Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Memória da Revolução Constitucionalista de 1932 em Sorocaba'
Carlos Carvalho Cavalheiro – ‘Memória da Revolução Constitucionalista de 1932 em Sorocaba’
No dia 21 de maio de 1993, o Movimento Cultural Sepé-Tiaraju, que agregava em torno de si jovens preocupados com questões relacionadas à cultura de Sorocaba[1]; promoveu uma palestra sobre a participação de Sorocaba na Revolução Constitucionalista de 1932, no Salão Áudio Visual das Faculdades Integradas “Dom Aguirre” (atual UNISO – Universidade de Sorocaba), em que foram palestrantes os ex-combatentes José Gonçalves Franco e Mário Baroni. Abaixo, segue reproduzida a fala integral do senhor José Gonçalves Franco, extraída por meio de transcrição realizada por Carlos Carvalho Cavalheiro, a partir de áudio gravado por um dos assistentes da palestra.
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José Gonçalves Franco – Eu gostaria de lembrar que diante dessa juventude brilhante, nós estamos aqui a pedido da comissão de vocês, o jovem Carlos e os demais, para que falássemos alguma coisa sobre a participação de Sorocaba na Revolução de 1932. Nós temos aqui, só para incrementar, uns recortes de jornal em que dizem “Sorocaba Revolucionária”. Pode mostrar aí para o pessoal. “Sorocaba Revolucionária”, isto é, Sorocaba não podia ficar alheia ao movimento eclodido primeiramente no dia 23 de maio em que quatro jovens, estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo, foram imolados em prol dos ideais da Revolução de 1932. Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, quatro jovens idealistas, sonhadores como vocês, que ao eclodir o Movimento de 1932 no dia 23 de maio, que é chamado hoje de dia da Juventude Constitucionalista. No próximo domingo agora nós iremos completar 61 anos do término[2] da Revolução de 1932. Naquela época eu tinha… mal estava completando meus 18 anos e já era soldado. Mário também com a mesma idade, um pouquinho mais jovem, já com os mesmos ideais de dar ao Brasil o que eu vou mostrar agora [segura um livro]. O que é isto aqui? Ah, uma Constituição. Então, sempre que eu começo minhas palestras eu pergunto: – O que é uma Constituição? Todo mundo vai dizer: “é a lei básica, fundamental, que regula os direitos fundamentais do cidadão, e assim sucessivamente”. E a gente, só por causa de uma Constituição, São Paulo se abateu. E não os outros objetivos que denegriram a imagem dos ex-combatentes de 32.[3] A juventude sorocabana não podia ficar alheia, como não ficou, como prova esse recorte de jornal aí. E nenhuma das outras cidades: Ribeirão Preto, Casa Branca, Campinas… Queluz, a zona do Vale do Paraíba, lá do lado de Minas Gerais, lá do lado de Mato Grosso do Sul. E assim Sorocaba viveu dias agitados, dias memoráveis, dias de alegria e tristeza. Alegria dos jovens que queriam participar do antigo Exército Constitucionalista. Tristeza para as mães e os pais que deixavam seus filhos. E quantos partiram! Quantos! Mas como surgiu isso aí? Porque, como vocês sabem, nós tivemos a nossa primeira Constituição ditada, outorgada por Dom Pedro I, lá nos idos do primeiro Império, em 1824. Foi outorgada, imposta. Depois daquilo, vivemos um período de insatisfação e só tivemos uma 2ª Constituição, a primeira da República. Quem se lembra? De 1891, quando foi deposto o 2º Império das mãos de Dom Pedro II e proclamada a República. E o Brasil foi vivendo dias agitados até o início de 1930 quando houve uma eleição para presidente de República. Dois candidatos: Getúlio Dornelles Vargas pelo Rio Grande do Sul e outros Estados e Júlio Prestes de Albuquerque apoiado por um só Estado: São Paulo. Getúlio era apoiado pelos outros [Estados], e quem ganhou a eleição? Júlio Prestes de Albuquerque. E como era natural, Getúlio Vargas se insurgiu e aí surgiu a revolta, a Revolução de 1930. E como todo elemento que galga o poder, promete muita coisa. E Getúlio havia prometido uma nova Constituição ao Brasil, porque a de 1891 já estava ultrapassada. Dois anos são passados e São Paulo fazendo “ponte”. Todo mundo sabe a história de São Paulo. Líder da Federação, sem ofender quem quer que seja de outro Estado, São Paulo é uma locomotiva puxando vinte vagões vazios. Mas embora essa pecha que falam de São Paulo – a locomotiva puxando vinte vagões vazios –, São Paulo nunca pensou, nunca passou pela minha idéia, nem na do Mário e outros companheiros, os ideais de um separatismo do Brasil. O ideal foi somente esse: dar ao nosso Brasil uma nova Constituição prometida pelo próprio presidente Getúlio Vargas. Dois anos são passados e ele não deu. Então, eclodiu esse movimento no dia 23 de maio. Talvez por motivos políticos, motivos sociais, quem sabe? Há muita coisa na História da Revolução de 1932 que ainda está para ser escrita. Muitos livros foram feitos, recortes de jornais, apanhados, revistas, mas muita coisa está ainda para ser definida para o Brasil. O fato é que Sorocaba não podia ficar e não ficou alheia ao Movimento de 1932. Os políticos saíam às ruas conclamando a juventude a se alistar. E foram dias agitados, alegres e tristes ao mesmo tempo. Jovens da idade de vocês, 17, 18, 19, 20, 21 e até 14, 15 anos. Há recortes que dizem que “se nos deixarem, nós iremos também”, juventude de 13 e 14 anos querendo se alistar. Na História do Brasil vocês têm uma história longa de uma heroína. Quem é que se lembra? Uma heroína brasileira? Maria Quitéria. Seu pai havia já perdido os quatro filhos na frente de combate e ela também se ofereceu. Mas como era mulher, não poderia participar. E ela conseguiu o quê? Uma roupa, uma farda de seu irmão e se alistou e partiu para a frente de combate. E só descobriram que era mulher porque ela foi ferida. Quer dizer, tiveram que fazer um exame, passar por um exame físico que ela aí teria que tirar sua farda. Aí que descobriram. Saiu aí, dias atrás nos jornais publicado: a grande heroína Maria Quitéria. Então, a gente pensando bem na História de Sorocaba, vocês já viram o que é a Constituição, tivemos uma coleção de constituições: a de 1891, a de 1934, 37, 46, 67, a “colcha de retalhos” e a de 69. E agora, estamos vendo mais uma de 5 de outubro de 1988, que já estão pensando em modificar. Poucas emendas já estão previstas aí. Então eu vou fazer uma leitura só, rápida: “O que eu vi”. Um jovem, mal completando os seus dezoito anos. “O que eu vi”, eu vou ler para vocês só para vocês terem uma idéia. “O que eu vi? O entusiasmo, a solidariedade, a cooperação e a colaboração de todo povo paulista. O que eu senti? O quanto pode um homem quando seu ideal visa somente o bem da Pátria. O que eu aprendi? Que o Brasil sempre foi uma grande Nação, una, coesa, amada por seus filhos e em cuja bandeira as palavras “Ordem e Progresso” bem espelham o espírito de civismo e brasilidade que reinavam no coração do jovem nos idos de 1932”. E os jovens daqui fizeram algumas perguntas que nós vamos tentar responder na medida que for possível, e aqui diz a primeira: “Houve participação do movimento estudantil de Sorocaba na Revolução de 32? Como era esse movimento?”. Sim, houve participação do movimento estudantil de Sorocaba, porque sempre o espírito de civismo e brasilidade reinam no coração dos jovens em todos os tempos e em todas as épocas. A corrida dos primeiros voluntários estudantis, operários, civis e todas as camadas sociais aos postos de alistamento militar para em seguida seguir para as várias frentes de combate, a cidade [Sorocaba] teve sim uma participação efetiva, ativa e efetiva. “Houve apoio ou participação dos partidos políticos? Quais?”. Sim, porque a cada Batalhão formado, os políticos saíam às ruas para que em discursos inflamados, com bandeiras e cartazes, conclamavam os jovens, os homens válidos para a luta cívica de São Paulo. “É realidade que o Estado de São Paulo queria emancipar-se?”. Isso nunca passou pelo coração de qualquer um dos jovens como está havendo agora no Rio Grande do Sul para se formar uma Pátria independente. Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Oxalá não haja esse movimento.
E assim, sucessivamente nas demais frentes de combate onde nós participamos e embora com superioridade de 6 homens para um, São Paulo conseguiu agüentar durante três meses, de 23 de maio a 28 de setembro de 1932. Aí houve um acordo com o Governo Federal. São Paulo se rende, mas se rendeu de pé! Houve represálias para os grandes chefes. Para nós, como eu, o Mário e outros que eram soldados, cabos e sargentos, a volta aos quartéis depois de três meses de ausência da família. Para nós não tiveram represálias, a não ser a saudade daqueles que partiram para a Europa no exílio, perdoados depois pelo próprio presidente da República, com um decreto que ele diz assim: “sendo impossível punir todos os elementos do Exército brasileiro que participaram da Revolução de 1932 por estarem em lugares desconhecidos, o Governo Federal resolve então tornar sem efeito o decreto que exilou os nossos chefes políticos, Pedro de Toledo, General Klinger e outros elementos”. Então voltou a paz ao Brasil dos elementos que passaram vários meses na Europa curtindo a sua mágoa de ter participado da Revolução de 1932. Vocês vêem então que o espírito de civismo e brasilidade que reinava nos idos de 1932 sempre reinou no coração de jovens como vocês. É isso o que eu tinha a dizer. [Palmas].
[1] O Movimento Cultural Sepé-Tiaraju promoveu em 1993 diversas atividades no campo cultural. Além da palestra, alvo deste texto, promoveu um debate sobre Socialismo; produziu um jornal mimeografado intitulado “Movido à Álcool”; promoveu uma campanha de abaixo-assinado contra o desmatamento de uma área verde no Jardim Brasilândia; apresentou diversas propostas de indicações e leis a vereadores entre tantas outras. O Movimento ainda foi responsável por auxiliar Grêmios Estudantis em sua organização, promoveu exposições de desenhos e também de poesias. Dentre os jovens mais atuantes, estavam os fundadores do Movimento: Carlos Carvalho Cavalheiro, Carlos Alberto Muniz dos Santos e Mozart Jorge Dobosz Araújo.
[2] Parece que houve um equívoco: deveria ser “início” e não “término” da Revolução.
[3] Possivelmente, refira-se ao fato de ter circulado à época que o movimento queria a separação do Estado de São Paulo do restante do Brasil.