Angelo Lourival Ricchetti: Continuação do livro que conta a história de uma família, desde 1400 até 2023. Ficção com base em documentos e narrativas de pessoas reais
Angelo Lourival Ricchetti: Continuação do livro ‘DA ARTE DE SE CRIAR PONTES’ – 10ª PARTE
DÉCIMO ‘PEDAÇO’ DO ROMANCE DA ARTE DE SE CRIAR PONTES
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É combinado que todos nós vamos almoçar juntos no salão da Câmara Municipal e depois vamos poder saber sobre como é o Programa do Município Saudável. Vô Lolou se incorpora ao grupo.
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Vou gravando com meu celular as apresentações enquanto o Marcel grava com seu equipamento. Primeiro a falar, após o almoço, é o prefeito que narra como o Partido Socialista agiu antes da primeira eleição dele.
– Um ano antes da eleição, em assembleia geral de militantes, aceitaram o Programa de Município Saudável com bandeira para a campanha eleitoral e todos os finais de semana fizeram reuniões nos vários bairros rurais e nas vilas e centros da cidade, esclarecendo sobre o Programa e solicitando sugestões que eram anotadas.
Com isso o conhecimento dos planos de governo municipal com base em uma vida mais saudável, encabeçada pela preservação da saúde, médicos de família, a alimentação sadia sem produtos tóxicos, carnes vermelhas, enlatados, o não consumo de alimentos vindos de locais onde fossem usados agrotóxicos, a preservação da vida animal e vegetal, o combate aos meios que levavam a destruição do meio ambiente, a educação latu sensu, isto é, atingindo não apenas escolares, estudantes universitários e pós-graduações, cursos técnicos, mas também escola para a formação de casais, para a educação para a saúde e para a alimentação, programas de estudos para profissões que não agridam os seres humanos, para jovens casais, adultos e idosos, bem como para pessoas com deficiência …
(Ele interrompe e bebe um pouco de água que está em um copo à sua frente)
… Programas de artes, teatro, cinema, dança, educação política visando à democratização dos meios de comunicação, a responsabilidade enquanto cidadãos, a alteração das formas de governo municipal, com a eleição por cada uma das comunidades entre seus membros candidatos de modo a serem discutidas propostas e aprovação, sendo este representante eleito para uma das cadeiras da Câmara Municipal, pela qual, em coletivos serão feitos os Planos de Governo para cada uma das comunidades e para o município todo.
Esse longo depoimento deixaria qualquer outro orador sem fala, mesmo bebendo muita água. Mas o prefeito parecia o Fidel Castro que fazia falas de quatro a cinco horas. E os ouvintes não piscaram nenhum momento, muito atentos a cada palavra.
Depois foi a vez do Adamastor, um dos vereadores, afirmando que, pela primeira vez em Itapetininga, um partido novo derrotou os vários partidos de classe média e de pessoas de posses, colocando um programa destinado a mudar radicalmente o consumismo existente, em etapas, conforme as pessoas iam se preparando para um novo modo de vida, mais saudável e mais humano.
Disse também que a reação dos que eram donos de comércios, profissionais liberais, sociedades secretas, empresários de outras partes, até do estrangeiro, pegos de surpresa foi bem tardia e afastou do município muitas pessoas, muitas empresas e as que ficavam para compra e venda de produtos que fazem mal a saúde foram fortemente taxados, postos cartazes avisando sobre o mal que o produto fazia às pessoas. Buscando seus negócios serem inviabilizados.
Os funcionários públicos municipais tiveram cursos a respeito das suas funções. Os estaduais e federais não se viram obrigados a esses cursos e ainda obedecem aos governos estadual e federal.
A seguir, o amigo da Cinthya, o líder do projeto da ECA-USP, apresenta o roteiro pretendido de entrevistas, de filmagens e de documentos, mas que gostaria que todos pudessem opinar sobre esse roteiro.
Um dos presentes, líder de um bairro rural próximo a Tatui e que percebeu o contrabando de produtos tóxicos para as pessoas de Itapelinda, faz a pergunta, talvez mais crucial no momento:
– Nós, pelo que já consultei, queremos saber por que esse interesse de vocês por nós. Afinal de contas, estando muito no começo desse programa e ainda desconfiamos muito dos que vem aqui saber alguma coisa.
O líder do grupo cede a palavra à Cinthya:
– O que vocês estão fazendo aqui é uma ótima amostra para todos os demais municípios. Eu sou da China e nosso povo lá fez também essa revolução cultural pela alimentação saudável, pela medicina de prevenção, pelo respeito a todos os seres vivos e pelo nosso planeta Terra.
Este grupo, por estre projeto, financiado pela própria USP, Universidade de São Paulo, como um trabalho universitário de conclusão de curso, deseja mostrar o que já foi e o que está sendo feito e para isso pedimos a autorização das autoridades, dos representantes das comunidades, dos cidadãos de Itapetininga.
Nesse tempo formam-se grupos por temas para avaliar e modificar o plano de trabalho.
À noitinha, encerrado o dia de trabalho com plano para o dia seguinte, o grupo todo vai vivenciar como os Itapetininganos se comportam nas praças, nos clubes, nas ruas e avenidas. Algumas entrevistas também são feitas. Jornalistas de rádios, jornais e televisão comunitária, por sua vez, passam a entrevistar as pessoas do Grupo.
Nessa noite houve um momento que mudou minha vida.
Cinthya, que estava sempre envolvida com os trabalhos e nem me olhava, de repente, ao lado da Praça chamada carinhosamente de “dos Amores” do lado do chafariz chega bem perto de mim me abraça e me beija. O nome oficial dessa praça é outro, mas ninguém se lembra dele.
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À noite voltamos a ler juntos outro trecho da vida do Uth para Cinthya.
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(Vigésimo primeiro texto do Uth Ricchetti)
Tivemos outros filhos que estão vivos lutando neste mundo de Deus.
Fiquei tão desesperado que cai em prantos e não pude assistir à operação cesariana. Quem assistiu foi minha cunhada Nenê casada com Hermínio.
Assim tive de volta a minha querida esposa e o meu primeiro filho. Seu nome completo: Angelo Lourival, Angelo, nome de meu pai e Lourival a pedido da enfermeira.
Passei a noite toda acordado, perto da Lucila, em companhia da Helena minha irmã. A minha sogra chegou de São Paulo na manhã do dia seguinte com meu cunhado Nhosinho. À noite fui para casa descansar e a dona Catita (sogra) ficou com a Lucila.
Iria passar a noite com a filha e ai aconteceu mais um susto na minha vida.
A Lucila contou o que havia acontecido desde o tombo no quintal até a cesariana.
Minha sogra sofria de pressão alta e desmaiou.
A Lucila desesperada quis levantar e se isso acontecesse, arrebentar-se-iam os pontos da operação.
A sorte foi a enfermeira ter aparecido. Evitou um terrível desastre. Daí em diante eu passava as noites com a Lucila.
Quando a Lucila foi para casa com o nosso filho fiquei mais tranquilo.
Fiz uma horta e um viveiro de pássaro no quintal. O Angelo ficava dentro de um caixote grande em frente do viveiro vendo e ouvindo os cantos dos passarinhos
Aos domingos, de manha, eu e o meu sobrinho Odair íamos caçar pintassilgos num local chamado pasto do Lourenço.
O Angelo era forte. Todos os meses o levávamos ao médico (Dr. Gentil) que acompanhou seu crescimento.
O Dr. Gentil pediu o retrato do menino e colocou em sua mesa de trabalho no consultório. Depois essa foto foi para uma revista de pediatria do Rio de Janeiro.
Era um orgulho para o Dr. Gentil o menino sadio.
Indo um dia visitar uns parentes da Lucila em Avaré ele (Angelo) ficou muito resfriado e o médico pediu que mudássemos para um lugar alto (São Manuel).
Nessa casa o menino ganhou um casal de lebres e ele se distraia engatinhando atrás delas.
Nos dias de chuva havia muito barro nessa rua e resolvi procurar outra casa.
Mudamos para a Rua Quatro de Junho toda asfaltada.
O Fausto (meu irmão) escreveu-me chamando para um concurso no Estado. Fui aprovado.
Indo a São Paulo para tomar posse tive outro desgosto. A minha prova estava borrada de tinta. Politicagem.
A mobília arrumada e o meu desgosto, mas agora eu estava com a Lucila ao meu lado para me confortar e animar.
Tempos do governador de quem eu não gostava. No meu lugar ficou um sobrinho dele. Tinha passado em quinto lugar.
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Lemos juntos esse trecho, Lolou, Cinthya e eu. Vô Lolou havia entrado no quarto em que estamos deitados. Ele explica:
– Nasci prematuro e passei um bom tempo em uma incubadora. Sobrevivi. Minha estreia no mundo deu-se de uma forma dramática. Talvez por isso dramatizo tudo. Quanto a meu pai, pelo texto, sempre estava à busca de emprego. Não sei também se ele dramatiza dizendo que “alguém” provocou um acidente para borrar prova. Pode ter acontecido ou não. Quem sabe?
– Como ele soube que foi aprovado?
– Moça, acho que o irmão dele, o meu tio Fausto, deve ter contado.
Eu não queria conversar, queria sim estar junto com minha nova ex-namorada. Então dou uma desculpa que íamos precisar dormir cedo para fazermos as reportagens com as pessoas, logo de manhã. Pisquei para ela, mas Cinthya quer continuar a conversa com Lolou.
– Qual foi o seu papel nesse movimento de Itapetininga?
– Havia um programa na tevê comunitária que me chamavam de vez em quando para participar respondendo perguntas do apresentador. Lembro que um deles era o Pedro, mas também havia o Maurício. Num deles falei das várias situações onde prefeitos eleitos popularmente conseguiram fazer mini revoluções e mudar para uma política voltada para as pessoas de renda mais baixa.
Foram momentos históricos que se sucederam em várias partes do Brasil.
As elites ficavam por conta delas mesmas enquanto prefeito e vereadores criavam situações para os cidadãos serem eles mesmos a alterar as velhas estruturas herdadas das elites. Muitas pessoas que viram essa minha participação vieram dizer que devíamos fazer algo em Itapelinda também.
Fui procurado por líderes de um novo partido politico que havia surgido, o Socialista e que buscava novas soluções. Eu me entusiasmei e passei a eles todo o material que havia coligido e mesmo as visitas que eu fizera a esses municípios inovadores. Esse material eu coletei na Fundação Faria Lima do Governo de São Paulo na época que trabalhei como assessor.
– Isso quer dizer que suas idéias, seus conhecimentos e vivência ajudou a haver esse Programa que agora vamos divulgar pela ECA-USP?
– Sem falsa modéstia creio que sim. Porém eu só passei o que sabia. Essas novas lideranças e os cidadãos de Itapetininga cansados de uma política voltada às classes mais favorecidas é quem faz de fato a mudança em curso.
– Cinthya, deixa o vô descansar. Lembre que ele está ferido e precisamos deitar.
Ela dá um beijo na testa do Lolou, bem no local do ferimento, que sai do quarto e fecha a porta. Ela pega-me pelas mãos e nos deitamos no quarto que a vó Julia havia disponibilizado para mim.
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Ontem não tive tempo de ler mais um texto do Uth Ricchetti.
Passei o dia todo acompanhando minha namorada (agora estamos namorando de novo!) e a equipe fazendo o projeto progredir.
Havia ações que eu não sabia. Por exemplo, o uso de bicicletas para transporte. A prefeitura desse novo tipo de governo popular foi diminuindo o uso dos veículos e dando preferências a ciclo vias. Com isso a população daqui diminui muito seus gastos com transporte e mesmo os que usavam carros passaram a gastar menos o combustível se não torna cada dia mais caro pela diminuição de pontos de extração.
Fomos a um supermercado que ainda vende carne e produtos enlatados e vimos os avisos que existem para as pessoas não consumirem para garantia de sua saúde. Depois em uma farmácia a mesma coisa.
Então vejo que há as proibições, as multas, os impostos de taxas para quem contraria os planos de Município Saudável, mas há também muita comunicação pelos órgãos de imprensa e pelas escolas de pais, de adultos visando modificar os usos e costumes de ingerir bebidas, latarias, carnes vermelhas e muito mais. O incentivo ao uso do transporte público, de bicicletas, de formação de grupos para ciências, artes, estudos, etc.
Amanhã cedo vamos voltar a São Paulo. Mas ainda tenho um tempo para ler mais um texto do Uth para a Cinthya.
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(Vigésimo segundo texto do Uth)
O Fausto ficou uma fera mais de nada valeu. Para corrigir o erro fui nomeado para trabalhar na barreira do Estado de São Paulo com o Paraná (fiscal). Verificar o contrabando de mercadorias.
A Lucila e o Angelo ficaram em São Paulo na casa de meus sogros.
Chegando à tarde no meu novo emprego fui apresentado a um sargento da Força. Ele logo me falou:
– Aqui é fogo! Ou você adere aos bandidos ou morre.
À noite acontecia o contrabando. Eram luzes e mais luzes no rio. Pedi demissão. Aquilo não era para mim. Voltei para São Paulo e a Lucila anunciou nova gravidez.
Eu estava sem emprego.
A casa em São Manoel desalugada com os nossos moveis empilhados.
Desde daí nunca mais fui governista.
Voltamos para São Manoel.
Fui trabalhar outra vez na Casa Ricchetti. Meu ordenado era de 350 mil reis (1941).
Aluguei mais uma vez a casa (1ª que moramos) da Rua Dr. Julio de Faria, n 227.
Trouxemos a minha cunhada Guida (hoje freira e enfermeira no hospital de Lorena).
Era o ultimo mês de gravidez da Lucila.
No dia 13 de fevereiro de 1941 nasceu o segundo filho, José Eduardo.
O medico foi o Dr. Gianella. O Dr. Gentil não gostou dessa gravidez tão perto uma da cesariana, achava perigoso. O outro médico, Dr. Nilo achava que o Dr. Gentil queria que só tivéssemos um filho. Porque tantos?
José Eduardo nasceu magro e comprido. Começamos a tratá-lo como fizemos com o Angelo mais ele logo não quis mamar no seio da mãe e tornou dessa forma um grande problema.
Não se deu bem com leite de vaca.
Então comecei a comprar cabras. Uma dava pouco, outra nada de leite e fui comprando cabras até acertar com uma boa leiteira.
Às tardes, depois do serviço ia cortar capim e me cansava muito.
Fiquei enfraquecido e fui a São Paulo consultar meu médico (Dr. Coveiro).
Estive numa fazenda em Minas Gerais em tratamento (quando moço eu tive tifo, pneumonia e outras doenças).
A Lucila ficou em São Manoel com o Angelo e o José Eduardo e as cabras.
A portuguesa que tirava o leite das cabras e tratava delas não percebeu que uma delas estava com diarreia e continuamos a dar desse leite ao menino.
Passados uns quinze dias da minha ida para Minas Gerais telefonei perguntando por todos da família e a Lucila falou que o José Eduardo estava muito mal.
Tomei um ônibus no mesmo dia e voltei para São Manoel.
O menino estava com disenteria aguda. Falei com o Dr. Gentil e ele falou que precisava descobrir o micróbio da doença.
Não precisou nada disso.
Foi só olhar para a cabra doente e eu fiquei sabendo a causa. Eliminando a cabra de casa o menino melhorou e sarou.
Nunca foi forte e assim cresceu.
Teve e tem um destino trabalhoso.
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Comento com Lolou que as notas que ele havia colocado nos textos ajudam muito a entender e conhecer algumas coisas que ficaram perdidas no tempo. Lolou comenta que havia uma tela em tamanho grande dessa cabra pintada por seu Tio Inocêncio, um verdadeiro artista das cores, tio de sua mãe. Não sei o que foi feito dela.
– Não lembro se coloquei alguma nota sobre isso. Não dava para ficar colocando muitas, eu pensei, senão quem fosse ler, ia perder o rumo da história que meu pai ia contando.
– Ah! Quer dizer que pretendia publicar?
– Não. Eu pretendia enviar os textos digitados para os parentes. Eu penso que além deles quem iria se interessar por uma história familiar.
– Não vamos discutir agora esse assunto.
Cinthya entra na sala onde estávamos conversando. Vem me chamar para ir dormir. Vou com muito gosto!
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Segunda feira em São Paulo. Me preparo para ir à Faculdade de Arquitetura na USP. Minha namorada prepara um quebra-jejum com produtos naturais. Eu agradeço a ela. Desejo ser como estão ficando os que estão em Itapelinda. Ela fala sobre aquele momento que rompeu comigo. Explica que era comida sempre natural que fazia e ficou bravo por eu não querer.
– Eu sempre me alimento com o que faz Cinthya. Mas estava com cólicas muito fortes e nem pude me comunicar com você sobre isso e também por desejar ficar em jejum. Depois não consegui, por que você não quis, falar com você de todos os meios à disposição.
– Está certo. Reconheço que agi errada. Mas vamos pular o que foi um fato horrível. Deixa-me dizer que fiquei encantada com tudo que vi nesse fim de semana em Itapetininga.
Eu digo:
– Pelo que entendi foi raro momento de aproximação de cidadãos, grupos organizados, ideologia e governo para fazer valer os direitos e deveres dos cidadãos e da Prefeitura e Vereadores, visando algo diferente de tudo que é feito no Brasil: a visão de uma população e governo com saúde e contra tudo que não fosse saudável.
Cinthya fala
– Ainda não vai demorar muito tempo para isso valer para todas as pessoas de Itapelinda, empresários, grupos tradicionais, mas eu creio que vão chegar lá. Por isso estou profundamente admirada de duas pessoas:
– Ai ai, vai começar nova briga…
Ela dá uma risada daquelas longas próprias dela. Os olhinhos chineses somem no seu rosto.
– Espera! Ainda não disse quem são e chega de ciúmes! Um é meu amigo que fez o projeto de estudo e que vai ajudar muito na divulgação tanto para São Paulo, Grande São Paulo, outros municípios para também irem por essa trilha, bem como dar mais apoio aos primeiros a pensar em algo tão importante.
– Um é seu amigo Marco Antonio, estou sabendo. E quem é a outra pessoa? Sou eu não é?
Nova risada, mas agora acompanhada de um beijo em mim.
– Não é. Eu falo do seu avô o Lolou. Quero conhecer mais sobre ele.
Eu me levanto para pegar minha mochila.
– Você não vai conseguir, já aviso. Ele não gosta de publicidade. Mas não custa tentar.
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Entre duas aulas, no intervalo, ligo meu micro e leio mais um pouco, com a Cinthya do meu lado.
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(Vigésimo terceiro texto do Uth Ricchetti)
Um dia apareceu em casa o Sr. Leão Morales (cria da fazenda do meu sogro) trazendo umas verduras e querendo ser nosso amigo como fora da família da Lucila.
Ficou sendo um grande amigo nosso. O Angelo e o José Eduardo tinham por ele um grande carinho.
No rosto do Leão apareceu uma grande espinha que mais tarde virou doença ruim (câncer).
Mais parecia um lobinho.
Ele dizia sempre que quando Angelo crescesse e fosse médico iria operá-lo.
Mas morreu muito antes e o Angelo não se tornou médico.
Vou falar agora de minha mãe nessa época. Adorava a Lucila e os netos. Muito agarrada comigo prejudicando meu modo de viver.
Ainda na casa da rua Dr. Julio de Faria, nº 227, eu sonhei que havia comprado um sitio.
O café naquele tempo estava em baixa. Sai de casa pra procurar umas terras de um sitiante que estava querendo vende-las. O Sr. Artur Inocente era o homem que eu procurava. Convidei o Leão Morales para ver o sitio.
A família do Leão trabalhava como colonos na fazenda Capim Fino, pertencentes aos Bertozzo.
O lugar estava bem limpo e o café uns quatro mil pés.
Aquela carga ainda seria do antigo dono. (Artur Inocente).
O Leão e a família tratariam do sitio para mim. A entrada seria de 10 contos de reis e mais dois contos depois da futura colheita.
Pedi a mamãe esse dinheiro emprestado.
O meu irmão Hermínio foi consultar o sogro que já fora fazendeiro.
O Sr. Osório Correa de Lara (o sogro) disse ao meu irmão que seria loucura empregar assim o dinheiro.
– O Uth não entende de terras.
Mamãe e o Hermínio ficaram do lado do Sr. Osório.
Não demorou seis meses e o café teve a maior alta daqueles tempos.
Perdi um ótimo negócio. Desisti do negócio porque não havia conseguido o tal dinheiro.
Logo o sitio fora vendido por cento e cinquenta contos de reis.
Eu perdi de ficar bem na vida. Estava ainda agarrado a saia de minha mãe.
Não me libertavam.
O Sr. Osório não gostava de mim por haver casado com a Lucila. Ele era o pai de Lauro que amava a Marina, irmã da Lucila.
O Sr. Osório perdeu a fazenda no Paraná.
Pela supermãe perdi um outro negócio.
Indo a Santo Antonio da Platina visitar o meu cunhado Fernando de Campos Mello soube de outra Fazenda para vender.
O dono perdera a mulher e o filho num desastre e não queria continuar no lugar.
O sogro do meu cunhado possuía uma serraria. Queria me ajudar na compra da fazenda e eu iria pagar conforme vendesse os porcos.
Tornei a falar com minha mãe, mas ela não queria que o filho saísse de perto dela.
A fazenda era de criação e o dono a vendia por 50 contos de reis.
O Hermínio, com remorsos do outro negocio arrumou o dinheiro, mas minha mãe chorou tanto que eu desisti de ir para o Paraná.
Escrevi ao Fernando contando tudo e assim terminou mais um caso.
O meu cunhado respondeu à carta dizendo que já havia comprado a fazenda e esperava por mim.
Não fomos por causa das lagrimas de minha mãe.
Gastei o dinheiro em doenças.
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A minha namorada, desta vez, foi quem faz contato virtual com o Lolou.
– Pelo último texto que lemos, o Kai e eu, tomamos conhecimento que o senhor, não se formou médico. Gostaria de ter mais informações sobre sua vida, além do que já está escrito nas notas dos textos.
– Antes de qualquer coisa, Cinthya, me chame de Lolou, esse negócio de “senhor” me faz sentir muito velho. Sim, eu sei que tenho 83 anos, mas quando me olho ao espelho, quando penso, sinto, vivo, eu me acredito muito novo ainda.
Quanto a falar de mim, não vejo porque devo. Não tenho nada interessante para contar. Prefiro que me façam perguntas eu vejo se respondo ou não.
– Entendo Lolou. Farei perguntas quando for o momento para eu lhe conhecer melhor. Mas deixa-me dizer o que mais me chamou a atenção neste último texto do seu pai.
– O que foi?
– Ele parece que está o tempo todo querendo se libertar da mãe, parece que asfixia ele, cria uma dependência dele que ele não deseja.
– Na Itália é assim mesmo. Quando morre o “capo” da família, o filho primogênito ocupa o lugar. Mas meu tio Henrique, o Fausto estavam morando longe, na Capital e cabia então ao meu tio Hermínio esse papel, mas ele não assumia, pois a mãe dele, minha avó paterna, tinha personalidade mais forte que ele. Ainda por cima meu pai sempre foi protegido por ela por sentir que o Uth apresentava problemas depois da Revolução de 1932, tipo uma “neurose de guerra”.
– Entendi. Mesmo com essa neurose ele tenta sobreviver por qualidades próprias, ou fazendo negócios ou procurando empregos.
– Negócios que não dão certo. Não sei se por incapacidade dele ou por falta de conhecimento. Parece que ele sempre culpa alguém pelas vicissitudes que se apresentam.
– Vicissitudes? Que palavra é essa? Acho que nunca escutei ou li essa palavra.
– Pelo que vai se sucedendo… Enfim, me pai luta o tempo todo. Foi diferente comigo. Sempre fracassei em tudo que fiz. Tinha o maior prazer em começar, mas depois de um tempo já estava querendo largar tudo e começar outra coisa.
– Por que isso? Como vocês dizem aqui no Brasil: era um fogo de palha?
– Agora sou eu que não entendo o que é isso de “fogo de palha”. O que eu sei de mim, contado por médicos, psicólogos é que sou ansioso. Quero sempre ter segurança em tudo que vou falar e fazer.
Imagino muito tudo, tentando achar onde posso falhar e como deverei fazer. E o que acontece é que acabo fazendo de qualquer modo as coisas, sem pensar, falo sem pensar e sai tudo errado. Mas chega de falar de mim. Preciso sair agora. Até mais.
– Até mais.
Eu acompanho esse diálogo e dou uma gargalhada.
– Cinthya eu avisei que ele não é fácil. Tenha certeza que o Lolou realizou coisas espantosas.
– Vou estudar para a prova. E é bom você também. A prova amanhã não vai ser fácil.
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Após a prova que não foi fácil, mas que fui muito bem, continuo lendo o texto do Uth.
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(Vigésimo terceiro texto do Uth Ricchetti)
Tirei em São Paulo pedras dos rins por meio de sonda. O médico Dr. Almeida Prado.
O meu cunhado ficou rico com a tal fazenda. O sogro dele morreu e deixou uma bela herança.
Eu aqui estou, não rico, mas feliz com a Lucila, com cinco filhos, dezessete netos e três bisnetos .
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Interrompo a leitura do texto do Uth Ricchetti para aproveitar que o Lolou entra no Facebook para perguntar se ele se lembra dessas casas todas que morou em São Manuel. Ele me diz que tem vagas lembranças. Ele se recorda de uma casa alugada que o seu pai subalugou:
– Nós sempre fomos muito pobres e na época meu pai, para ter um pouco de dinheiro para a família comer, subalugou nossa casa. Era um salão pequeno que uma religião qualquer realizava suas sessões. Cada vez que isso acontecia nós ficávamos horrorizados porque os crentes lamentavam seus pecados aos brados, chorando, gemendo, se arrastando pelo chão, batendo os punhos e os pés enquanto o líder bradava o perdão para algum deus específico. Tivemos que abandonar essa casa alugada.
A que lembra mais é a que ficava na frente de uma praça enorme tendo o Santuário ao centro.
– Essa praça na verdade era um local sem trato e no qual nós, meninos, transformávamos em nosso campinho de futebol. Outra casa que me lembro bem foi uma com uma carroça de padeiro no quintal, lá deixada por alguma pessoa. Sem os animais, é claro. Sempre que nós voltávamos do Cine Paratodos, depois de assistir filmes de ação, de cowboy, vestíamos a caráter como os mocinhos e bandidos e transformávamos a carroça em nossa diligência.
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Sei que preciso sair do computador senão não estudo para a prova de amanhã. Mas resolvo ler um pouco mais do texto do Uth. Depois eu estudo. Quero ver o que vai acontecer.
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(Vigésimo quarto texto do Uth Ricchetti)
Continuei em São Manoel e mudamos de casa.
O encanamento era velho e vivia estourando. O dono não arrumava porque queria vender a casa. Se não tivesse gasto o dinheiro em doenças eu poderia ter comprado casa.
Mudamos para uma casa da Rua Gomes de Faria.
O Angelo e o José Eduardo chamavam essa casa de ferro velho.
No barracão da casa eles brincavam o dia todo. O Angelo num velocípede rangedor.
A nossa vizinha, professora Maria José de Carvalho Coimbra, estranhou aquele barulho (do velocípede) e perguntou se nós torrávamos café em casa todos os dias.
Essa professora e os filhos dela (Lizete, Maria Emilia e o menino João Candido) ficaram muito amigos da gente. O João hoje é padre e as meninas são casadas e professoras.
Nessa ocasião deixei a Casa Ricchetti e fui trabalhar na Prefeitura de São Manuel.
O prefeito nessa época era o Dr. Wagner do Amaral. O contador, Oscar Correia, lançador Álvaro Santarém, o compadre Teófilo Lupercio (o Tufi) era caixa, o Argemirio Portes secretário, o Tarcis de Camargo, cobrador de águas e esgoto e o compadre Noé Pereira. O porteiro Euclides Baroni. Encarregado de águas e esgotos, José Fulgeri e o seu irmão. Fiscais de rua, José Mendes e o Juvenal Floriano de Toledo. Oficial de gabinete, Nhonhô Unzer.
Em 1944 nascia a nossa filha Vera Maria.
Com sete meses, quase a perdemos com gasenterite ou desidratação.
Estávamos morando na Rua Duque de Caxias em frente ao Santuário de Santa Terezinha.
O médico achou que a vida de nossa filha continuou por um milagre devida a fé de minha esposa.
Minha mãe e minha irmã Linda colocaram a menina já com a cor de cera e sem respirar na mesa preparada para nosso anjinho.
A Lucila Tirou a menina dali e falou:
– Ela não está morta!
Todos olharam com pena para a Lucila.
No amanhecer a Vera Maria deu um grito dolorido e voltou à vida.
Era um milagre!
Fui falar com o Dr. Gentil do ocorrido. Ele procurou me consolar dizendo para eu ficar forte, pois a vida era assim mesmo.
– Vou passar o atestado de óbito.
– A menina está viva, Doutor!
E ele, não acreditando, foi até em casa.
– Sim está viva! Mas não foi o médico que a curou. Deus atendeu à mãe.
Nesse tempo comprei um cavalo e deixava o animal no pasto do Chapino.
Os meus sobrinhos Ulisses e Odair quiseram montar e o animal ficou com as patas erguidas e derrubou os dois. Não aconteceu nada aos meninos. Foi só um susto.
Criava pombas no meu pombal e as danados mudaram todas para torre do Santuário de Santa Terezinha.
Comecei a criar galinhas que não iam embora. Quando a soltava para comerem gramas sempre faltava uma ou outra.
A vizinha as matava.
Como a Vera Maria estava viva e precisava de leite materno procuramos uma das vizinhas e ela negou o leite com medo da doença da menina.
Chamava-se Julia e veio a falecer de câncer.
Outra vizinha amamentou nossa filha e ela ficou forte outra vez.
O nome dela era Nena Paraíso casada com o Sr. Mario Paraíso.
Nesse tempo a Lucila esperava o quarto filho, o Antônio Geraldo.
Comprei uma cabra holandesa que dava quatro litros de leites por dia. Custou naquele tempo um conto de reis. Todos tomavam o leite e iam ficando fortes e peraltas.
Essa cabra foi morta a pauladas pela turma dos homens a mando de um político. Eu era contra o governo. Uma sujeira a mais da politicagem.
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(CONTINUA)