Cabeça de alho
Ivete Rosa de Souza: Crônica ‘Cabeça de alho’


às 12:38 PM
Quando meus sobrinhos eram bem pequenos, três no total entre seis e dois anos, gostava de contar a eles histórias inventadas. E muitas vezes me pediam pra repetir tal história; aí o bicho pegava, eu inventava e tirava ou acrescentava outro detalhe, e logo era aquela falação: “Não tia, o cabeça de alho, aonde ele foi, ele não vai mais voltar, ele não tem mais aquele carrinho de repolho?” De onde veio isso eu não sei, nunca, nunquinha mesmo eu contei alguma história do cabeça de alho, nem sei de onde eles tiraram isso.
Minha irmã ria de dar gosto, e não me explicava qual era o motivo da gargalhada. Depois de anos me confidenciou:
— Olha, lembra quando você me ajudava na cozinha, o Júnior, que na época tinha uns seis anos, ficava sentado no cadeirão, você ia cortando cebola, alho, frango etc., e cada vez que pegava algo, virava pro Júnior e falava:
—Vamos cortar a moela do frango, limpar o cabeça de alho.
Cada coisa tinha um nome engraçado, um jeito de mostrar sabor em comidas não tão apetitosas, mas necessárias.
Certa vez o Júnior perguntou o que era moela, você respondeu que era o estômago do frango, e por muito tempo ele dizia:
—Mãe, minha moela tá doendo.
Você nunca se deu conta que eu usava suas ideias para fazê-los comer: o cabeça de alho, no carrinho do repolho; a moela encantada, no laguinho de arroz; o carinha de melão; o bolinha de tomate, e por aí vai.
Foi assim que descobri que minhas histórias ganhavam outros personagens, ao gosto de minha irmã, sabiamente usando para alimentar a moela e a imaginação aguçada dos pequenos.
O tempo passou pra nós duas. Meus sobrinhos ainda brincam com seus filhos de cabeça de alho e outros legumes não tão saborosos, mas cheios de histórias para contar. No final eu inventava, e a mãe mais esperta deste mundo acrescentava.
Ivete Rosa de Souza