Sergio Diniz da Costa: 'Etéreas: meus devaneios poéticos'

Sergio Diniz da Costa Sergio Diniz da Costa – ETÉREAS: MEUS DEVANEIOS POÉTICOS

 

Sergio Diniz da Costa

 

ESPERANÇA

 

Se mil vezes

Meus pés

No lodo afundassem,

Mil vezes

Meus braços emergiriam

E mil vezes

Meu clamor se ouviria.

 

Se mil vezes

A derrota me derrubasse,

Mil vezes

Meu corpo se levantaria

Meus punhos se cerrariam

E meu desafio se ouviria.

 

Se mil vezes

Minha garganta secasse,

E meus olhos inchassem

Minha pele rachasse

E as chagas aumentassem,

Mil vezes

Meus lábios sorririam,

Minhas mãos se uniriam

Minhas preces voltariam

E minh’alma,

Mil vezes,

Se iluminaria.

 

(Poesia classificada em 1.º lugar no Concurso de Contos e Poesias, realizado pela Organização Sorocabana de Ensino – OSE – em 1977)

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FUGA

 

Quisera, ao sol do dia,

Esconder minha presença

Em profundo poço.

Dormir o sono longo

Dos justos, dos cansados.

 

Quisera, ao sol do dia,

Ser apenas uma pedra

Numa gruta distante.

 

Quisera, ao sol do dia,

Ser apenas uma folha

Num livro com folhas

Sem fim.

 

Quisera viver somente à noite:

Hora mágica do dia!

Que ventura ao espírito!

Quão liberta e suave

A vida noturna,

Em que a alma se despoja

Dos grilhões da rotina diária

Em que nossos sentimentos se abrandam

Ao contato de outros seres.

 

Hora mágica,

Dos cantores de poesia

Dos suspiros românticos

Dos aromas de mel

Da lua irradiando saudades!

 

Triste dia que chega

Ao canto do arauto emplumado!

Triste vida luminosa

E, também, escura

Que clareia o inimigo

Que, à noite, era irmão!

 

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DIVAGAÇÕES

 

De janela aberta

Em plena madrugada,

Ouço a chuva amena

Que me traz recordações:

Recordações de hoje

De ontem

Da infância

Do ventre materno

De outras vidas.

 

São tantas e tão confusas

Que já não sei

Se são minhas só;

Ora sou um menino,

A correr descalço

Pelas ruas da infância;

Ora sou um romano

Das conquistas galenas;

Ora sou um velho

Curvado sobre o cajado,

Contando aventuras

Que já viveu;

Ora sou um animal selvagem

A dominar seu reino;

Ora sou um penhasco

Avançado sobre o mar;

Ora sou o próprio mar,

A multiplicar mil vidas.

Pelos três reinos me vejo passar:

Como uma semente,

Uma flor,

Um cetáceo;

Como um menino,

Um homem,

Um deus.

Como uma chama a iluminar

A noite que se acabou!

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MINHA  SINGELA  POESIA

Escrevo frases soltas

Sem sentido oculto;

Versos livres

Sem atavismos literários;

Impressões fugazes

Sem intento definido.

 

Minha poesia não deve ser interpretada;

Deve ser sentida!

Meus versos simples

Não propõem discussões:

Falam de sentimentos simples

Que um pequenino raio de sol

Reflete na multidão!

 

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INSPIRAÇÃO SINTÉTICA

 

Noite,

Sentimentos,

Labaredas!

 

Mãos ágeis,

Febre poética!

 

Noite,

Sentimentos,

Criação!

 

(Poema classificado para a antologia publicada pela Universidade São Francisco (Bragança Paulista/SP), em 1990)

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O  CERNE  E  O  ROSTO

 

Velho rosto

Vetusto cerne;

Há em ambos

Linhas do tempo.

 

Na vida vegetativa

O tempo sulca a inconsciência;

Na vida humana

Sulca o tempo a consciência.

 

Em cada face

As linhas contam anos:

No cerne resplandece a Terra;

No rosto resplandece Deus!

 

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REVELAÇÃO

 

Quis um dia palpar nuvens

Represar lágrimas do céu

Prender raios de sol;

As nuvens se desfizeram

As lágrimas o chão secou

Os raios a noite levou.

 

Quis um dia cantar a liberdade

Ensaiar o bailado dos pássaros

Voar o voo do condor;

A liberdade bailou com os pássaros

O condor voou com as nuvens.

 

Quis um dia sonhar com Deus;

Acordei e vi somente o homem,

Mas, vendo apenas o homem,

Vi também a mão de Deus!

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ESTRADAS

 

Sou viajante peregrino

Em terra de todos

E de ninguém;

Viandante do pó

Andarilho da esperança

Caminheiro das estradas

Buscando…

 

Ao acalento do sol

Ao frescor das chuvas

Ao canto da natureza

Caminho entre hinos da vida.

 

Romeiro dos templos humanos

Contemplo maravilhas

E misérias,

Na confusa amálgama

Dos pensamentos.

 

As estradas as conquisto

Com minhas pegadas ocres.

Deixo em cada curva

Pedaços de histórias:

Planto cruzes

Colho dúvidas

Recolho restos

Junto fragmentos.

 

Sou viajante peregrino

Apoiado no bastão

De minha vivência.

Andante solitário,

Buscando…

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O  CHAMADO

 

Quando a Morte me encarar

Face a face

E sorrindo

Invocar meu nome

E o Destino me disser:

– Eis seu último minuto!

Abrirei meus olhos

Levantarei meu corpo

E, encarando a Morte

E o Destino,

Direi:

Meu último minuto

Pertence ao Senhor;

Quem vem me buscar

Não é a Morte…

Mas a Vida!

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