceu de uma necessidade dos moradores, pela cultura deles quando aqui chegaram e não havia nada. Era o ponto de encontro, de diversão, de cultura, de esporte, onde as pessoas iam como opção de tudo isso. J
Já nasceu parte de algo onde as famílias se tornaram parte integrante e as novas gerações vieram e deram sequência ao trabalho dos avós, dos pais, dos tios e assim seguimos. Eu diria que não há Cruzeiro sem ARUC e não há ARUC sem Cruzeiro.
E.L. – Quero agradecer a presteza e gentileza que o Mestre Léo me recebeu na quadra da Escola de samba ARUC e o carinho em cada resposta, demonstrando o amor com que se dedica a uma arte, uma paixão que está na alma.
M.L. – Agradeço pela oportunidade de mostrar um pouco do nosso trabalho e que as pessoas possam conhecer e entender que uma escola de samba não é apenas carnaval. Ela faz parte da vida das pessoas e, em vários casos, ela pode fazer a diferença nas comunidades onde está inserida.
Eliéser Lucena
CONTATOS COM O COLUNISTA
CONTATOS COM MESTRE LÉO E A ARUC
Voltar: http://www.jornalrol.com.br