Élcio Mário Pinto: 'Inté, nhô Bosco! A surpresa e as esquinas'
Élcio Mário Pinto
‘Inté, nhô Bosco! A surpresa e as esquinas’
Dias atrás, eu andava por aí, meio sem rumo, como se diz na minha terra. Uma tristeza vinda de não sei onde, parecia que me engolia em cada canto de esquina que eu “quebrava”. Quebrar esquina, para quem não sabe, é virar. Basta seguir na direção da guia e da sarjeta e ir em frente. Mas, não se preocupe, quebra-se uma esquina mesmo que ela não tenha nem asfalto. Como disse, é só virar.
Foi numa dessas viradas que acabei me trombando com o admirável nhô Bosco.
– Mas, não é que me encontro com vosmecê numa esquina da vida!
Nhô Bosco, com aquele sorriso aberto, largo e claro, nem me respondeu. Foi logo na minha direção e só então, depois do abraço, me falou:
– Esquina é o melhor lugar para um bom encontro.
– E, por que o senhor diz tal coisa?
– Porque é na surpresa que as boas coisas da vida acontecem. Não há criatura que não se lembre de uma boa surpresa. É bem verdade, digo e repito, que surpresa só é boa se for boa, se não for, não presta.
Quando escutei aquilo comecei a rir pensando que lá, na universidade, onde passo boa parte do dia, os sábios diriam que tal coisa não passa de uma redundância estúpida e que não merece nenhum crédito. Até posso ouvir a fala de um deles: “não há novidade alguma nesta frase que só apresenta o óbvio”.
E aí, com a cabeça na universidade e com o abraço do amigo querido, fiquei procurando, em minha mente e na minha vida, como explicar aquilo que era tão significativo para nhô Bosco.
Enquanto procurava, uma “luz” interestelar me acendeu e, como se fosse um beliscão que não dói, me empurrou para a fala:
– Diga-me, uma coisa, nhô Bosco. Se a surpresa só é boa se for boa e se não for, não presta, não seria uma coisa já entendida por qualquer pessoa?
– O amigo tem toda razão. Qualquer um pode entender.
– Mas, então, cadê a novidade?
– E precisa?
– Lá na universidade dizem que sim.
– Mas, aqui, é a vida e ela, por si, é uma enorme novidade pouco compreendida.
– Eu entendo, mas a frase continua.
– E o entendimento sobre ela também.
– E daí?
– Daí que se as pessoas entendem, então, a mensagem foi passada, a comunicação aconteceu e o conhecimento se fez.
– … se eu disser que é lógico…
– Eu digo que faz sentido e o sentido é o que dá razão de ser para o que se fala: é a vida que se tem.
– Se vosmecê não se aborrecer, fale um pouco mais.
– Pois então, escute: tem gente que gosta de fazer surpresa e pensa que por ser assim, já está de bom tamanho e é coisa boa. Mas, escute, meu amigo, uma surpresa que não é boa para o surpreendido, penso comigo, é melhor não existir. Pode estar fora do horário, do lugar, com pessoas erradas, motivo estranho, presente desconhecido, enfim, uma infinidade de coisas que estragarão tudo o que existe e que mais se preza. Não basta ser surpresa para ser boa, ainda que os preparativos sejam feitos com todo carinho, toda atenção e todo amor. Surpresa boa não constrange, não envergonha, não humilha e nem desencabeça.
– Como assim?
– Assim, o quê?
– Isso de desencabeçar, o que significa?
– Quer dizer: tirar a cabeça.
– Mas, na sua fala, o que significa?
– Vosmecê desconhece a palavra?
– Não, nhô Bosco, eu a conheço, mas nesse contexto, não sei como aplicá-la, isto é, como entendê-la.
– Então, depende do contexto?
– Sem dúvida.
– Será que a falta dessa dúvida também pode ser aplicada ao óbvio?
– Eu acho que…
Só sei que o amigo nhô Bosco, homem de vida e experiência largas, pelos anos e pela convivência em muitos lugares, de coração aberto, sinceridade e confiança, me colocou numa situação que o raciocínio pediu socorro.
– Afinal, meu bom amigo, o que tudo isso significa?
Assim que perguntei, nhô Bosco, com o sorriso sempre largo e aberto, deu-me novo abraço e disse:
– Ainda que seja óbvio, se há contexto, o entendimento se fortalece.
– Então, é preciso explicar o que se entende, mesmo que já seja entendido?
– É importante destacar o entendido por uma explicação, ainda que ela seja óbvia, como na surpresa. E mais…
– Pode dizer, meu amigo!
– Quando se explica e se entende, quando se convence e confia, o óbvio torna-se até, um momento de descontração e alegria. Tal coisa prova que todo o nosso entendimento também se baseia no que já sabemos. Só precisamos arrancá-lo de algum lugar para que o entendimento fique cristalino.
– Cristalino é vosso abraço, nhô Bosco.
Era a minha vez de agradecer ao amigo.
– E para que bandas está se atirando no momento?
A desafiadora e diferente linguagem de nhô Bosco me fazia rir e toda vez eu pensava nas suas palavras: “rir é partilhar da vida na eternidade!”
– Estou a caminho da universidade.
– Então, faça-me este favor e leve um recado meu para os seus mestres.
– Pode falar. Faço questão de transmitir.
– Também o óbvio esconde novidades, assim como as esquinas.
Fiquei pensando naquilo e, enquanto minha mente remoía cada palavra, só consegui responder, meio no “automático”: INTÉ, NHÔ BOSCO!
ÉLCIO MÁRIO PINTO