Carlos Carvalho Cavalheiro: 'A luta pela jornada de oito horas e o primeiro de maio
“Não é recente a luta dos operários pela jornada de oito horas de trabalho diárias. Na América do Norte, o movimento operário pela redução da jornada de trabalho já registrava eventos desde o início do século XIX.”
Não é recente a luta dos operários pela jornada de oito horas de trabalho diárias. Na América do Norte, o movimento operário pela redução da jornada de trabalho já registrava eventos desde o início do século XIX (1). A tragédia de Chicago, que culminou na condenação à morte de um grupo de anarquistas, teve como ponto culminante a greve iniciada em 1º de maio de 1886 pela jornada de oito horas (2).
Por sinal, esse fato deu início à mobilização mundial pela redução da jornada de trabalho, transformando o Primeiro de Maio em data de combate e de reflexão. Desse modo essa data, o “1º de maio está intimamente ligado ao empenho para a redução do horário de trabalho” (3).
Contribuiu para isso as resoluções votadas no Congresso socialista de Paris de 1889 que “decidiu sobre a mobilização internacional do 1º de maio” (4).
No Brasil, a luta pela redução da jornada de trabalho caminha a passos lentos em fins do século XIX, tendo em vista as características do país que ainda guardava ranços da recém abolida instituição da escravidão e que apenas ensaiava uma incipiente industrialização. Por outro lado, em 15 de junho de 1890, realizou-se, em São Paulo, uma reunião para fundação de um partido operário que trazia em seu programa a fixação de oito horas de trabalho. Essa pode ser considerada “a primeira expressão do movimento dos trabalhadores pelas oito horas” (5).
Logo a seguir, um grupo de ativistas mobilizou-se para comemorar o dia 1º de Maio como o Dia do Trabalhador em São Paulo.
Em uma reunião de socialistas e anarquistas em abril de 1894, em São Paulo, a qual pomposamente denominam de Segunda Conferência dos Socialistas Brasileiros, decidem comemorar o 1º de maio. Infelizmente nada puderam fazer naquele ano, porque a polícia interrompe a reunião e os leva presos (6).
É provável que, em Santos, tenha se dado a primeira manifestação comemorativa ao 1º de Maio, por iniciativa do Centro Socialista fundado por Silvério Fontes e outros (7).
Em Sorocaba, o dia Primeiro de Maio já era comemorado desde o início do século XX, pelo menos. Antes, no dia 23 de abril de 1894, segundo o Relatório do chefe de Polícia, foram presos Alexandre Levy e Angelo Belcote, “que affixavam nas ruas e praças d’aquella cidade, boletins sediciosos e anarchicos que convidavam os operários d’aquella cidade a manifestações socialistas no dia 1º de Maio” (8). O historiador e memorialista Antonio Francisco Gaspar relembra uma comemoração do dia do trabalhador, em 1908, a que ele atribui como sendo a primeira realizada em Sorocaba pelos operários da Fábrica de Chapéus Souza Pereira (9). Após coleta de dinheiro entre os operários, realizou-se um piquenique na fazenda do Banco União, acompanhado de Banda Musical e tiros de fogos de artifício. De fato, não foi a primeira comemoração do 1º de Maio em Sorocaba. Em 1904, por exemplo, já se registrava a comemoração dessa data (10). O Círculo Socialista Enrico Ferri (11) de Sorocaba foi responsável pela organização do evento, que contou com a participação da banda musical da cidade de Sarapuí e, ainda, com a presença do orador socialista Sílvio Pampione, em conferência realizada no Salão do Club dos Atiradores (12).
O Primeiro Congresso Operário Brasileiro, realizado em 1906, definiu como bandeiras de lutas, entre outras, a luta pela jornada de oito horas, com ênfase na organização de celebrações e protestos no dia 1º de Maio (13).
Em várias localidades, iniciou-se a organização do operariado para que a data fosse celebrada em todas as localidades possíveis. A Federação Operária do Rio de Janeiro, por motivo de dissenções entre seus membros, ficou paralisada de fins de 1906 a março de 1907, o que prejudicou na organização das manifestações (14).
Por sua vez, as resoluções do Congresso Brasileiro estavam em consonância com a decisão tomada no Congresso Operário de Bourges, França, em 1904 que se referia a realizar um protesto mundial, no dia 1º de Maio, para obtenção da jornada de oito horas (15).
A redução da jornada de trabalho esteve presente na maioria dos movimentos grevistas de Sorocaba nas primeiras décadas do século XX. Vemos essa reivindicação na fundação do Sindicato de Resistência dos Tecelões de Sorocaba, em 1906 (16). Também é destaque nos primeiros números do jornal O Operário que publicava, com sobejo, artigos sobre o assunto. Já no segundo número desse periódico, em primeira página aparece o artigo intitulado As 8 horas em cujo trecho afirma:
Tão razoável é ella, que já em muitas partes do mundo tem sido acceita e convertida em bella e fecunda realidade, não obstante a inevitável opposição dos ignorantes e egoístas (17).
A jornada de oito horas foi a principal reivindicação das greves de 1911 (18); estava presente nas petições das greves de 1917; foi conquistada de forma precária em 1919; teve ameaça de revogação em 1920 e foi uma das principais bandeiras nas greves de 1927 e 1928.
A luta pela jornada de oito horas começou a ser resolvida em 1932, quando um decreto federal (19) obrigou a implantação da semana inglesa.
Semana ingleza na industria
A superintendência geral das fabricas locaes da Cia. Nacional de Estamparia também estabeleceu, a partir de hoje, o dia de 8 horas, na conformidade com o decreto do dictador Getulio Vargas. Também ahi, por esse motivo, o operariado não escondeu o seu justo contentamento pela conquista que nos colloca ao nível dos paizes que comprehenderam as razões das reivindicações do elemento productor (20).
Antes, em 06 de junho, a Fábrica Votorantim já havia posto em prática a jornada de oito horas para seus operários. Coincidentemente, nesse mesmo ano de 1932, foi um ano de agitações, com uma organização comemorativa ao 1º de Maio com “excepcional decorrência” (21), com greve dos sapateiros que lutavam pela melhoria do salário e contra a intenção de redução do mesmo pelos patrões (22)e, também, dos padeiros que buscavam obter que o serviço das padarias se desse apenas durante o dia. Foi, também, o ano da chamada Revolução Constitucionalista.
A sedimentação do direito à jornada de oito horas se deu em 1934, com a legislação getulista.
Notas:
(1) MELLA, Ricardo. Primeiro de Maio: Dia de luto e luta. Rio de Janeiro: Achiamé, 2005, p. 19.
(2) Idem, p. 27.
(3) DEL ROIO, José Luiz. A história de um dia – 1º de Maio. São Paulo: Ícone, 1998, p. 13.
(4) Idem, p. 45.
(5) Idem, p. 51.
(6) Idem.
(7) Idem, p. 52.
(8) “Relatório apresentado ao secretário dos negócios da Justiça de São Paulo pelo chefe de Polícia Theodoro Dias de Carvalho Júnior”, de 31 de janeiro de 1895, documento gentilmente enviado pelo pesquisador Pedro Cunha. AESP, nº E01630.
(9) Diário de Sorocaba, 1º maio 1982, p. 14.
(10) Cruzeiro do Sul, 04 maio 1904, p. 02.
(11) Enrico Ferri era dirigente do PS (Partido Socialista) italiano. Visitou o Brasil em 1908, Cf. PINHEIRO, Paulo Sérgio., HALL, Michael. A classe operária no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1979, pp. 142 – 143.
(12) Cruzeiro do Sul, 30 abr 1904, p. 02.
(13) FARINHA NETO, Oscar. Atuação libertária no Brasil. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007.
(14) PINHEIRO, Paulo Sérgio., HALL, Michael. A classe operária no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1979.
(15) O Operário, 1º maio 1910, p. 01. Ver também: DEL ROIO, Op. Cit., p. 58.
(16) DIAS, Op. Cit. p. 261.
(17) O Operário, 02 ago 1909, p. 01.
(18) BARREIRA, Luiz Carlos. Contribuições da história da escola pública sorocabana para a história da educação brasileira. In LOMBARDI, José Claudinei et al. A escola pública no Brasil: História e historiografia. Campinas: Autores Associados/Histedbr, 2005.
(19) Decreto 21364 de maio de 1932, que regulamentava as oito horas de trabalho industrial.
(20) Cruzeiro do Sul, 07 jun 1932, p. 01.
(21) Cruzeiro do Sul, 03 maio 1932, p. 01.
(22) Cruzeiro do Sul, 18 e 20 maio 1932, p. 04.
Carlos Carvalho Cavalheiro – carloscavalheiro@gmail.com