Patrícia Alvarenga: 'Amor desesperado'
Amor desesperado
Ela amava ler. Lia compulsiva e desesperadamente. Tinha a trágica noção que não daria conta de encerrar sua lista de desejos – no seu caso, necessidades – ainda nesta vida. Havia os clássicos – intermináveis – os contemporâneos, que sempre vinham em levas – enfim, os escritores queridos eram centenas, cada um com, às vezes, dezenas de obras. E havia aqueles que “tinha de ler” pela importância. Imagina?! Como deixar, por exemplo, os filósofos mais importantes de fora? É… A tarefa era árdua, mas deliciosa.
Era do tipo que tinha uma imensa estante, mas que estava sempre sendo renovada. Doava livros, emprestava, enfim, fazia a cultura girar mundo afora. Não poderia simplesmente ficar com tudo. Não havia espaço suficiente, em primeiro lugar. Em segundo, logicamente, havia seus preferidos. Destes, era difícil abrir mão. Então, guardava, na esperança (vã?) de voltar a lê-los. E havia aqueles que, sabia, uma leitura só bastava. Esses podiam seguir com suas próprias páginas adiante.
Chegou a conversar com sua terapeuta sobre isso. Brincava que precisaria de umas três mil encarnações para dar conta da leitura de todas as obras que lhe despertavam interesse. É… talvez, se tivesse vivido em épocas não globalizadas, não teria tantas “vontades”. Não teria acesso a tantas informações. Todavia, os livros também eram mais caros, de mais difícil alcance…
Enfim, restava-lhe conformar-se com sua limitação de tempo de vida e cuidar da saúde, para que sua estada neste plano fosse um pouco além da média da população. Destarte, ganharia uns anos de leitura. Ah! Preciosos anos! Daria para ler mais algumas dezenas, quiçá centenas de tesouros…Saramago, Dostoiévski, Shakespeare, Jane Austin, Cora Coralina, Clarice Lispector, Florbela Espanca, Mário Quintana, Mia Couto, Elena Ferrante, Conceição Evaristo, Carlos Ruiz Zafón, Ariano Suassuna, Sletvana Aleksiévitch, Letícia Wierzchowski, Pablo Neruda…enfim, a infindável lista…
Patrícia Alvarenga
patydany@hotmail.com