EMÍLIA E PAULINA – O ENCONTRO
Duas senhoras que nunca se viram, ou melhor, nunca conversaram, viram-se motivadas a uma curta e calorosa conversa na manhã de quinta-feira, 02 de fevereiro. Encontraram-se no coletivo Expresso que liga os dois grandes terminais intermodais de Sorocaba. Emília, morena, sexagenária, expressiva, e Paulina, branca, septuagenária, cabelos brancos e sorriso estampado no rosto. Motivo da conversa: uso de vestidos iguais, a mesma estampa.Tecido preto de bolinhas brancas na parte superior e motivos floridos na parte inferior. Poderia ser algo banal, resultado de uma simples compra na mesma loja em um tempo qualquer, … mas, Emília disse que comprou a fazenda há dez anos em São Paulo e que uma sobrinha fez o vestido como presente. Paulina comprou em Sorocaba e fazia tempo não o usava, resolveu vesti-lo justamente naquele dia…
Idênticos. Brincaram que iriam se apresentar como dupla de cantoras em algum lugar…risos e risos. Conversa animada que envolveu e revolveu detalhes pessoais: o trabalho de Emília numa estamparia nos anos 70; as idades de ambas; o batismo na igreja,os netos, os locais de moradia, as dores, tratamentos médicos, a força da coincidência…etc, etc…
Outra senhora, sentada ao lado de Emília e atenta à conversa, sorria de contente pela história em curso e falava sozinha sem participar efetivamente da conversa.
Eu, em pé, ao lado, também brinquei e ri, observando a cena em seus detalhes.
O Expresso venceu o trajeto esperado e as falas deram-se por terminadas com votos de bênçãos divinas de uma para outra e, como se não bastasse, sobraram críticas ao ex-prefeito pelo rompimento de uma adutora que deixou a cidade na secura. Desprezou-se a força das chuvas torrenciais do período, causadora do evento e lascou-se a culpa nas costas do ex-alcaide.
Resumindo tudo, é o poder da imagem e do simbolismo.
Não houvessem as tais roupas iguais e não existiriam a conversa, bençãos, o riso, a culpa ao ex-mandatário, etc, etc…
Os vestidos promoveram o encontro além do simples ladeamento físico por força de deslocamento veicular.
De fato, se bem pensarmos, poderia não haver encontro nenhum, bastando que tomassem ônibus diferentes, ou com diferença de poucos minutos entre um veículo expresso e outro…
A coincidência encheu o momento de vida e talvez possa ter continuado através de comentários posteriores em casa, com familiares…é algo elástico, portanto.
Depois de um bom tempo sem usar o transporte coletivo por comodismo do auto particular, confirmei o que os escritores sempre dizem: ônibus são berçários de crônicas em movimento. É o instante dinâmico que passa e se vai, menos para quem capta as cenas do teatro da vida e faz disso, por gosto, uma retenção na memória.
Paulina seguiu seu destino, Emília, o seu e, eu, o meu…
E a crônica nasceu…
Jorge Facury