Ler liberta (faz pensar!)

Elaine dos Santos: Artigo ‘Ler liberta (faz pensar!)’

Elaine dos Santos
Elaine dos Santos

Traço reflexões sobre amor, fidelidade, infidelidade, felicidade e perenidade amorosa, tomo, como mote, alguns textos literários e parto do pressuposto que a leitura pode nos desenraizar de conceitos conservadores, que partem de um a priori que não pertencem ao nosso tempo, à sociedade que vivemos.

Atenho-me, claro, à minha área de formação – Letras – para refletir sobre um tema que, quase sempre, volta à tona nas discussões sociais e que emergiu entre amigos por conta do aniversário de Vinícius de Moraes

No conhecido ‘Soneto de Fidelidade’ , há dois versos repetidos à exaustão por quem gosta de poesia, refiro-me a ‘Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure’.

O poeta (ou seu eu lírico) parte de um pressuposto que a nossa sociedade tem dificuldade para enfrentar desde que o Romantismo inventou o célebre final em seus romances ‘Casaram-se e foram felizes para sempre’. Então, nem sempre o amor permanece?

De imediato, questionamo-nos sobre os pares fidelidade x infidelidade; amor finito, amor infinito.

Arnold Hauser , em seu livro História Social da Arte da Cultura , recompõe os passos da sociedade humana, lembra que, em determinado momento, as sociedades foram matriarcais, porque se acreditava que a gravidez fosse uma conjunção entre a mulher e os deuses. Não era. Haveria ali um primeiro indicativo que o adultério era possível? Eu posso “dourar” a ideia: haveria ali um primeiro indicativo que a traição amorosa era possível?

Em Medeia , tragédia grega escrita por Eurípedes , temos a história de Medeia e Jasão, ele, depois de terem tido filhos, repudia a mulher e decide casar-se com Glauce, filha de Creonte, rei de Corinto. O plano de Jasão não nos é estranho: seria o marido de Glauce e manteria Medeia como amante. Medeia rebela-se, envenena as vestes de Glauce, mata os filhos que tinha com Jasão, com vistas a provocar-lhe dor, sofrimento.

O Realismo francês brinda-nos com um caso de infidelidade que se tornou famoso: Emma Bovary. Trata-se da mulher que trai, que sente necessidade quase orgânica de ser infiel ao marido, que tudo faz para administrar os dissabores que a situação provoca. Madame Bovary, de Gustave Flaubert , fez suas descendentes na literatura ocidental.

A portuguesa Luisa, de O primo Basílio , de Eça de Queirós , é outro caso de infidelidade matrimonial. Caracterizada como uma clássica heroína romântica, frívola e tola, ela entrega-se ao primo, recém-chegado do Brasil, enquanto o marido, Jorge, estava fora da cidade. O caso amoroso é descoberto pela serviçal, Juliana, que a chantageia. Na conservadora sociedade portuguesa, o crime de Luísa – o adultério – é punido com a sua morte.

O amor geraria, assim, o compromisso da união oficial diante da sociedade, mas não representaria uma efetiva “união de almas” que se (re) encontram e são felizes para sempre? Vinícius – o eu lírico – parece crer que o amor pode ser finito. Pelo sim, pelo não, costumava dizer aos meus alunos: “Nem tanto ao céu, nem tanto a terra”. Emoção e racionalidade andam lado a lado, convém saber mediá-las.

Não podemos garantir que “devorar” livros, sem reflexão, possa gerar mudança de comportamento, alterações na compreensão que temos da sociedade e das relações humanas, mas nos fará menos dogmáticos, admitindo que, como humanos que somos, tudo é imperfeito.

Elaine dos Santos

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