Alteridade estreia dia 16 de abril e faz seis apresentações on-line e gratuitas até dia 25 do mesmo mês
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Em Alteridade, a voz de uma mulher estuprada e sua trajetória de restabelecimento são o ponto de partida para a discussão sobre a ética que nos rege
Na peça, uma mulher é estuprada. Por quê? Quem ou o que permite que isso continue? Qual é o discurso que legitima que o estupro aconteça tanto e tão silenciosamente? A Cultura do Estupro é a lógica dominante, perpetuada por um imaginário e por ações das mais cotidianas. Quantas coisas uma mulher passa ao longo de um dia que são da mesma natureza do estupro, ainda que em menor grau?
Maria Giulia Pinheiro, sobre o texto Alteridade
Durante sete unidades dramáticas denominadas “círculos”, a personagem narra a violência a que foi submetida, a tentativa de se restabelecer, a notícia da gravidez, a opção do aborto, a culpa, a ilegalidade de escolher, a dissociação entre lei e corpo e o rompimento com a velha mitologia patriarcal.
A voz dessa mulher perpassa as diversas camadas da Sociedade do Estupro e vai, pelo arquétipo de Alteridade, encontrando aberturas para a reconstrução de si.
Ela (Elas, Nós?) tenta se restabelecer, encontrar um jeito de se sentir bem no mundo, um espaço seu. Ela vive a dor do trauma, colocando pra fora a violência que viveu, e nessa experiência, acaba rompendo com a velha lógica patriarcal na qual vivia. Um assunto essencial, em um país que tem 50 mil casos de estupro por ano.
Constituir-se como outro. Uma das definições possíveis de alteridade, existente no dicionário de filosofia de Abbagnano. O texto de Maria Giulia Pinheiro vem sob esse nome. A personagem é uma mulher sem nome, sem idade, sem classe social porque, no texto, não é isso que a define. O que a define é a violência, o estupro que ela sofreu, as consequências dessa violência em seu corpo e todos os pensamentos e sentimentos que da violência derivam. O encontro da personagem com uma sociedade que tem a cultura do estupro institucionalizada, e sua jornada em busca de se refazer na descoberta da alteridade. O refazer-se passa por perceber que eu e outro somos. Alteramos nossas trajetórias, somamos ou subtraímos forças, nossas e dos outros, que em algum momento se tornam nós. O texto traz vozes dessa mulher, ou de muitas mulheres, no caso desse projeto aparece na boca de duas mulheres, duas atrizes. A personagem está na emergência de refazer-se. Nesse momento artistas das artes cênicas estão na emergência de se refazer, de fazer, de continuar a existir numa situação onde encontrar o outro – esse encontro tão caro ao teatro – é um risco.
O texto de Maria Giulia é um fluxo de palavras. Nele, a personagem se entende ao jorrar essas palavras em um fluxo de consciência. Nesta pandemia, onde o encontro dos corpos foi impedido, nos vimos pura palavra que, pelas janelas dos computadores, celulares, tablets, zooms, whatsapps, skypes e tais, promoveram e promovem um simulacro necessário ao encontro que nos é, com toda a razão, negado.
Pelas palavras nos encontramos. Pelas palavras, a mulher, no texto, se encontra. Pelas palavras, aqui, artistas, texto, janelas, e público se encontrarão.
A equipe de criação
Nessa empreitada de navegar por caminhos tão conhecidos em um meio tão desconhecido, ter uma tripulação que trabalha junto há 20 anos é uma segurança na jornada.
Na trajetória conjunta, o trato com a palavra une a equipe criativa. O trio faz um teatro da palavra desde que se conheceu na origem da Cia Elevador de Teatro Panorâmico, da qual são co-fundadores. Também os une o conceito de Alteridade. Em 20 anos de trabalho, grande parte dele foi construído sobre o Campo de Visão, exercício e linguagem cênica desenvolvida por Marcelo Lazzaratto na Cia. Elevador de Teatro Panorâmico. O Campo de Visão estuda e se desenvolve, antes de tudo, na alteridade. No ser e criar a partir do outro.
“Alteridade é um mergulho pela vivência de uma mulher presa na lama violenta do machismo estrutural. Uma queda, um jorro, uma raiva, um choro, um desentender e um reentender, um levante. Uma jornada por dentro da mulher violada.” (Carolina Fabri)
“Essa peça é um jogo entre três mulheres e as palavras: Maria as escreveu, Carolina e Marina as dizem, as vivem, as contam; e um homem que as escuta.”
(Carolina Fabri)
“Fui tomada por esse texto logo nas primeiras linhas. Um soco no estômago, uma angústia, lágrimas, e ao mesmo tempo um encantamento estético pela forma precisa e poética em que ele se apresenta. Na hora liguei pra Marina: bora contar essa história?”
“Desde o primeiro momento que lemos o texto de Maria Giulia, sentimos que essa narrativa, uma mulher se narrando em fluxo de consciência, seria um bom ponto de partida para experimentar o teatro on-line .”
(Carolina Fabri)
Quando li Alteridade pela primeira vez pensei: essas palavras estão se movendo e nosso trabalho é entender a que velocidade cada uma delas se move. Algumas correm, outras caminham muito devagar, e quando você se dá conta, algumas estão paradas, olhando pra você. Algumas ficam paradas olhando pra você por vários dias. É um assombro.
(Marina Vieira)
Por que um homem na direção?
Porque acreditam intrinsicamente no processo de alteridade: dentro da ideia de soma de visões e percepções diferentes, Marina e Carolina colocaram na direção/encenação Gabriel Miziara como o duplo complementar, numa visão arquetípica de pulsões femininas e masculinas, também porque Miziara vem pesquisando esses conceitos em sua trajetória individual. Sem, de maneira nenhuma, atribuir a força masculina e a feminina aos gêneros ou sexos dos integrantes, trazem aqui um jogo com as posições, tendo as atrizes-idealizadoras como força central, geradoras dos estados, veículo da voz da autora e criadoras de imagens e atmosferas e o diretor-encenador no papel de animus, que organiza e estabelece as regras do jogo para que ele junto à pulsão, se estabeleça no exterior.
“Não há mim sem outro. Não há outro sem mim”. (trecho de Alteridade)
Breves palavras sobre a encenação
A opção da encenação é pela simplicidade. Entender onde a palavra pode ganhar mais força e expressão para além da que já está colocada nas imagens textuais. Uma mesa e duas cadeiras são o cenário onde as duas atrizes estão lado a lado, sempre olhando para frente, como se estivessem numa sala de depoimento de delegacia. Uma iluminação fria, todo o entorno escuro e duas mulheres cobertas de lama. Gotas de água pingam na cabeça delas, uma tortura silenciosa, assim como, a lembrança do estupro e seus desdobramentos que acompanhamos na narrativa.
“O texto de Maria Giulia Pinheiro, tem força em si, não vi a necessidade de uma encenação elaborada. O que nos interessa, é ouvir o texto passando pelas atrizes, ver os olhos das atrizes e a dor que esta mulher carrega.” (Gabriel Miziara)
“É um prazer imenso poder trabalhar novamente com Carol e Marina. São mais de 20 anos de parceria artística e somente esta trajetória é que permite que a simplicidade seja a chave da encenação. Conhecemos profundamente uns aos outros e a confiança existente permite o mergulho profundo na poesia dura e trágica de Maria Giulia Pinheiro.” (Gabriel Miziara)
“Este trabalho é feito com o apoio de um fundo emergencial para artistas. No meio de uma pandemia que, cada dia mais nos mostra que somente juntos podemos transformar algo, cuidar de algo, poder estar próximo de parceiras e parceiros, amigos e amigas tão caros para voltarmos a trabalhar nossa utopia através do teatro, foi um alento e uma alegria.” (Gabriel Miziara)
Por que a escolha desse texto?
Falar sobre a violência contra a mulher é algo urgente. A cada 8 minutos uma mulher é estuprada no Brasil.
O texto Alteridade, de Maria Giulia Pinheiro, é o relato de uma mulher que após sofrer um estupro, tenta entender e ressignificar a violência sofrida. A gravidez, o aborto, a culpa, a vergonha, o medo, características presentes neste tipo de vivência, são colocados na boca de sua/suas protagonistas através de fluxos de consciência e, assim, temos a dimensão interna e externa da violência.
Muitas mulheres não conseguem falar sobre a violência sofrida, tanto se faz ainda mais urgentes atos de criação como Alteridade, onde a voz de uma pode ser a voz de todas. A peça é um grito que necessita ser ouvido e compartilhado para que possamos caminhar em direção à quebra deste pacto de silêncio que permite que mulheres ainda estejam vulneráveis à violência que ocorre diariamente.
É uma proposta de entendimento deste eu/outro, que não se livra deste ato à partir da negação do fato e sim no mergulho profundo no mesmo, para que desta fricção, desta relação intercambial que a alteridade traz, possa surgir/ser algo além do binômio vítima/algoz.
Sinopse do espetáculo
Em Alteridade, a voz de uma mulher estuprada e sua trajetória de restabelecimento são o ponto de partida para a discussão sobre a ética que nos rege. O espetáculo é o jogo cênico entre as artistas, o novo meio de comunicação que a pandemia impôs – o teatro on-line e o texto homônimo de Maria Giulia Pinheiro.
Durante sete unidades dramáticas denominadas “círculos”, ela narra a violência a que foi submetida, a tentativa de se restabelecer, a notícia da gravidez, a opção do aborto, a culpa, a ilegalidade de escolher, a dissociação entre lei e corpo e o rompimento com a velha mitologia patriarcal.
A voz dessa mulher perpassa as diversas camadas da Sociedade do Estupro e vai, pelo arquétipo de Alteridade, encontrando aberturas para a reconstrução de si.
Ela (Elas, Nós?) tenta se restabelecer, encontrar um jeito de se sentir bem no mundo, um espaço seu. Ela vive a dor do trauma, colocando pra fora a violência que viveu, e nessa experiência, acaba rompendo com a velha lógica patriarcal na qual vivia. Um assunto essencial, em um país que tem 50 mil casos de estupro por ano.
Ficha Técnica:
Texto: Maria Giulia Pinheiro
Direção: Gabriel Miziara
Elenco: Carolina Fabri e Marina Vieira
Produção: Canto Produções
Fotos: Vinícius Berger
Serviço:
Apresentações 16,17, 18, 23,24 e 25 de abril.
Sextas e sábados às 20h e domingos às 18h.
Na plataforma Sympla
Classificação etária: 14 anos
Duração: 35 minutos