Celio Pezza: crônica 'Natal'

Colunista do ROL

Célio Pezza – Crônica # 340 – Natal

O espírito natalino seria muito bom se durasse depois do Natal.

O problema é que o Natal é só um dia.

Nesse dia, durante uma guerra, é comum acontecer uma trégua de Natal, para recomeçar a matança no dia seguinte.

É uma data em que a solidariedade e a fraternidade se transformam em uma obrigação, para depois voltar ao mundo real.

Não gosto do Natal por ser uma festa de escandaloso apelo de consumo, onde o mais importante é trocar presentes e promover belos jantares, quando a grande maioria não tem o que comer. É uma época de falsas gentilezas.

O Natal é uma festa de aniversário estranha, na qual, quase nunca, o aniversariante participa e às vezes, nem é lembrado.

Existe um conto no livro Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, que fala sobe a aparição de Cristo entre os habitantes de Sevilha, na Espanha, em pleno século XVI, durante o período da Inquisição. Ele apareceu sem alarde e muitos o reconheceram de imediato. Uma força curativa emanava de seu contato e os milagres aconteciam à sua volta.

De repente, surge um guarda e arrasta Cristo para a prisão por perturbar a ordem. Lá dentro, um inquisidor encara o prisioneiro e pergunta:

– És tu? Por que vieste nos atrapalhar? Não digas nada! Cala-te! Não tens o direito de acrescentar uma palavra além do que disseste outrora. Amanhã eu te condenarei por heresia e serás queimado.

O chefe da inquisição continuou falando e Cristo apenas ouvia.

De repente, ele fitou seu inquisidor nos olhos e o abraçou. O inquisidor ficou surpreso e assustado. A força da santidade pareceu vencê-lo por um momento. Ele abriu a pesada porta, e apontou a saída para o prisioneiro:

– Vai embora! Some de nossa vida! Vai e não volta nunca mais para nos perturbar.

O prisioneiro não respondeu. Ele saiu da cela e desapareceu na noite escura.

Se esse visitante aparecesse em uma noite de Natal em nossa época, talvez a história tivesse o mesmo final, mas um dia qualquer, poderá ser diferente.

Nesse dia, teremos um verdadeiro Natal.

 

Célio Pezza

Dezembro, 2016