Doutores da Alegria

Ivete Rosa de Souza: crônica ‘Doutores da Alegria’

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Ivete Rosa de Souza

 Vi recentemente um grupo de palhaços com jaleco branco, em visita a um hospital. Eram os chamados Doutores da Alegria. Lembrei de minha filha internada, que tinha retirado as amídalas. Tinha na época sete anos.

             Quando acordou da anestesia, estava na sala de recuperação. Assustou-se por estar só. Deu um grito que meu esposo, meu filho e eu nos assustamos e estávamos no corredor diante do centro cirúrgico. Tamanho foi o berreiro, que mandaram uma enfermeira me buscar. Eu, assustada, já imaginava coisas absurdas, que tivesse alguma coisa muito errada; tremia tanto que minhas pernas nem obedeciam.

               A enfermeira me acalmou. — Sua filha está bem.

                Mas só consegui me acalmar quando a vi sentada na cama chorando. Me disse que havia esquecido que era um hospital, pensou que havia morrido. Peguei a chorona no colo, levei para os braços do pai. Ele, sorrindo, brincou com ela, mas continuava de cara feia. Veio outra enfermeira, informou que o quarto já estava disponível, e a menina resistindo, teimando, querendo ir embora. O médico já havia informado que seria apenas um repouso, se não houvesse problemas daria alta em seguida. Subimos ao terceiro andar, enfermaria infantil. Ao sair do elevador encontramos três doutores da alegria. Minha menina quase caiu da cadeira de rodas. Eles acenaram para ela sorrindo, e entraram em um quarto ao lado.

                  Chegou uma refeição, sopinha de hospital. Fez cara feia. disse que não ia comer, queria sorvete. O irmão, com fome, não pensou duas vezes, limpou o prato de sopa, a gelatina e o suco. Ao terminar disse que também queria sorvete. O pai saiu e foi comprar os sorvetes.

                   Insisti para que ela tomasse ao menos água. E ela só quis ajuda para ir ao banheiro. Quando retornou, antes mesmo de chegar à cama entraram os três doutores da alegria. Meus filhos nunca gostaram de palhaços, não sei o motivo, mas quando entraram falando alto e fazendo umas piadinhas sem graça, até eu fiquei chateada.

                   Tentaram ajudá-la a subir na cama. Minha filha quase os enxotou. Mas, para meu alívio, entrou uma enfermeira com a medicação, seguida por meu esposo, com um pote de sorvete e casquinhas.

                       Os três doutores, claramente chateados, ainda tentaram brincar com a paciente impaciente. Mas, diante das malcriações, se desculparam e saíram. A enfermeira e meu esposo, que estavam calados até o momento, se entreolharam e começaram a rir alto, não conseguindo parar.

               O clima melhorou de repente, se tornou leve, até o Sol, que ainda não tinha aparecido, entrou pela janela. A menina irritadiça também começou a rir. Ainda reclamando, porque a garganta doía quando ria.  Logo esqueceu o ocorrido. Se empanturrou de sorvete e dormiu, nem viu quando o médico passou e deu a alta.

                 Que me perdoem os doutores da alegria, que prestam um serviço de amor aos pacientes nos hospitais, mas aqueles três teriam que se reciclar, pois até mesmo eu fiquei com medo de palhaços.

Ivete Rosa de Souza

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