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O Golpe que Destituiu a Monarquia no Brasil

Alexandre Rurikovich Carvalho

‘O Golpe que Destituiu a Monarquia no Brasil: Contexto, Dinâmicas e Consequências’

Dom Alexandre Rurikovich Carvalho
Dom Alexandre Rurikovich Carvalho

 Arte em estilo vintage criada por IA do ChatGPT, apresentando curiosidades sobre Dom Pedro II, com fundo em tom sépia, tipografia clássica e um retrato central do imperador. Ao redor da imagem, dez curiosidades destacam seu conhecimento, paixão pela ciência, tecnologia, educação, artes e simplicidade pessoal. apresenta uma pintura histórica em estilo acadêmico, com forte inspiração nos grandes quadros cívicos do século XIX, retratando o momento da Proclamação da República no Brasil, em 15 de novembro de 1889.
Arte em estilo vintage criada por IA do ChatGPT, apresentando curiosidades sobre Dom Pedro II, com fundo em tom sépia, tipografia clássica e um retrato central do imperador. Ao redor da imagem, dez curiosidades destacam seu conhecimento, paixão pela ciência, tecnologia, educação, artes e simplicidade pessoal. apresenta uma pintura histórica em estilo acadêmico, com forte inspiração nos grandes quadros cívicos do século XIX, retratando o momento da Proclamação da República no Brasil, em 15 de novembro de 1889.

Introdução

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, é frequentemente descrita como um marco fundacional do Brasil republicano. No entanto, por trás do discurso oficial de “transformação pacífica”, há um processo político marcado por tensões, articulações militares e ações planejadas que configuram um golpe de Estado contra a monarquia constitucional do Imperador Dom Pedro II. Este artigo examina os fatores que conduziram à queda do regime imperial, os agentes envolvidos no movimento e os impactos imediatos e duradouros da abrupta mudança de ordem política.

1. A Crise do Segundo Reinado

O final do Segundo Reinado foi marcado pela convergência de tensões políticas, econômicas, sociais e ideológicas que corroeram as bases do regime. Embora a monarquia tivesse oferecido ao Brasil um raro período de continuidade institucional – sobretudo quando comparado aos demais países latino-americanos -, a década de 1880 apresentou sinais de desgaste que, somados, criaram o cenário favorável ao movimento golpista de 1889.

Os fatores dessa crise não se limitaram às chamadas “três questões” clássicas (Religiosa, Militar e Abolicionista). Eles incluíam mudanças culturais, pressões internacionais, novas correntes de pensamento político, ascensão de classes urbanas emergentes e profundas disputas pelo controle do Estado moderno. A seguir, cada uma dessas dimensões é analisada em profundidade.

1.1. A Questão Militar: De Força Secundária a Protagonista Político

Durante grande parte do Império, o Exército desempenhou papel secundário na estrutura do poder. A Guarda Nacional – composta por elites locais – era responsável pela segurança interna, enquanto o Exército era visto como força técnica e pouco prestigiada.

Todavia, após a Guerra do Paraguai (1864–1870), os militares retornaram fortalecidos e conscientes de seu peso político. A campanha havia consolidado uma cultura corporativa e um sentimento de missão histórica.

Alguns fatores contribuíram para o crescente conflito entre o Exército e o governo imperial:

Assim, ao final dos anos 1880, o Exército não era apenas uma corporação desconfortável; era um ator político articulado, com ideologia própria e liderado por oficiais que acreditavam que a república era o caminho natural da modernização.

1.2. A Questão Religiosa: Conflito entre Ultramontanismo e Regalismo

A disputa entre a Igreja Católica e o governo imperial, ocorrida principalmente entre 1872 e 1875, teve raízes profundas. A atuação das irmandades maçônicas, a tentativa da Santa Sé de reforçar seu controle sobre o clero (ultramontanismo) e o regalismo herdado do período colonial criaram um choque de legitimidades.

O Império se via como responsável pela administração das questões religiosas, enquanto a Igreja buscava autonomia espiritual e política. A prisão dos bispos de Olinda e Belém, por desobedecerem a ordens imperiais, radicalizou o conflito.

As consequências foram profundas:

Embora Dom Pedro II tenha resolvido a crise por meio de anistia, o desgaste institucional permaneceu. A Igreja, importante base moral da sociedade, deixou de ser um pilar incondicional do regime.

1.3. A Questão Abolicionista: Ruptura com a Velha Elite Agrária

A partir da década de 1870, o movimento abolicionista ganhou força com o apoio de intelectuais, jornalistas, artistas, advogados e grupos urbanos. A escravidão, além de moralmente insustentável, tornara-se economicamente atrasada para o País que buscava integrar-se ao capitalismo mundial.

O governo imperial, embora progressista, adotou uma postura gradualista:

A abolição foi um triunfo moral, mas produziu uma ruptura política decisiva:

Esse desalinhamento foi mortal para um regime que se sustentava sobre alianças oligárquicas e instituições moderadoras.

1.4. Transformações Socioeconômicas e Urbanização

A dissolução da monarquia não pode ser entendida apenas por seus conflitos internos. O Brasil dos anos 1880 vivia transformações profundas:

Essas mudanças criaram uma nova elite urbana, mais dinâmica, mais conectada ao mundo e menos identificada com o sistema monárquico.

A monarquia, com sua estrutura tradicional, foi percebida por alguns como símbolo de atraso administrativo e lentidão modernizadora, embora historiadores contemporâneos ressaltem que Dom Pedro II promovia reformas constantes — apenas de forma gradual e cautelosa.

1.5. O Cansaço Político e Pessoal do Imperador

A figura de Dom Pedro II é elemento central da crise. Nos últimos anos de vida pública, o Imperador demonstrava sinais de exaustão:

Dom Pedro II jamais cultivou o personalismo. Sua visão de poder era quase burocrática e altamente filosófica. Entretanto, sua postura austera e avessa ao protagonismo político foi interpretada por alguns como desinteresse.

Essa percepção enfraqueceu a imagem da monarquia diante de setores que aguardavam um líder energicamente envolvido na política diária.

1.6. A Ruptura Política Entre Liberais e Conservadores

A alternância de poder entre Liberais e Conservadores – alicerce da estabilidade imperial – entrou em crise no final do século XIX. Os partidos se tornaram:

O sistema bipartidário, sustentado pelo Moderador, já não conseguia canalizar tensões.

O Império, cuja robustez fora construída sobre equilíbrio político, perdeu a capacidade de acomodar conflitos emergentes.

1.7. Pressões Internacionais e o Avanço das Ideias Republicanas

O contexto geopolítico internacional também influenciava o ambiente interno. Em toda a América do Sul, a monarquia brasileira destacava-se como exceção. Nos círculos diplomáticos e intelectuais, a república era vista como símbolo de modernidade política.

As relações com os Estados Unidos – já república consolidada – tornaram-se mais intensas, assim como a influência cultural francesa, onde o positivismo e o anticlericalismo ganhavam força.

O Brasil inseria-se em um fluxo ideológico global que valorizava:

Embora não determinantes por si só, esses elementos ajudaram a legitimar a ideia de que a monarquia era um regime ultrapassado.

2. A Construção do Movimento Golpista

A derrubada da monarquia brasileira não foi um acontecimento repentino, nem fruto de uma revolta popular. A Proclamação da República foi o desfecho de um processo articulado por grupos militares, civis e econômicos que atuaram de forma coordenada – ainda que nem sempre consciente – para desestabilizar o Império e preparar as condições políticas, ideológicas e psicológicas que permitiram o golpe de 15 de novembro de 1889.

O movimento republicano no Brasil, diferentemente do que ocorreu em países como Estados Unidos, França ou Chile, não emergiu de mobilização de massas, mas sim de elites urbanas, círculos militares e setores agremiados contra o governo imperial. Este capítulo examina as forças que construíram o movimento golpista, suas disputas internas, suas alianças táticas e a formação da mentalidade que tornou possível a queda do regime.

2.1. A Identidade Política do Exército e a Doutrinação Positivista

O Exército foi o principal vetor da mudança institucional, mas o caminho até seu protagonismo político foi gradual. Após a Guerra do Paraguai, cresceu uma cultura militar baseada em mérito, disciplina e nacionalismo, que contrastava com a política imperial, vista como conciliadora e excessivamente moderadora.

2.1.1. O Positivismo como Ideologia de Poder

A doutrina positivista de Auguste Comte, difundida nas escolas militares por Benjamin Constant e seus seguidores, exerceu papel decisivo. O positivismo pregava:

Essas ideias penetraram profundamente entre jovens oficiais, que passaram a se ver como vanguarda moral da nação, responsáveis por conduzir o país a um novo estágio de progresso.

2.1.2. A Radicalização da Questão Militar

Os choques com o governo imperial – punições disciplinares, desprestígio institucional, interferências civis – alimentaram ressentimentos corporativos. Nas casernas, formou-se uma cultura de oposição ao gabinete monárquico.

A soma de ideologia (positivismo) e ressentimento (Questão Militar) criou um Exército politizado e inclinado a intervir.

2.2. O Movimento Republicano Civil e o Papel das Elites Urbanas

Embora a queda da monarquia tenha sido executada pelo Exército, o movimento republicano civil teve papel crucial na preparação do terreno.

2.2.1. Os Clubes Republicanos

Desde 1870, multiplicavam-se clubes republicanos em centros urbanos como:

Eles funcionavam como espaços de doutrinação política e propaganda ideológica. Muitos eram formados por jovens advogados, jornalistas, professores e comerciantes, que viam a república como símbolo de modernização política.

2.2.2. A Imprensa Republicana

Jornais como A República, Gazeta da Tarde e O Radical foram fundamentais para criar uma narrativa de desgaste da monarquia:

Essa pressão cultural produziu mudanças de opinião entre setores influentes da sociedade.

2.2.3. As Elites Agrárias Paulistas

A elite cafeeira paulista, ressentida com a Abolição, viu na república uma oportunidade de recuperar influência política, ampliar autonomia estadual e romper com o centralismo imperial.

Embora inicialmente não liderassem o movimento, tornaram-se importantes financiadores e apoiadores ideológicos.

2.3. Intelectuais, Maçons e Modernizadores: A Cultura Política da Mudança

Uma rede de intelectuais, maçons e reformadores sociais também se articulou em torno do ideal republicano.

A república emergiu como símbolo de racionalidade, ciência e progresso — conceitos cada vez mais valorizados nas cidades em transformação.

2.4. A Rivalidade Pessoal e Política entre Deodoro e Ouro Preto

Um dos elementos mais conhecidos, porém, frequentemente subestimados, é o papel das rivalidades pessoais.

2.4.1. Deodoro: Monarquista por convicção, golpista por circunstância

O marechal Deodoro da Fonseca era amigo pessoal de Dom Pedro II e, até poucos meses antes do golpe, um monarquista convicto. Entretanto:

Republicanos civis e oficiais encantados pelo positivismo aproveitaram o antagonismo pessoal para persuadi-lo de que derrubar Ouro Preto era ato de salvação nacional.

2.4.2. A Falsa Acusação de Prisão

Agentes republicanos difundiram a informação falsa de que Ouro Preto havia expedido ordem de prisão contra Deodoro. Isso foi decisivo. O marechal, orgulhoso e sensível à honra militar, deixou-se levar ao movimento.

Dessa forma, a queda da monarquia dependeu não apenas de macroprocessos políticos, mas também de intrigas pessoais que catalisaram ações militares decisivas.

2.5. A Desarticulação da Monarquia: O Golpe como Oportunidade

A monarquia, apesar de suas forças estruturais, encontrava-se fragilizada politicamente:

Quando as tropas tomaram as ruas, o governo não reagiu — não por fraqueza militar, mas por ausência de vontade política de enfrentar concidadãos em combate.

Essa passividade foi interpretada pelos conspiradores como sinal de inevitabilidade histórica, abrindo espaço para transformarem a deposição do gabinete em deposição da monarquia.

2.6. A Aliança Tática entre Militares e Republicanos Civis

O golpe de 1889 foi resultado de uma aliança tática entre grupos distintos, que tinham interesses diferentes:

Embora unidos contra o Império, esses grupos divergiam profundamente sobre o tipo de república a ser construída — tensões que emergiriam logo após o golpe.

3. O Golpe de 15 de Novembro

Na manhã de 15 de novembro de 1889, tropas marcharam em direção ao Ministério da Guerra, pressionando o gabinete e forçando a renúncia de Ouro Preto. O objetivo inicial não era a derrubada da monarquia, mas sim a troca ministerial. No entanto, nas horas seguintes, republicanos civis e militares manipularam a situação para transformar o ato em ruptura total. Sem resistência armada e sem mobilização popular significativa, o Império foi deposto. Dom Pedro II recebeu comunicação oficial durante a tarde e, com serenidade exemplar, decidiu evitar qualquer derramamento de sangue.

No dia 16, a família imperial foi intimada a deixar o país em 24 horas. No dia 17, embarcou para o exílio na Europa.

4. A Legitimidade Questionada

A Proclamação da República não passou por referendo, plebiscito ou consulta pública. Foi um movimento preparado por minorias e realizado por ação militar direta – características típicas de um golpe de Estado.

Documentos e testemunhos da época revelam:

Dessa forma, o novo regime nasceu sem base social sólida, sustentando-se principalmente na autoridade do Exército.

5. Consequências Imediatas e de Longo Prazo

5.1. Exílio da Família Imperial

A expulsão sumária dos Bragança representou uma ruptura dolorosa na história nacional. Dom Pedro II faleceu em 1891, em Paris, ainda amado por muitos brasileiros.

5.2. Militarização da Política

A República Velha foi marcada pela tutela militar. Os presidentes marechais (Deodoro e Floriano) ilustram a influência direta do Exército nos rumos da jovem república.

5.3. Centralização e Controle

O novo regime buscou consolidar-se controlando a imprensa, reprimindo revoltas (Canudos, Contestado, Revolta da Armada) e limitando a participação popular.

5.4. A Persistência do Debate Monarquia x República

Com o passar das décadas, cresceu o reconhecimento de que o Império oferecia estabilidade institucional rara na América Latina. Historiadores contemporâneos debatem as consequências do golpe e questionam se a transição poderia ter sido gradual e democrática.

Conclusão

O golpe que destituiu a monarquia em 1889 foi resultado da convergência de insatisfações políticas, interesses corporativos e articulações militares que encontraram um Império fragilizado por crises sucessivas. Apesar de sua narrativa oficial, a Proclamação da República não representou um clamor popular, mas sim uma manobra conduzida por minorias organizadas.

Ainda hoje, o episódio provoca reflexões sobre a legitimidade do poder, o papel das Forças Armadas na vida política e o processo de construção institucional no Brasil. Revisitar esses acontecimentos é essencial para compreender a natureza do Estado brasileiro e os desafios que historicamente marcam sua trajetória política.

Referências

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