Continuação do livro que conta a história de uma família, desde 1400 até 2023. Ficção com base em documentos e narrativas de pessoas reais

Angelo Lourival Ricchetti: Continuação do livro que conta a história de uma família, desde 1400 

angelo-a-08-de-agosto-de-2016-1Depois do almoço Lolou pede para eu encontrar um arquivo no computador com o título “O Terceiro Encontro da Família Richetti em Paraí”. Graças à minha ordenação dos arquivos logo encontro:
Nossa Família Richetti (Ricchetti, Riquetti, Riqueti e agregados), reuniu-se, pela terceira vez, em Paraí, no Rio Grande do Sul, neste final de semana, dias 01 e 02 de maio de 2015. Foi uma festa belíssima que nos foi proporcionada pelos primos “Richetti”, descendentes do nono Paschoale Richetti e da nona Maria Margherita Corona, italianos que aportaram no litoral gaúcho e se fixaram na Serra Gaúcha, em Caxias do Sul, no início do terceiro quarto do século XIX. Tiveram como filhos Benjamino, Justina, Júlia, Felipe, Albertina, Frederico, Maria Agnese, Eugênio Josue, Guerino Santo (que não é o meu pai, é tio dele).   Quase um século e meio de vida brasileira, com seus descendentes espalhando-se, no inicio do Século XX, pelo Oeste de Santa Catarina, depois pelo Paraná e, em seguida, por muitos estados brasileiros e mesmo pelo exterior, na Europa e nas Américas.  Relatos nos dão conta de que nosso bisnono Paschoale nasceu em 18 de abril de 1843, em Cesiomaggiore, na Itália, e faleceu em 18 de abril de 1910, tendo chegado em Caxias do Sul provavelmente em 18 de janeiro de 1877.
Euclides Riquetti – 03-05-2015
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Meu avô sai do quarto para conversar com uma pessoa de uma Sociedade Amigos de uma vila e continuo lendo a história do Uth e da Lucila.
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(Sexto texto de Uth Ricchetti).
No tempo em que falei que ia casar com aquela menina, o seu pai, Bento de Campos Mello, era coletor da Prefeitura Municipal de São Manuel. Nesse tempo o prefeito era o senhor Carlos S. de Barros e havendo uma desavença entre o senhor Bento e o senhor Carlos S. de Barros, o meu futuro sogro, vendeu as propriedades que tinha e foi morar em Bauru.
Uma das fazendas foi loteada e é, hoje, a Vila Ipiranga, justamente onde eu moro depois do incêndio que acabou com as propriedades de Ângelo Ricchetti.
Em Bauru, Bento de Campos Mello foi ser dono de uma das maiores casas comerciais, mas foi marcado pela fatalidade, lá. Tendo o seu filho José, o mais velho, formado farmacêutico e procurado um sócio para a nova farmácia, arranjou um tal Ludigerio. Este, um dia, brincando com uma arma que dizia descarregada, apontou para o José, (meu futuro cunhado) e o matou.
O meu futuro sogro, desgostoso, mudou-se de Bauru (1925) para Santa Cruz do Rio Pardo. Em Santa Cruz foi administrar as fazendas reunidas de dois irmãos dele.
Minha futura esposa contava 10 anos.
Vou abrir um parêntesis aqui para contar alguns casos que se deram com meus irmãos Fausto e o Henrique, comigo e com papai também, anos atrás.
O Henrique morou na Aparecida de São Manuel, onde ele foi diretor e como gostava de cavalos altos e bonitos, comprou um e colocou o nome de Centenário e ocupava o cavalo para vir a São Manuel.
Um dia resolvi montar o Centenário. Eu já havia sentado em cavalos menores e mansos. Todo orgulhoso passeava pela cidade. Num dado momento aparece um automóvel, em frente da farmácia de Sr. Brito, hoje do Massarico e o cavalo, assustado, começou a empinar, e eu aguentei dois pulos, mas no terceiro fui para o chão e fiquei sem fala, sendo acudido pelo Sr. José da Silva Teles, que era guarda-livros da farmácia do Sr. Brito.
Em outra ocasião, papai havia comprado um automóvel Ford. O meu irmão Henrique pediu o carro emprestado a papai para buscar na Aparecida de São Manuel a minha cunhada Silvia e me levou junto. A Silvia não quis vir, pois chovia muito.
Voltamos os dois (meu irmão Henrique e eu). Quando chegamos ano morro o carro começou a andar em volta dele mesmo e o Henrique, com medo de um desastre, gritou para eu pular e em seguida ele pulou também, mas com o barulho do motor eu não entendi e fiquei no automóvel e como não dava mais para pular eu tomei a direção do carro e com a proteção de Deus cheguei e passei por uma ponte estreita que havia lá sem sofrer nenhum acidente.
Em 1924, estourou uma revolução em São Paulo, depois de uns dias de combates os revoltosos foram obrigados a fugir para o Paraguai e passaram por São Manuel.
Papai conversava na esquina de casa com uns amigos. Um dos soldados que estava bêbado passou por ali e bateu com o sabre no pescoço de papai (sabre- um facão que os soldados usam para colocar no fuzil, quando têm que lutar). Graças a Deus, por ele estar bêbado o sabre bateu de prancha e nada aconteceu a papai. Foi só revolver que apareceu por todos os lados e o dito soldado foi levado ao Tenente Cabanas, que mandou fuzilá-lo.
Nessa mesma ocasião aconteceu outra covardia de uns políticos Quando ia passar o último trem dos revolucionários, eles tiraram os trilhos e o trem descarrilou, ficando parado perto de uma fazenda cujos donos eram os Faschietti.
Os Faschietti, revoltados, pediram caminhões para transportar os feridos do desastre, mas os políticos já haviam ido até a cidade de Barra Bonita onde estavam as tropas do governo que vieram para matar e prender os coitados. Justamente nessa ocasião estavam os pobres jantando. Entre eles estava o samanuelense Henrique Calvitti que foi por eles assassinado.
Pouco antes, meu irmão Fausto e eu tínhamos ido a uma fazenda onde estava a noiva dele. Quem foi buscar essa tropa foi Francisco Menocchi, hoje falecido. O pai de Francisco Menocchi chama-se Luís Menocchi e tinha uma papelaria atrás da Igreja, bem na esquina, hoje ali há uma funerária.
Ainda outro caso. Meu irmão Fausto levara o automóvel para conserto numa das oficinas e eu sem falar nada a ninguém fui buscar o dito carro. Já sabia guiar um pouco e ouvira os motoristas falarem que pessoa alguma subiria em segunda marcha e eu quis provar que subia e aí se deu o desastre.
Coloquei toda a velocidade e quando percebi um caminhão parado em frente a uma construção que seria do Banco Comércio Indústria, cujo gerente era Antônio de Souza Aranha (homem de grande personalidade no panorama político da cidade), não pude parar e ainda peguei de raspão a perna de um homem que descarregava madeira do caminhão.
Fiquei muito assustado com o acontecimento, pois o pobre homem foi para o hospital local. Ele não quis nada com a polícia, só pediu que pagassem o hospital e os dias perdidos, mas o escrivão de polícia (Hipólito de Oliveira) abriu inquérito sobre o caso e como eu era menor Fausto assumiu a culpa. O senhor Antônio de Souza Aranha e o advogado João Rosa tiraram a acusação (pois a vítima não tinha apresentado queixa).
O Senhor Hipólito de Oliveira era irmão do Erasmo de Oliveira, farmacêutico na Rua 15 de Novembro. Mais tarde vim a trabalhar nesse mesmo Banco e nessa ocasião era gerente Sebastião de Souza Campos, sobrinho de Antonio de Souza Aranha.
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Neste sexto trecho que acabo de ler aparece o que Lolou disse a respeito da Revolução de 1924 e também uma tocaia armada contra os revoltosos. Meu bisavô conta sobre suas aventuras, inclusive com um carro. Pergunta para Lolou:
– Já havia carros nessa época?
– Deve ser um dos primeiros veículos a existir com motor a combustão. Eram muito caro por vir importado dos Estados Unidos da América por meio de navio.
Veja como o meu avô Angelo era rico.
Naquele tempo não havia estradas de rodagem e nem carros ou ônibus para se ir à Capital. Até quando eu estava com dez anos viaja-se muito de trem.
De São Manuel a São Paulo levava doze horas e como sempre eu ia com a janela aberta chegava com o rosto sujo de fuligem por ser o trem movido à caldeira alimentada com lenha.
Minhas primas filhas de minha tia Linda riam muito e me deixava sem jeito.
As ruas, avenidas, os prédios, a distância que o taxi percorria da Estação Sorocabana até a Vila Clementino onde moravam, pareciam muito maiores do que na verdade eram.
Lembro-me de ter ido deitado na mala da família, aos pés do meu pai e minha mãe, sentados no banco de madeira como minha primeira viagem de trem. Enquanto não dormi ia vendo os reflexos das pessoas sentadas nos bancos do vagão. Tudo parecia ser apenas um sonho.
De outra vez fui apenas com meu pai. Minha mãe já havia tido outro irmão e ficara cuidando dele.
Aconteceu algo muito importante para minha vida nessa viagem.
Meu pai e eu fomos até o prédio onde meu tio Henrique, uma pessoa famosa, trabalhava, mas ele havia saído. Voltamos à calçada em frente do prédio e, de repente, meu pai desmaiou. Fui bem rápido e não o deixei ir ao chão.
Fiquei amparando enquanto outras pessoas pararam e vieram me ajudar. Do bar vizinho conseguiram um copo de água e a custo fizeram beber algumas gotas, se recuperando.
Foi a primeira vez que o meu pai gigante, forte, meu protetor, se transformara em um ser frágil, magro, quase sem vida. Isso me marcou muito. Meu pai Uth pesava muito pouco, sempre foi muito magro, de baixa estatura, como todos na família Ricchetti, inclusive meu avô maestro, conforme se vê nas fotos.
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Meu celular me chama e eu atendo. É Cyntia, uma jovem chinesa, colega da Faculdade de Arquitetura perguntado se eu ia a São Paulo para recomeçar o curso. Disse que sim, já estava pronto. Avisei meu vô:
– A semana que vem não virei mais aqui. Ele me olhou assustado:
– Por quê? Não está gostando do que eu conto?
– Não é isso. Começam de novo as aulas e ficarei em São Paulo no apartamento da USP.
– Então se acabaram nossos encontros?
– Imaginei o seguinte: Como você usa computador, antiquado é verdade, mas vou lendo os textos no meu micro computador e vou lhe fazendo perguntas pela Internet e assim continuamos a nos comunicar. Está bem?
Ele fez que sim com a cabeça. Talvez temesse que por essa forma virtual nossos contatos pudessem deixar de lado nossos sentimentos. Mas somente pensei isso. Não falei nada para ele.
– Kainã, quer ir comigo hoje à noite à nossa televisão comunitária? Vou ser entrevistado pelo Mauricio e creio que você vai gostar.
– Vou sim, mas não vou falar nada, certo?
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Estamos chegando ao estúdio de gravação da TVI. Há um cenário com um local para os entrevistados e outro para o entrevistador. Meu avô me apresenta ao Mauricio.
– Este é meu neto Kainã e vai ficar vendo a entrevista. Tudo bem?
– Tudo bem, sem problema. Estamos esperando chegar o Doutor Alexandre, médico do coração.
Logo a seguir chega o médico e senta-se na bancada do lado do meu avô. Maurício abre o programa e apresenta os dois aos telespectadores. São duas câmeras registrando ao vivo a entrevista. O primeiro a falar é o médico dizendo a respeito de sua especialidade. O Lolou logo interrompe.
– Doutor, por que as pessoas morrem do coração?
– São múltiplas causas, no entanto, eu destaco a vida sedentária, a ingestão de sódio em demasia, a falta de exercícios físicos.
Mauricio pergunta se há como prevenir essas doenças do coração. O doutor responde que há, em alguns casos, como a medição de pressão arterial. Afirma, entretanto, que depende muito dos gens herdados. Meu avô pergunta se há uma ligação entre comer carne de animais e de aves. O médico responde que não, necessariamente.
– Mas doutor se a pessoa se alimenta de carnes e esses animais e aves são criados comendo ração e produtos à base de agrotóxicos, isso não fica no organismo da pessoa? E tem ainda os produtos industrializados.
– É melhor consultar outros especialistas para responder isso. Sou médico do coração e alimentação é com nutricionistas. Fiquei mais de 10 anos estudando como cuidar do coração quando ele se encontra avariado. Cada especialista tem os seus estudos e práticas. E um não deve interferir no conhecimento do outro.
Mauricio interrompe o clima de beligerância que está se formando. Diz que a prevenção seria melhor do que cuidar da saudade já comprometida, inclusive por ficar mais caro. Meu avô está com os olhos brilhando, sinto que amando a briga por vir. Ele comenta.
– Não é apenas a questão da defesa dos animais e aves e sim a defesa dos seres humanos que não podem se alimentar de produtos não naturais. Mauricio, eu trouxe um texto sobre isso, posso mostrar?
– Pode sim por melhorar o que você fala sêo Lolou para os telespectadores.
Vô pega o texto do bolso e se aproxima com ele da objetiva da câmera. Pela tela da televisão ao lado da câmera eu leio:
Jonathan Safran Foer, vegetariano e autor do bestseller Comer animais. «Começamos abrindo mão da carne, que não tem um significado cultural, gastronômico ou afetivo particular, como um hambúrguer que se come apressadamente no McDonald’s. Se eu perguntar para alguém se está disposto a se tornar vegetariano, é quase certo que vai me responder que não”. Mas, se eu perguntar se está disposto a abrir mão de pelo menos um prato de carne por semana, provavelmente vai responder que está. E só aquele prato equivaleria, apenas nos Estados Unidos, a tirar das ruas 5 bilhões de carros por ano. Vegetarianos, vesanos, carnívoros responsáveis e pequenos criadores: estamos todos do mesmo lado da barricada. Do outro lado, o nosso inimigo comum: o sistema industrial e a produção de carne, que todo ano mata e faz sofrer bilhões de animais».
Lolou lê em voz alta esse texto exibido para todas as televisões ligadas no programa, cerca de 4 mil, e depois continua.
– É preciso existir uma educação em saúde, em alimentação natural, sem produtos enlatados, em um clima não poluído…
O médico interrompe dizendo que a morte atinge a todos. Não há como fugir dela. Embora se possa tentar a cura de algumas doenças, antes que a pessoa morra. Ele continua.
– Programas de saúde preventiva são ensinados nas Faculdades de Medicina. Porém, é mais urgente e importante a prioridade de se curar as pessoas já doentes. Nós médicos lutamos contra a morte sempre!
Lolou fica muito nervoso, agitado, fala agitando os braços.
– A morte! Isso mesmo, a morte! A nossa morte vai ser cada vez mais necessária para que todos nós percebamos essa atual ausência de saúde latu sensu!
– A morte, sêo Lolou? Pergunta assustado o entrevistador.
– Isso mesmo, as pessoas vão morrendo cada vez mais por se alimentarem com produtos industrializados até que comecem a perceber o grande mal que o capitalismo e a industrialização provocam nos seres humanos. E tem mais…
Ele é interrompido por um corte de energia brusco. Ficamos à escura. Mauricio tenta abrir a porta do estúdio. Não consegue. Está travada pelo lado de fora. Fala ao celular com o pessoal da técnica.
– O que está havendo?
Pelo celular ouve-se a voz do Firmino da técnica da emissora dizendo que pessoas vestindo capuzes e armadas invadiram tudo, obrigaram a desligar a energia e trancaram a porta. De repente ele também para de falar. Mauricio insiste, mas não o moço não responde.
– O que eu faço? Pergunta para nós dois. O médico está encolhido de medo em um canto. Eu digo para ligar para a polícia. Ele digita no celular e se comunica com um policial. Ouço o policial dizer que daqui a pouco manda uma viatura.
– Por que agora não dá? Diz o policial que estão todas em serviço. Para ficarmos onde estamos. Que legal essa resposta. Não tem mesmo como sair!
De repente a porta de abre e Firmino entra.
– Já saíram todos. Disseram que foi um aviso para não se falar contra as indústrias.
A polícia chega na viatura, nos ouve, pergunta se quer fazer boletim de ocorrência, Mauricio faz que não. Ele dá uma olhada para o outro policial e se vão.
– Vô, é melhor a gente ir embora. Estou assustado.
Lolou balança a cabeça, se despede do médico, do entrevistador, o jornalista Mauricio e saímos para a rua. Olho desconfiado pelos lados. Tem umas pessoas esquisitas nos olhando.
– Quem são essas pessoas mascaradas, Lolou?
– Não sei. Se são contratados por industriais, até que são bem rápidos. Digo isso por causa do recado. Vamos nos apressar. Não estou gostando desses ai nos olhando.
Entramos no carro da vó Júlia rapidamente rumo ao Jardim Deise.
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No ônibus de volta a São Paulo continuo a ler os arquivos com dificuldade de concentração. A visão daquelas pessoas nos olhando perto da televisão me atrapalha.
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(Sétimo texto do Uth Ricchetti).
Continuando a falar de minha futura esposa Lucila.
Eu queria namorá-la, mas ela não me dava bola e eu nessa ocasião tinha conhecido uma menina no “Orfanato Anália Franco” dirigido por Dona Clélia Rocha (mulher muito rigorosa).
Esse orfanato era mantido por um fazendeiro chamado Amando Simões e hoje quem dirige é Zelma Simões (filha de Amando Simões) que foi colega de classe de Lucila de Campos Mello.
Pois então conheci no Orfanato uma menina chamada Córa. Era muito bonita, mas também bastante geniosa e ciumenta.
A diretora do Orfanato trazia as moças num cortado!   A Cora tinha duas irmãs. Elas protegiam o nosso namoro. Os bilhetes nossos eram passados por debaixo da porta. Só nos festivais que nós podíamos nos encontrar.
As órfãs organizavam lindos festivais no Teatro Municipal. A Cora representava muito bem. Nessas ocasiões ela vinha emprestar minha gravata ou cinta para usar nas peças e aí a gente conversava um pouco. Por causa dos seus ciúmes nós acabamos tudo.
As colegas dela não podiam conversar comigo e havia uma chamada Idati que gostava de falar comigo. Por causa dessa colega de orfanato a Cora chorou muito e disse que nunca mais voltaria a São Manuel. Foi com a turma em excursões pelo Estado de São Paulo e não voltou mais.
Por esse tempo eu fui aprender no Banco Comércio Indústria o ofício de bancário.
Nessa ocasião tive tifo complicando com pleuris, quase morri. Não pude trabalhar no banco por que fiquei muito fraco. Os meus médicos, Dr. Marino Bastos e Dr. Gentil Pacheco recomendaram uns tempos em Rubião Junior para o completo restabelecimento.
Mamãe alugou uma casa em Rubião por um mês. Fomos: Mamãe, minha irmã Helena e naturalmente eu também. Aos domingos o Francisco Borges (trabalhava na Casa Ricchetti) ia me visitar.
Depois de uns quinze dias eu já me sentia melhor.
O tal Francisco Borges indo aos domingos e tomando parte nos bailes de uma pensão combinou comigo de pularmos a janela e irmos dançar.
Meu irmão Hermínio, muito amigo do Sr. Amando Simões e Dona Clélia, arranjou para a Cora ir a Rubião Junior juntamente com a tal Idati e me pegaram de surpresa dançando com a namorada do Francisco Borges. A Idati disse a Cora que aquela moça era minha namorada, mas era mentira. Tudo isso concorreu para eu nunca mais ver a Cora.
Ficando bom de saúde voltei para São Manuel.
Nesse tempo meu irmão Henrique que era diretor do Grupo Escolar Dr. Augusto Reis e juntamente com os senhores Dácio Portela, Osório Correia de Lara, Dr. Gentil Pacheco, Dona Alfredina Esquível, Dr. Leal e outros abriram um Externato.
Os alunos que estavam no Colégio Acioly vieram para o Externato terminando assim esse colégio cujo diretor era Francisco Acioly.
Desse colégio veio um rapaz que ficou muito meu amigo. Chamava-se Mário Portes (filho de Alfredo Portes, fazendeiro). Hoje, Mário Portes é casado com minha cunhada Celina de Campos Mello.
Formamos uma turma que foi o terror da Escola Normal Livre de São Manuel. Faziam parte da turma: Mário Portes, Edu Rossi, Lauro Correa de Lara, Hermínio Brolo e naturalmente eu, Uth Ricchetti.
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De volta à poluição e ao ruído intenso. Pessoas que se comprimem, 30 milhões delas, esmagadas entre elas, entre os prédios, torres altíssimas, nos transportes de massa, nas escadas, casas, viadutos, pontes, ruas, ruelas, avenidas, autoestradas. O caos feérico. Avida consumida entre os segundos de hora perdida.
Rumo para o apartamento que a prefeita da cidade universitária reserva para alunos de pais de baixa renda. Ainda quero ler mais um pouco da vida do Uth e Lucila. A minha curiosidade cresce.
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Agora, pela primeira vez leio o sétimo texto do Uth Ricchetti aqui na Faculdade de Arquitetura de São Paulo. Imediatamente faço um contato virtual como meu avô Lolou para fazer minhas observações e perguntas.
– Antes de tudo, parece que o namoro entre seus pais vai começar. Outra coisa que me chamou a atenção foi haver em São Manuel, uma Escola Normal como houve ai em Itapelinda.
Meu avô digita de volta:
– O meu tio Henrique Ricchetti foi professor, iniciou em São Manuel a primeira turma de escoteiros do Estado, foi o primeiro Delegado de Ensino para o Interior, sendo que um dos meus professores na Fundação Getúlio Vargas, FGV, foi o Delegado de Ensino da Capital. Somente havia apenas duas Delegacias de Ensino.
A cartilha tipo primeiras letras do meu tio foi tão famosa que várias vezes pessoas viam meu sobrenome e vinham dizer que admiravam a atuação dele no ensino. Isso talvez explique São Manuel logo poder contar com uma Escola Normal.
Ele foi, como o pai, um político dos melhores. Lembro bem na minha infância deixando “santinhos” dele embaixo das portas das casas em São Manuel. Santinhos eram propaganda de candidatos, no caso, do meu tio Henrique para Deputado Estadual. Eu tive o orgulho de dizer que pedi votos para ele.
Nesse tempo, eu tinha 7 ou 8 anos e era colega de um filho do Prefeito e meu irmão José Eduardo, colega do outro. Sempre nós brincávamos juntos na residência do Prefeito. Uma vez encontramos e bebemos uma garrafa toda de vinho, até ficarmos em desmaiados. Foi meu primeiro porre e não seria o último.
Lembro também desse tempo que havia eleições e o prefeito havia construído no enorme terreno de sua propriedade um galpão para guarda de objetos. No tempo de eleição esse local se transformava para receber eleitores dos bairros rurais que eram trazidos em caminhões até esse ponto no qual eu entregava, como os demais colegas e amigos, um sanduiche de mortadela e um refresco para cada um, enquanto um cabo eleitoral entregava o maço de votos dos candidatos do prefeito para os vários cargos em um envelope. Depois levavam os eleitores em fila indiana, vigiados, até o local da votação onde cada um depositava o seu envelope na urna. Era o chamado de “voto de cabresto”. Assim se “entronizam” os eleitos como “donos do poder” como explica o estudioso Raymundo Faoro.
Mas preciso mostrar para você, Kainã, um arquivo com mensagem enviada pelo meu primo Sylvio. É bem interessante;
Meu pai nasceu em 17/04/1901. Teve quatro filhos, Ary Aparicio, Angelo Henrique, Caio Roberto e eu Sylvio Lais. Nossa mãe, Sylvia Duarte Espindola, nasceu em 11/10/1901. Algumas curiosidades sobre meu pai. No 2º semestre do mês de agosto do ano de 1922, morava em Lenções Paulista e como chefe de escoteiros daquele Município, com a participação de cerca de uns quinze garotos decidiu comemorar o Centenário da Independência indo, a pé, marginando o rio Tietê, até São Paulo, e no dia 7 de setembro data da chegada marcharam até o Museu do Ipiranga. Na volta, por trem cedido pelo então Governador da Provincia, foram recepcionados pela população em dia decretado feriado. A ida a São Paulo demorou cerca de quinze dias. Imagine as agruras enfrentadas por aquela garotada nos idos de 1922.
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– Vô, tenho a impressão que nossos parentes nesse tempo, começo do século 20, eram todos aventureiros e tinham muita coragem. Fico imaginando uma caminha dessa a pé, por tantos quilômetros e me surpreendo. Pela data do nascimento do Sylvio pressinto que seu avô Angelo chegou ainda no final do séculos 19!
– Tem razão Kainã. Eu não achei o nome do meu avô nos vapores (navios) que traziam imigrantes italianos para o Brasil e por isso não sei quando ele chegou a Santos. Mas agora deixa falar mais um pouco do meu pai.
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– Meu pai Uth, em uma das eleições, mesmo sendo funcionário do prefeito, como era do Partido Socialista Brasileiro, conseguiu se infiltrar e trocar as cédulas dos candidatos do prefeito pelos candidatos socialistas. Como foi descoberto, sofreu consequências graves desse ato. Mas isso aconteceu bem depois de casado. 
Quanto ao namoro entre meus pais é uma situação ainda muito inicial. O que senti de importante é a formação das amizades, inclusive para aqueles e aquelas que serão importantes para o namoro dele com minha mãe.
Também percebi quanto eu acerto ao dizer que meu pai Uth era uma pessoa fraca, conforme se lê no texto dele. Chama a atenção uma pequena cidade no alto da Serra de Botucatu como um sanatório, inclusive com pensionatos.
De novo envio perguntas para meu vô
– Você teve namoradas em São Manuel?
– Como já disse minha primeira paixão foi aos dez anos pela minha prima Maria Helena, filha da minha tia Helena. Ela era uma morena muito bonita e se fazia respeitar. Era mais velha do que eu cerca de quatro anos, se não me engano. Eu a admirava quanto estava no Jardim do Coreto quando chegava com as colegas para passearem e conversarem. Ficava de longo, olhando e nunca tive a coragem de dizer para ninguém sobre isso até hoje.
– Estou sendo o primeiro a saber então? Obrigado pela confiança.
– Admirava meus colegas e amigos de escola que começaram a namorar aos dez, doze anos, como o Paschoal Di Nardo. O namoro foi tão sério que estão bem casados até hoje. Não posso dizer que tive namoradas. Namorei algumas moças depois dos catorze anos quando passei a viver em São Paulo, mas sem muito compromisso.
Porém o que muito me marcou foram minhas paixões por três jovens em especial, uma colega de serviço na Mesbla onde fui Office boy, outra colega na Secretaria da Fazenda onde fui trabalhar e a Munira Bechara também da Secretaria, uma jovem muito linda, educada, havia sido muito rica, mas o pai perdeu tudo, filha de sírios. Ela era da mesma idade que eu. Já morreu. Uma amiga comum me contou sobre a morte da Munira. Antes de morrer proibiu que eu fosse vê-la, que eu lembrasse dela como era antes. Quem sabe alguma hora eu conto sobre ela.
Ela desejava ser minha amiga por amar em segredo um empreendedor sírio, dono de supermercados. Esse senhor não se interessava por ela. Apenas os negócios e amantes.
Foi algo tão forte essa minha paixão que quase ela me consumiu. Depois conto mais sobre isso. Estou cansado de teclar aqui e creio que você deve arrumar tempo para estudar.
– Sim, preciso mesmo sair. A Cinthya veio me buscar para estudarmos juntos.
– Quem é?
– Apenas uma amiga e estudamos juntos.
– Cuidado para não revelar nada para ela. Lembre-se de nosso compromisso.
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À noite, depois das aulas, volto a ler os textos. A vida hoje é tão diferente daquela vivida e narrada pelo Uth. Agora tudo é feito com pressa e ajudado por robôs, por máquinas, de tal modo que até se pode pensar que nós nos transformarmos em “ajudantes” das máquinas eletrônicas. Vou lendo e fazendo um paralelo entre 1900 e 2000.
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(Oitavo texto do Uth Ricchetti).
Foi no Externato que começou o romance com minha futura esposa, Lucila de Campos Mello. Ela não queria nada comigo. E eu gozava quando ela me chamava de “antipático”, devido as minhas molecagens. Ela era de uma sala e eu de outra. Quando chegava o recreio era só olhar para ela e logo vinha o antipático…
Namorei diversas colegas entre elas uma chamada Josefina que me deu uma fotografia. Quando brigamos, ela pediu à Lucila que falasse comigo para entregar a sua foto, aí passei a ser mais considerado pela Lucila, mas ainda indiferente, pois ela namorava um tal de Genésio Nitrini que veio de Tiete.
A Lucila e o Genésio estavam escrevendo um romance juntos.
Eu namorava um a menina de Botucatu chamada Nazira que havia sido colega da Lucila. Nazira vinha a São Manuel e aí se encontrava com sua ex-colega.
Quando foram feitos exames para o ginásio eu comecei a trabalhar na casa Ricchetti.
O ginásio em que estudamos os nossos filhos Ângelo e José Eduardo também estudaram. Hoje o prédio está transformador em creche.
Eu jogava num time chamado Juvenil e sempre íamos jogar em Botucatu e a noite passeava com a Nazira e a Lucila continuava a namoro com o Genésio.
Um dia ele estava escrevendo as iniciais da Lucila (LCM) num tronco de jabuticabeira e o canivete dobrou e cortou o dedo dele. Vendo o sangue, o rapaz desmaiou. Ele não podia ver sangue, Coisa engraçada, hoje é aposentado como Tenente Coronel da Força Pública.
Eu pequei o canivete do chão e pela primeira vez escrevi as iniciais de Lucila de Campos Mello. 
Fui me apaixonando, mas não demonstrava e ela continuava a frequentar a casa de Francisco Borges, pois a Eulídia (irmã de Francisco) era colega de classe dela.
Ia também à casa da professora de música e eu estava lá.
As colegas e ela faziam brincadeiras para pegar os rapazes. Como sentar em três cadeiras, sendo que a do meio não havia. Estavam cobertas por um lençol, mas eu conhecia a brincadeira e não caí nessa.
Outra brincadeira, colocar um fio de cabelo numa bacia cheia de água e quando a gente olhasse o fio viraria uma cobra, mas ao chegar perto da bacia elas a virava com força molhando todo mundo.
Na casa dos Borges a Lucila descobriu que minhas mãos (frias) eram boas para puxar balas de coco e eu ajudava com alegria nesse serviço.
Lucila de Campos Mello penteava meus cabelos por brincadeira e eu fui gostando cada vez mais dela.
A nossa amizade era linda, mas só amizade.
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Antes de teclar para o Lolou, como ele gosta de ser chamado, fico pensando nessa última frase do Uth.
Parece que minha amizade com essa jovem vindo lá da China pode ser mais que isso. Fico preocupado. Se começar um namoro com ela como vou fazer para não falar sobre o que conversamos, por longo tempo e até pela Internet, eu o meu vô.
Ela já está curiosa a esse respeito. Cinthya não é apenas bonita, é muito inteligente. Quando chega perto de mim, sem eu esperar, ela percebe que logo fecho a página que estou escrevendo…
Não devo falar disso com o Lolou senão ele não me ajuda a entender esses velhos textos do Uth.
Já está feita a ligação virtual e começo a expor minhas dúvidas e comentários.
– Boa noite, vô Lolou. Aqui chove muito e está tudo alagado. E ai em Itapetininga?
– Só está bem frio. Com a limpeza dos córregos não temos mais esse problema de São Paulo. Mas tememos chuvas muito fortes por acabar com o solo do plantio dos pequenos agricultores.
A água continua a ser o ponto mais vital para garantir a alimentação com os produtos orgânicos após a proibição do uso de agrotóxicos no município e o parcelamento dos latifúndios e a proibição da produção agrícola extensiva.
– Eu só queria falar sobre o texto do seu pai Uth e acabei recebendo uma aula sobre alimentação.
– Desculpe prezado neto. É que eu me empolgo com os prefeitos e vereadores nos últimos anos que estão dando uma lição para os demais municípios sobre a economia com base em ecologia e humanidade. Mas diz ai o que deseja. Já leu mais páginas do texto do meu pai?
– Sim e fiquei relendo também porque comecei a entender algo que para mim é importante.
Quando ele conta tudo de modo detalhado eu fiquei com a impressão de que teme alguma doença no cérebro e precisa registrar tudo enquanto é tempo.
Também não sei para quem ele escreve ou se pensou nisso ao escrever. Se foi para as gerações futuras devia estar preocupado com as memórias de como era farrear, namorar, cuidar da saúde, e assim por diante.
– Sabe que você tem razão? Junto com o texto tem um rol detalhado dos profissionais e artesãos do município naquele tempo, dos comerciantes e outras listagens. Eu não pedi a meus filhos digitarem essa parte, mas pode ser importante, quem sabe, para assegurar a história da cidade.
Quanto à perda da memória dele eu posso garantir que não tinha esse problema. O pai Uth era reconhecido como uma pessoa que guardava todos os mínimos detalhes de tudo que tinha interesse.
– Do que ele morreu?
– De doença cerebral não foi. Como você deve saber os registros dos médicos pós mortem não acusam as causas, apenas os efeitos e então não se pode saber com o ser humano vai se deteriorando até a morte.
Alguns diziam, não lembro quem e não sei se havia base, que ele comeu carne de porco quando jovem e um “bichinho” dessa carne começou a se alojar no organismo dele até o levar à morte quarenta, cinquenta anos mais tarde.
E, por falar nisso de comer carne de porco, isso é um preceito judeu. Vai ver somos mesmo descendentes de judeus. Mas quem não é?
– Estranhei que no texto ele não fala como recebeu a morte do pai.
– Na verdade ele não fala quase nada do meu vô Angelo.
Quanto à sua própria morte e de minha mãe, lembro que ele apontava uma parte alta da cidade de São Manuel onde fica o cemitério e dizia:
– Eu e a Cila (chamava assim minha mãe) queremos ser enterrados lá onde estão quase todos da família, menos meu pai que está no Cemitério da Consolação em São Paulo.
Por ironia ele está enterrado em um cemitério de Mogi das Cruzes, ao lado do seu melhor amigo, o Mario Portes. Viveram juntos em toda a adolescência e juventude. Passaram muitos anos sem se verem, mas foram enterrados debaixo da mesma lápide.
– E sua mãe?
– Ela morreu na casa da minha irmã Vera Maria em Bertioga e está lá, não tenho certeza, no cemitério junto ao mar.
Minha irmã, Vera Maria, que cuidava dela, me contou que suas últimas palavras foram sobre que estava com muito medo de morrer. A Vera Maria foi até a cozinha buscar água para ela e quando chegou no quarto, ela já estava morta.
Mas chega de morte, pelo amor de Deus!
– Até parece que o vô tem medo da morte!
– Quem não tem? Quem diz que não, está mentindo. A primeira visão da morte que eu tive foi aos sete anos de idade.
Era meu costume sair da nossa casa junto ao Santuário, na parte alta da cidade e ir a pé, correndo, até a Casa Ricchetti. Na descida da rua ficava a porta de entrada para o andar de cima da casa. Era uma pequena sala e logo a escadaria que levava ao andar superior.
Uma vez cheguei correndo e tentei puxar um cordão que abria a porta, mas minha mão resvalou em uma cortina negra. Separando a cortina dei de cara com um caixão com um defunto e dos quatro lados dele, castiçais altos, cada um queimando uma vela comprida. O susto foi muito grande e voltei correndo para casa e aquela noite não consegui dormir.
Muito depois soube que o defunto era Dona Carmela, a irmã de minha avó que veio junto com ela da Italia. Mas alguém mais tarde disse que era a mãe portuguesa do meu tio José Alves, marido da tia Helena e sócio na loja de presentes. Eu não sei ao certo tudo isso que estou comentando…
– É tarde e preciso estudar Lolou. Vamos falar mais amanhã?
– Depois falo mais sobre a morte…
– Ah morte não, por favor. Vamos falar da vida, do amor…
– Também, também… Boa noite e bom estudo.
– Boa noite.
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Na noite seguinte, embrulhado em cobertor, pois está muito frio, continuo a leitura.
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(Nono texto do Uth Ricchetti).
Até que, um domingo, a prima dela, Lalica veio de Botucatu para São Manuel e nós nos encontramos no Jardim Público. Lucila estava brigada com Genésio. As duas nos convidaram para umas voltas.
Aceitamos, mas só com a condição de voltar logo porque ia jogar em Botucatu.
Quando eu e a Lucila ficamos a sós ela me pediu que não fosse jogar e eu disse que nesse domingo iria porque já havia prometido e depois não iria jogar mais se era assim que ela queria.
Daquele dia em diante criei coragem e logo diria a Lucila que eu estava amando-a.
Numa noite, à Rua Sete de Setembro fazendo esquina com a Rua Coronel Joaquim Floriano, num luar muito bonito eu me declarei. Ela (Lucila) me perguntou se eu iria fazê-la feliz. 
Desse momento em diante iria começar a maior luta de minha vida.
A família dela não queria o nosso namoro.