Celso Lungaretti: '(In)justiça italiana confirma prisão perpétua de Battisti. Seu pudesse mudar meu sobrenome, eu o faria…'

Celso Lungaretti

BATTISTI MORRERÁ NUMA PRISÃO ITALIANA

 
Battisti curvou-se à vontade dos inquisidores…

A (in)Justiça Italiana acaba de confirmar a medonha pena de prisão perpétua para Cesare Battisti, baseada tão somente na palavra nada confiável de delatores premiados e numa confissão nada confiável do escritor que, colocado ante a alternativa de cumprir pena em masmorras fedorentas com as piores características medievais ou fazê-lo em condições mais amenas e civilizadas, cedeu.

Com isto, limpou a barra dos que atropelaram as mais sagradas  normas do Direito em sua obsessão de destruírem um símbolo libertário, deixando bem claro que não hesitariam em destruir o homem que o encarnava caso não se vergasse aos seus odiosos propósitos.

O que eu tinha para dizer sobre um dos presos políticos mais famosos da atualidade (o outro é Julian Assange), já disse no artigo Battisti merece respeito,  do qual não mudo uma vírgula sequer. 

…para ficar longe destas celas! 

Quanto à confirmação de que a Itália definitivamente abdicou de seu legado humanista e se tornou um paisinho fascistizado a mais, também nada tenho a acrescentar ao artigo no qual, oito anos atrás, expressei todo meu desencanto com a terra dos meus ancestrais. 

Infelizmente, pode-se trocar de nome mas não de sobrenome, caso contrário eu o faria, pois hoje a Itália só me inspira repulsa. Como diziam os versos inesquecíveis de Paulo César Pinheiro numa canção dos anos 70, tudo o que mais nos uniu, separou

Eis, logo abaixo, a íntegra do artigo Reflexões sobre o ato de logo mais, diante do consulado italiano, de 28/01/2011, do qual também não mudo uma única vírgula (se o reescrevesse hoje, seria para torná-lo ainda mais contundente!):

Como meu sobrenome deixa evidente, sou de ascendência italiana (por parte do avô paterno e do bisavô materno).

Mas, os dois ramos já haviam se dissociado desse passado quando eu começava a entender as coisas.

Uma lembrança remota da minha meninice foi a do meu pai e meu tio comentando a morte de um ancestral famoso: Angelo Longaretti (1). Circulava de mão em mão a notícia publicada no jornal italiano Corrieri della Sera.

Desembarque de imigrantes italianos em Santos (1907)

Atraído pelas promessas dos fazendeiros brasileiros, que mandavam recrutadores à Itália oferecendo viagem gratuita, Angelo veio trabalhar na lavoura cafeeira.

Raul Salles, filho do fazendeiro Diogo Eugênio Salles, assediou a irmã de Angelo. Este tentou transferir-se com a família para outra fazenda, mas Raul fez com que fossem rejeitados. E ainda persuadiu o delegado de Analândia a prender Angelo por embriaguez.

Quando o soltaram, no dia 3 de outubro de 1900, Diogo e Raul tentaram expulsar os Longaretti da fazenda, sem pagar-lhes os 2.000 réis a que faziam jus por seu trabalho. O velho Francisco, pai de Angelo, disse que não sairiam. Diogo agarrou-o, sacudiu-o e atirou-o no chão.

Angelo, vendo o pai desmaiado, supôs que estivesse morto. Foi buscar uma velha e enferrujada garrucha (2) e disparou contra Diogo, ferindo-o mortalmente.

Seguiu-se uma série de descalabros, como as intimidações policiais a habitantes de Analândia para que depusessem contra Angelo.

Outros imigrantes que vieram trabalhar na lavoura

Este evadira-se, mas acabou sendo detido em 18 de maio de 1901, delatado por um compatriota ávido pela recompensa por sua prisão.

No processo, não foi levada em conta a minoridade do réu (Angelo ainda não completara 21 anos) nem o juiz providenciou tradutor para ele e as testemunhas da defesa que não falavam bem o português. E foram relevadas várias contradições dos acusadores.

O falecido era irmão do presidente Campos Sales, que cogitou até a instauração da pena de morte, com efeito retroativo, para que pudesse ser aplicada nesse caso; mas, foi dissuadido pela Inglaterra.

O governo italiano, supondo tratar-se de mais um anarquista, não deu a mínima. Angelo foi, entretanto, fortemente apoiado pela colônia, que até se cotizou para pagar-lhe um advogado famoso.

Isto não impediu sua condenação a 21 anos de reclusão. Depois, num segundo julgamento, a pena diminuiu para 10 anos.

Entrevista de Angelo Longaretti a um jornal italiano

Acabou cumprindo sete anos e meio da pena e sendo libertado por decisão do Supremo Tribunal Federal. Voltou à Itália, onde levou vida tranquila até a morte, em 1960.

Mas, esta história familiar não me interessou muito na época. Só fui lhe dar valor muito tempo depois, em função do rumo que minha própria vida tomou.

O que me predispôs mesmo a valorizar meu sangue latino foram os livros do primeiro autor que me fez a cabeça: Monteiro Lobato, com sua veneração pelo legado greco-romano.

Graças a ele, passei a identificar a Itália com o humanismo, o equilíbrio, a sensatez. Não com o fascismo que só a derrota na II Guerra Mundial conseguiu afastar do poder.

E foi ainda a arte que reforçou minha admiração pela Itália: desde os fundamentais escritores Dante Alighieri, Alberto Moravia e Italo Calvino até os maravilhosos filmes de Federico Fellini, Ettore Scola, Mario Monicelli e tantos outros.

 
Mastroianni e Loren: assim eu idealizava os italianos…

O AFETO QUE SE ENCERRA — Sem nunca ter podido conhecer a pátria dos meus antepassados, eu supunha que fosse um contraponto ao  american way of life, tão sôfrego e calculista. Idealizava cada italiano como um Marcello Mastroianni e cada italiana como uma Sofia Loren.

E, embora estivesse ciente dos excessos com que foram combatidos os militantes da ultraesquerda na década de 1980, não os imputava ao povo italiano.

Para mim, a culpa toda era do PCI, que aliara-se ao partido da burguesia facinorosa (a Democracia Cristã) contra os verdadeiros revolucionários, tangendo-os ao desespero e a atitudes insensatas como a execução de Aldo Moro.

Aí, pensava eu, aproveitando o emocionalismo do momento, os herdeiros de Mussolini e os traidores de Gramsci lançaram aquela extemporânea caça às bruxas.

 
…mas hoje os vejo com estas carrancas odiosas… 

O Caso Battisti desfez rudemente minhas ilusões: percebi que existem italianos comuns, a exemplo do que ocorria durante o fascismo, submetendo-se docilmente a lideranças demagógicas e rancorosas.

Assim como os brasileiros foram levados pela mídia a quase trucidarem os donos da escola-base, houve italianos que aderiram grotescamente à  vendetta  pregada por Berlusconi. Que decepção!

O aspirante a  Duce  me fez lembrar uma frase que andou em voga no final do patético governo do  arenoso   que herdou a primeira Presidência da Nova República, embora fosse um dos brasileiros que menos a merecesse: De hora em hora, Sarney piora.

Berlusconi também tem piorado de hora em hora: recorre a um estoque infinito de casuísmos, abusando do seu poder e contando com a cumplicidade de parlamentares ignóbeis, para driblar processos por crimes financeiros e corrupção, em que fatalmente seria condenado, persegue os imigrantes com furor e arbitrariedades que fazem lembrar o pesadelo hitlerista, protagoniza escândalos e deboches dignos  de um Calígula, etc.

 
…e a de Salvini, outro neofascista obcecado com armas.

Os companheiros que participarem da manifestação de protesto marcada para esta 6ª feira, diante do consulado italiano em São Paulo, deverão ter em mente, entretanto, que a imprensa golpista brasileira transmite uma visão distorcida, exageradíssima, da amplitude da rejeição a Cesare Battisti.

Da mesma forma como uma Veja cria a ilusão de insatisfação generalizada com nosso governo anterior e o atual, também o noticiário a respeito de Battisti dá erroneamente a entender que ele seja, ao menos, um personagem importante para a opinião pública italiana.

Na verdade, não o é.  Faz muito barulho a banda de música neofascista – e também a dos comunistas que outrora abdicaram de seus ideais para participar do governo, e hoje movem céus e terras para silenciar os que lhes cobram tal infâmia.

Mas, falam por si, e não pelas grandes massas.. Estas têm outros interesses, preocupações e prioridades, bem mais prosaicas. Os direitistas assumidos e empedernidos não constituem, nem de longe, a maioria, melhor definida pelo título de uma obra-prima de Moravia: Os Indiferentes.

“a repetição da História como buffonata

Ou, mais precisamente: os omissos. Não devemos isentar os demais italianos da culpa por tudo que faz em seu nome o inacreditável Berlusconi.  A sabedoria popular continua valendo: quem cala, consente.

Ainda assim, a nada nos levará antagonizar os trabalhadores e cidadãos comuns de outros países.

Devemos, isto sim, incentivá-los a reencontrarem a humanidade perdida, distanciando-se da herança mussolinesca e reassumindo os nobres valores dos quais seu passado também é pródigo. Como os da Renascença.

Nossa luta, em última análise, é contra o capitalismo — e suas manifestações extremadas, como o fascismo que Berlusconi tenta pateticamente reviver, numa repetição da História como  buffonata.

Enfim, não são um país e um povo nossos verdadeiros alvos — mas sim o sistema que inspira os  pogroms contra imigrantes e a  vendetta  contra Battisti, entre tantas formas de intimidação a que o capital recorre para,  pelo arbítrio e o terror, perpetuar sua dominação.

Por Celso Lungaretti
  1. 1. o sobrenome familiar correto é Longaretti, mas Papai foi registrado equivocadamente como Lungaretti, já que o escrivão não entendeu direito o sotaque italiano do meu avô. E eu também acabei ficando Lungaretti.
  2. 2. curiosamente, a arma lhe fora há tempos entregue pelo próprio Raul, ccomo pagamento por um serviço prestado.



Celso Lungaretti: 'Battisti teve de submeter-se a uma impostura que deveria encher de vergonha todos que a tramaram, a ela se cumpliciaram ou com ela se rejubilaram'

  

Celso Lungaretti

BATTISTI MERECE RESPEITO

 “A gente vai contra a corrente,

até não poder resistir.

Na volta do barco é que sente

o quanto deixou de cumprir”

(Chico Buarque)

Não havia publicado até agora uma análise mais profunda da dita confissão do escritor italiano Cesare Battisti porque estava tendo dificuldade para assimilar mais este golpe do destino, num período tão carregado de desencanto e retrocesso. A cabeça explode, como dizia uma música experimental do Walter Franco.

Depois de mais de meio século dando meus melhores esforços para ajudar a conduzir os brasileiros e a humanidade para um estágio superior de civilização, é melancólico ver os brasileiros e uma parte da humanidade olhando fascinados para o abismo e desejando uma regressão tão aberrante quanto o foi o milênio de trevas subsequente à queda do Império Romano.

Impossível não lembrar do augúrio sinistro de Friedrich Engels, num de seus textos menos conhecidos: quando a força que encarna o progresso necessário num determinado momento histórico é contida e anulada, abrem-se as portas para a barbárie. Referia-se à derrota de Spartacus, cuja revolta de gladiadores poderia ter levado à abolição da escravatura em Roma, libertando as forças produtivas para novo salto evolutivo.

Não tenho dúvidas de que algo semelhante esteja ocorrendo na atualidade, com a desigualdade econômica gerando tais distorções em cascata que não há mais como garantir-se prosperidade econômica para o conjunto das nações: a abastança de umas poucas tem sempre como contrapartida a penúria da muitas outras

Roma retalia: 6 mil gladiadores de Spartacus crucificados num só dia, ao longo da Via Apia

Isto se dá também no plano individual, colocando os seres humanos numa canibalesca disputa pelo êxito pessoal, que mina os laços de solidariedade imperativos para encontrarmos a única saída possível do atual pesadelo, qual seja a união dos novos escravos contra a renovada forma de dominação.

Também não há como impedirmos que, sob o capitalismo, continuemos marchando insensivelmente para catástrofes ambientais que poderão até determinar o fim da espécie humana, pois é o lucro que manda, que a tudo e todos comanda, passando por cima até do nosso instinto de sobrevivência.

Por não compreenderem o porquê de suas desditas sem fim, as pessoas mais simples são facilmente manipuladas, engolindo a patranha de que o capitalismo só não estaria funcionando a contento por causa do déficit da Previdência Social, ou dos corruptos que assaltam o erário, ou dos petistas/comunistas com suas mamadeiras fálicas, ou seja lá qual diversionismo for.

O desespero as corrói, precisam botá-lo para fora. Então, mesmerizados pela monumental engrenagem de comunicações a serviço da manutenção do status quo, eles passam a odiar os idealistas  que lhes são falaciosamente apresentados como inimigos do povo.

DRAKETOWN, GA – APRIL 21: Members of the National Socialist Movement, one of the largest neo-Nazi groups in the US, hold a swastika burning after a rally on April 21, 2018 in Draketown, Georgia. Community members had opposed the rally in Newnan and came out to embrace racial unity in the small Georgia town. Fearing a repeat of the violence that broke out after Charlottesville, hundreds of police officers were stationed in the town during the rally in an attempt to keep the anti racist protesters and neo-Nazi groups separated. (Photo by Spencer Platt/Getty Images)

Tangidos para o ódio, eles são joguetes da irracionalidade

Tal ódio desembestado acaba de eleger os piores presidentes do Brasil e dos EUA em todos os tempos, levar o Reino Unido a optar pelo empobrecimento acelerado (e não encontrar agora uma forma de desfazer a besteira que fez) e sabe-se lá quantos estragos causará até que a sociedade se cure de sua loucura autodestrutiva.

Em meio a isto, uma extremamente suspeita confissão de Cesare Battisti é aceita e trombeteada como se prisioneiros não estivessem sujeitos a todos os tipos de pressões e coações, tendo sido levados a agir flagrantemente contra seus interesses num sem-número de vezes e de países ao longo dos tempos.

O fato é que a Justiça e a polícia italianas, depois de se haverem prostrado vergonhosamente a Mussolini, tiveram outro período negro durante a caça às bruxas subsequente ao assassinato de Aldo Moro em maio/1978, atuando durante tal apagão como um mero instrumento de vingança da sociedade.

Foram então introduzidas aberrações como a prisão preventiva que poderia durar até mais de 10 anos (ou seja, mesmo o suspeito não tendo sofrido condenação nenhuma, corria o risco de amargar uma década atrás das grades) e a delação premiada, um dos mais repulsivos atentados à dignidade humana jamais perpetrados em nome do utilitarismo judicial!

Assim, mortes ocorridas há quatro décadas e das quais ninguém acusou Cesare Battisti quando foi preso,  acabaram sendo-lhe atiradas nas costas posteriormente, num novo julgamento baseado unicamente nas fantasias contadas por delatores premiados.

Desde Mussolini a Itália recai periodicamente no culto da força, da intolerância e da vendetta 

Estes, ansiosos por fazerem jus aos benefícios barganhados com os promotores, descarregaram suas próprias culpas sobre quem,  após ter fugido para a França, estava aparentemente a salvo da vendetta (jamais Justiça!) italiana.

E o fanfarrão lascivo Silvio Berlusconi, um neofascista sempre ávido por holofotes, viu no sucesso literário de Battisti uma oportunidade para um grande espetáculo de mídia, desencadeando uma perseguição mirabolante para poder exibir triunfalmente uma cabeça famosa em sua sala de troféus.

Idêntico rigor jamais foi mostrado pelas autoridades italianas em episódios infinitamente mais graves cujos autores eram de extrema-direita, como o atentado terrorista que matou 85 pessoas numa estação ferroviária e feriu mais de 200 em agosto de 1980.

As investigações foram flagrantemente insuficientes, as punições brandas e houve enorme empenho oficial em desmentir a possibilidade de envolvimento do serviço secreto italiano. Não é mera coincidência que quatro obscuros assassinatos de um obscuro grupúsculo ultraesquerdista tenham sido martelados na mente de leitores, espectadores e ouvintes do mundo durante quatro décadas, enquanto o terrível massacre de Bolonha ia sendo relegado ao esquecimento.

Massacre de Bolonha, um dos piores atos terroristas da História: querem que o esqueçam!

Este é um resumo sucinto, mas verdadeiro, do drama que desembocou na recente prisão de Battisti na Bolívia.

Logo em seguida, a Justiça italiana, que jamais conseguira convencer os isentos e perspicazes de que aquele a quem perseguia encarniçadamente era um homicida e não um bode expiatório, fez soar todas as trombetas para celebrar a confissão de Cesare Battisti.

Conheço Cesare Battisti e sei quem é Matteo Salvini, um dentre tantos medíocres que fazem do rancor sua bandeira política, cuja aparência de vilão de spaghetti western traduz tão bem sua alma quanto a de um debochado Calígula contemporâneo condiz com a de Berlusconi. Pena que a maioria das pessoas esteja hoje com a sensibilidade embotada, não conseguindo mais perceber quem é quem só de olhar…

Mas, Battisti admitiu o que os inquisidores não conseguiam verdadeiramente provar, concedendo-lhes um formidável trunfo propagandístico. Por quê?

Salvini desfrutando o troféu que Berlusconi tanto almejou

Ora, quem agora entoa o ignóbil coro do eu não disse? terá uma mínima noção do abalo que quatro décadas de perseguição injusta, trocando mais de países que de sapatos (grande Brecht!), produz na mente de um homem? Pode-se exigir que ele se mantenha herói após tantos percalços?

Não se trata de um personagem de comics books, é um ser humano cansado de sofrer e procurando ter um final de vida menos agônico.

Só por total ingenuidade ou incurável má fé alguém pode supor que Battisti tenha cedido tanto em troca de nada. Algum toma-lá-dá-cá evidentemente houve, só resta descobrirmos qual.

A mais óbvia seria uma promessa de libertação tão logo a poeira baixasse. Mas, talvez não seja a real, porque quem tanto fez para convencer o mundo de uma falsidade dificilmente deixaria vislumbrarmos a verdade com tanta facilidade.

O professor Carlos Lungarzo, que tem se empenhado durante toda a sua vida adulta na defesa dos direitos humanos, formula outra hipótese:

O 41-bis [cumprimento da pena em condições de extremo rigor e isolamento] existe na Itália e é um grande escândalo. Foi condenado e criticado pelo menos 11 vezes pelas Nações Unidas e, apesar disso, a Itália não desiste dele. Minha conjectura é de que ele [Cesare] foi, de alguma maneira, pressionado pela procuradoria-geral da Itália de que se ele não aceitasse um acordo para confessar ele poderia ser mandado ao 41-bis. Esta suspeita está fundada em cinco ou seis opiniões muito confiáveis.

 Chegada à prisão de Massama, na qual Cesare recebe tratamento digno….

Lungarzo explica que Battisti encontra-se numa prisão que lhe oferece condições dignas:

Esta prisão está na ilha de Sardenha, numa pequena cidade que se chama Massama, o quarto do Cesare é de 3×3 metros, tem um banheiro individual, conta com um pequeno fogão e ele pode ler.

Será que repetiram com ele o surrado artifício do policial bom e o policial mau? Algum bom promotor lhe terá garantido a permanência numa prisão escolhida a dedo para que o Cesare nela preferisse permanecer, enquanto algum mau promotor o ameaçava de envio às masmorras medievais do 41-bis?

É óbvio que comparo o tempo todo a situação dele com aquela por que passei em 1970, quando fui o primeiro preso político da época a quem impuseram um arrependimento forçado (houvera dois arrependimentos pouco antes, um de alguns militantes que cumpriam pena no presídio Tiradentes e o individual do Massafumi Yoshinaga, mas ambos tinham sido negociados).

…ao contrário do que sofreria na de Favignana

Quanto a mim:

— passei 75 dias incomunicável e boa parte deles sob tortura;

— antes mesmo de ser preso, já concluíra que a luta armada estava com os dias contados e me sentia muito culpado pela morte de um dos sete companheiros de movimento secundarista cujo ingresso na VPR eu liderara, porque não me ocorrera transmitir-lhes um quadro realista da situação, para que pudessem escolher se iriam ou não até o mais amargo fim (eu, mesmo ciente de que as chances de vitória se tornavam irrisórias, optara por seguir em frente); e

— sentia-me injustiçado por haver ficado de fora da relação de presos políticos trocados pelo embaixador alemão, tendo fortes motivos para suspeitar de que isto se devera a, lá fora, terem descarregado em minhas costas culpas alheias.

Aí houve uma intensificação das torturas e dos maus tratos a partir, mais ou menos, do meu 65º dia de prisão. Foi quando estouraram-me um tímpano e, finalmente, coagiram-me a escrever uma carta de arrependimento, enquanto era espancado por militares que entravam e saíam da sala onde uma companheira recebia choques elétricos e dava gritos lancinantes. “Você é o próximo”, vociferavam.

Em seguida, o tenente Aílton Joaquim me comunicou que eu passaria da solitária para uma cela normal, receberia de volta as minhas roupas, poderia tomar banho de novo, dispor de colher para as refeições, dormir num leito e não sobre um chão de ladrilhos — teria restituída minha condição de ser humano, enfim. Desabei num sono profundo, prostrado e amargurado. Alguns dias depois, fui despertado em plena madrugada e conduzido ao estúdio da TV Globo no Jardim Botânico, onde dei entrevista desaconselhando os jovens (como eu) a irem se desgraçar numa luta já perdida.

Fui ameaçado de morte no trajeto: “Ou você repete o que está na carta, ou nem volta pro quartel. A gente te mata e joga debaixo da ponte”, disse um dos membros da escolta, se não me falha a memória o famoso capitão Guimarães, aquele que virou bicheiro.

Cesare: “Não aguentava mais fugir”.

Mas, eis onde eu queria chegar: passei mais de dois meses toureando os torturadores, de forma a não revelar-lhes aquilo que de mais importante eu sabia (nenhum dirigente estadual ou nacional caiu por minha causa, muito menos a famosa área de treinamento em Registro). Era um jogo arriscado e paguei caro por ele em algumas situações, mas resistia.

Quando, no pior momento que eu havia até então passado, e já muito fragilizado pela tortura prolongada e pelos outros acontecimentos e sentimentos que me atormentavam, de repente fui tirado da linha de fogo e pude finalmente dormir e me sentir gente de novo, não me restava mais ânimo para chutar o pau da barraca e passar por todos os horrores de novo.

Não sei se resignei-me a participar daquela ópera bufa por causa da ameaça de morte (provavelmente fajuta) que me fora feita ou porque os dias de trégua haviam me amolecido, fazendo-me desejar, sobretudo, que o pesadelo terminasse.

Faz sentido supor que Cesare estivesse também com suas forças tão exauridas que só quisesse ser mantido numa prisão menos desumana, podendo ler, quem sabe até escrever, e continuando a receber visitas frequentes dos seus entes queridos.

E, lendo aquela infame notícia distribuída mundialmente por uma agência italiana, fiquei com a nítida impressão de que ele nos deu duas dicas sobre o que realmente ocorrera.

O paralelo óbvio é a de um iminente revolucionário soviético que foi levado pelo stalinismo a confessar os mais estapafúrdios crimes contra o estado dos trabalhadores nos vergonhosos julgamentos de Moscou, mas, em meio àquela autodegradação toda, encaixou uma frase mais ou menos assim:

Afinal, todos sabem que a confissão é um instrumento medieval de justiça.

Para bons entendedores, sinalizou que sua confissão era do mesmo tipo daquelas que a Santa Inquisição arrancava de quem lhe caía nas garras.

Ao dizer que confessava suas culpas mas não estava incriminando mais ninguém, o recado cifrado de Battisti foi o de que ele dispunha do que era seu – o prestígio e a honra –, não traindo  nem complicando a situação jurídica de outros; e que tinha o direito de assim agir depois de tudo que sofrera em sua fuga sem fim de quatro décadas.

Outra dica foi, claramente, ao afirmar que só negara os homicídios no Brasil para iludir os esquerdistas daqui e ter seu apoio. Como ele não é, e eu não conheço revolucionário que seja, ingrato a tal ponto, fica claro que ele estava nos comunicando o seguinte: como eu jamais proferiria, por vontade própria, afirmação tão absurda, que em nada me beneficia mas é tudo que o inimigo quer fazer com que o mundo creia, vocês facilmente perceberão que esta e todas as outras coisas estapafúrdias que eu disse não passavam de imposições dos inquisidores.

É como eu interpreto este deplorável episódio. Lamento que Battisti tenha chegado a uma situação em que só pôde sobreviver fisica e mentalmente mediante um sacrifício moral tão extremado, tendo de submeter-se a uma impostura que deveria encher de vergonha todos os que a tramaram, a ela se acumpliciaram ou com ela se rejubilaram.

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  (por Celso Lungaretti)




Celso Lungaretti: 'Fim da perseguição a Battisti à vista'

Celso Lungaretti: FIM DA PERSEGUIÇÃO A BATTISTI À VISTA:SUPREMO ESTÁ DECIDINDO QUE PAI DE FILHO BRASILEIRO NÃO PODE SER EXPULSO!

IAssim, apesar das insistentes gestões italianas junto aos governos de Michel Temer e, agora, do presidente eleito Jair Bolsonaro, a possibilidade de extradição do escritor italiano Cesare Battisti evaporou de vez, pois ele é pai comprovado de um filho brasileiro.

O julgamento em curso, que fixará o paradigma para tais casos, diz respeito a um cidadão da Tanzânia que foi condenado por uso de documento falso e, após o cumprimento da pena, teve a expulsão decretada pelo governo federal. Sua defesa acionou a Justiça, alegando que a filha que ele teve no Brasil em 2007 era motivo suficiente para não poder ser expulso.

Segundo o relator Marco Aurélio Mello, Lei de Imigração, sancionada no ano passado, garantiu que o estrangeiro em tal situação não pode ser expulso. O Estatuto do Estrangeiro, norma anterior, não vetava a expulsão quando o nascimento do filho tivesse ocorrido depois do fato que motivou o decreto expulsório.

Agência Brasil.


Mas, e a prerrogativa presidencial de dar a última palavra nos casos de extradição? Ela permanece em pé, tendo sido confirmada no julgamento de Battisti em 2010. Só que não se trata de uma possibilidade permanentemente aberta: ela depende de uma prévia autorização do STF.

Ou seja, é o Supremo quem julga, em primeiro lugar. Se ele nega a extradição, o pedido é arquivado. Se ele autoriza a extradição, o presidente da República toma a decisão final, autorizando-a ou negando-a, conforme sua avaliação.

Marco Aurélio: direito da criança à convivência familiar

O que toda a grande imprensa anda omitindo agora é que o então presidente Lula negou a extradição em dezembro de 2010 e o STF aprovou sua decisão em julho de 2011, mandando soltar Battisti. Não havendo nenhum recurso em contrário, aquele processo foi extinto após o transcurso do prazo legal de cinco anos.

Consequentemente, não se trata de decidir se a decisão de Lula em 2010 pode ou não ser modificada por outro presidente em exercício, pois a autorização para extraditar então concedida pelo STF se referia àquele processo específico (aberto em 2007 a pedido da Itália e depois encerrado) e não a toda e qualquer situação em que um governo estrangeiro peça a cabeça de Battisti. 

Este permanecerá, portanto, como residente legal no Brasil, embora as equivocadas notícias jornalísticas teimem em qualificá-lo de refugiado.

Além de não existir um processo de extradição aberto contra ele neste momento e de ser pai de um filho brasileiro, há um terceiro impedimento legal para a extradição de Battisti: a sentença em nome da qual a Itália pressiona por sua repatriação prescreveu em meados da presente década! 

Daí a insistência italiana em bater à porta de governos considerados simpáticos a suas pretensões, mas não na porta do Supremo, o qual de imediato constataria que aquela condenação não produz mais efeitos legais, fechando as cortinas antes mesmo de a comédia recomeçar.

(por Celso Lungaretti, jornalista, escritor e ex-preso político)




Celso Lungaretti: 'Na França, eu aproveitava cada entrevista para denunciar o que acontecia na Itália'

 

Celso Lungaretti – “NA FRANÇA, EU APROVEITAVA CADA ENTREVISTA PARA DENUNCIAR O QUE ACONTECIA NA ITÁLIA. PESSOAS PRESAS E DESAPARECIDAS, MORTAS PELA POLÍTICA, SUICÍDIOS QUE ERAM SUSPEITOS, A MÁFIA NO PODER. EU ESTAVA INCOMODANDO”

celso lungaretti: BATTISTI DESABAFA: “QUE MONSTRUOSIDADE É ESSA?”.
 
O sr. tem dito que a prisão por evasão de divisas em Corumbá foi uma trama e que estava sendo vigiado. Como aconteceu?
Durante o trajeto me dei conta de que estavam atrás de nós. Houve momento em que víamos que estavam esperando o carro passar. Pararam a gente 200 km antes de Corumbá. Não pararam mais ninguém. Só nós. Era claro que estavam nos esperando. Quando cheguei à delegacia eles estavam felizes da vida, comemoravam, como se festejassem o sucesso de uma operação.
Nem disfarçaram muito. Pegaram o dinheiro de todo mundo e começaram a dizer que era tudo meu. Porque só assim poderia superar os R$ 10 mil [valor máximo permitido]. Mas o dinheiro era dos três. Aí a gente começou a ver que as coisas estavam andando de um jeito estranho.
 
Berlusconi: obcecado em exibir a cabeça de Battisti como troféu!
Por que o sr. acha que a Itália quer a extradição?
São várias as razões. Principalmente nos 15 anos em que morei na França, eu aproveitava cada entrevista para denunciar o que estava acontecendo na Itália. Pessoas presas e desaparecidas, mortas pela polícia, suicídios que eram suspeitos, a máfia no poder. Eu estava incomodando. Daí eles criaram um monstro, começaram a espalhar mentiras. Misturaram isso com uma coisa séria, que foi a minha participação na luta armada, que eu não nego.
 
E por que não desistem de buscá-lo?
Depois que a Itália investe tanta energia, usando a política, a mídia, a economia, o Judiciário, não dá para voltar atrás. Criaram esse slogan de terrorista, assassino, de que eu sou a ruína da Itália. Eu não matei ninguém. Não tem nenhuma prova técnica que se sustenta nessas ações em que me condenaram.
 
Conceito e exemplo se aplicam ao ocorrido em Corumbá
Hoje o sr. requer que seja ouvido pelo governo e pelo STF.
A minha arma para me defender não é fugir. Estou do lado da razão, tenho tudo a meu lado. Estou em prescrição [a sentença italiana prescreveu] desde 2013. E não se pode voltar depois de seis anos [transcorridos desde que Lula rechaçou o pedido de extradição italiano e o STF mandou libertá-lo]. Eles querem argumentar que surgiu fato novo. Fato novo seria a evasão de divisas em Corumbá? Foi forjado, e eu vou ganhar esse processo.
Como se faz com um país que me acolhe, me permite desenvolver família, afetos, profissão, e depois diz que acabou, agora vai embora? Que monstruosidade é essa?
 
Hoje o sr. acredita que a principal ameaça vem de onde?
Da Itália. Um país tão arrogante, claro que estão acreditando que é uma tarefa fácil para eles [me levarem embora]. O orgulho, a vaidade.
 
(trechos de entrevista concedida por Cesare Battisti ao repórter
Joelmir Tavares, enviado especial da Folha de S. Paulo a Cananeia, SP)
 
celso lungaretti
CASO BATTISTI NA HORA DA DECISÃO: ESTÁ EM JOGO O DESTINO DE UM HOMEM E A CREDIBILIDADE DO SUPREMO.
 
A má notícia é que o presidente Michel Temer pretende atender às pressões italianas, extraditando o escritor e perseguido político Cesare Battisti.
 
A boa notícia é que não pretende fazê-lo antes que o Supremo Tribunal Federal dê sua decisão sobre o pedido de habeas corpus da defesa de Battisti.
 
Ao contrário da leitura simplista que muitos devem estar fazendo, a boa notícia tem grande chance de prevalecer sobre a má, em termos de consequências práticas. Recapitulemos.
 
A Itália, tão pérfida agora como no tempo dos Bórgias, vinha mantendo tratativas secretas com o Governo Temer para obter a cabeça de Battisti, passando insidiosamente por cima da decisão soberana e definitiva que o Brasil tomou em 2010.
 
aqui).
 
Se Temer houvesse dado sinal verde antes do jornal O Globo revelar a existência das tratativas secretas, Battisti teria sido vítima de um espécie de sequestro relâmpago praticado entre nações. Hoje o fato estaria consumado, com Battisti na Itália ou sob sete palmos de terra (no passado ele jurou que, na impossibilidade de evitar a repatriação, optaria pela morte).
 
Temer, contudo, quis ouvir antes a sub-chefia de Assuntos Jurídicos da Presidência da República. E, nesse meio tempo, O Globo jogou a tramoia no ventilador, eliminando o fator surpresa que facilitaria a concretização da ilegalidade. 
 
 
Mas, não pode deixar de haver decisão contrária! Isto, claro, na suposição de que o STF ainda dê valor à sua imagem e ao cumprimento de sua missão constitucional, pois:
 
— pelo mesmo motivo, é vedada a extradição de Battisti para cumprir sentença mais longa que a máxima adotada no Brasil (30 anos), mas a Itália até agora não anunciou que tenha sido efetuada a devida adequação.
Nem desta vez nos redimiremos da infâmia contra Olga?
Há rumores de que o governo italiano apenas assumiria o compromisso de reduzir a sentença e o governo brasileiro se daria por satisfeito com tal promessa que nada garante, pois a Justiça italiana poderia ter outro entendimento. Seria mais uma ilegalidade, em meio às tantas acima relacionadas.
O que se pretende agora é exumar a decisão tomada pelo Supremo em novembro de 2009, de autorizar, naquela ocasião, o presidente da República a extraditar Battisti, se assim o decidisse. É pura má fé e uma flagrante aberração jurídica.
 
 
Resumo da ópera: mais do que o destino de Battisti, está em jogo a credibilidade do Supremo. Se, por ação ou omissão, viabilizar tal grotesquerie, vai igualar-se em opróbrio ao STF de 1936, que autorizou a entrega de Olga Benário aos carrascos nazistas, embora ela fosse judia, comunista e estivesse grávida de uma criança brasileira.



Celso Lungaretti: CESARE BATTISTI AQUI PERMANECERÁ, POR MAIS (…) COM A ACACHAPANTE DERROTAS QUE SOFRERAM

Tamasauskas: “Não faz sentido falar em extradição de novo”.

Na tarde desta 2ª feira (25), tão logo tomou conhecimento de que o governo italiano está desenvolvendo gestões sigilosas junto ao brasileiro para que Cesare Battisti lhe seja entregue, o advogado Igor Tamasauskas deu entrada a habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal, como precaução contra uma extradição-surpresa do escritor. 

A medida se justifica, pois houve uma tentativa neste sentido em fevereiro de 2015, a partir da decisão de uma juíza de Brasília. A rápida reação do defensor impediu que Battisti fosse extraditado de afogadilho, gerando-se um fato consumado. 



aqui). A partir daí, definirá suas medidas seguintes.



Os episódios pelos quais Battisti foi falsamente acusado remontam a 1979 e já deveriam estar prescrevendo naquele ano de 2009, mas o relator do processo de extradição no STF, Cezar Peluso, alegou então que o período de prisão no Brasil não contava. 


Oito anos depois, contudo, a situação mudou: ainda que se considere interrompida a contagem de tempo entre sua detenção (18 de março de 2007) e libertação (8 de junho de 2011) no Brasil, a prescrição, inquestionavelmente, já ocorreu.



Além, é claro, de Battisti ser pai de uma criança brasileira, o que também impede a extradição, segundo cláusula do STF.


E do fato de que sua condenação a prisão perpétua subsiste na Itália e o Brasil não admite extraditar um cidadão que vá cumprir no seu país de origem uma pena superior à máxima praticada aqui (30 anos).


Resumo da ópera: a Itália continua tentando passar arrogantemente por cima das leis brasileiras. Mas, tudo indica que suas armações sigilosas mais uma vez fracassaram, à medida que viraram notícia. Pois, juridicamente, não se sustentam: têm mais furos do que uma peneira! 



O resto não passa de má fé e forçação de barra.

RELEMBRANDO O CASO BATTISTI: UMA ODISSEIA
LIBERTÁRIA EM TERRAS BRASILEIRAS.

Foi um Caso Dreyfus ou Sacco e Vanzetti com final feliz

Neto, filho e irmão mais novo de comunistas, Cesare Battisti engajou-se naturalmente na Juventude do PCI e, aos 13 anos, já participava dos protestos estudantis que marcaram o 1968 europeu.

Depois, no cenário radicalizado do pós-1968, o ardor da idade, também naturalmente, o foi conduzindo cada vez mais para a esquerda: do PCI à Lotta Continua, desta à Autonomia Operária, até desembocar no Proletários Armados para o Comunismo, pequena organização regional com cerca de 60 integrantes.

Participou de assaltos para sustentar o movimento – as  expropriações de capitalistas – e não nega. Mas, assustado com a escalada de violência desatinada, cujo ápice foi a execução do sequestrado premiê Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, desligou-se em 1978, logo após o primeiro assassinato reivindicado por um núcleo dos PAC, do qual só tomou conhecimento  a posteriori, recebendo-o com indignação.

Já era um mero foragido sem partido quando os PAC vitimaram outras três pessoas, no ano seguinte.


MAIS DE 10 ANOS!!!

Mitterrand acolhia os perseguidos italianos

Resgatado em outubro de 1981 por uma operação comandada pelo líder dos PAC, Pietro Mutti, abandonou a Itália, a luta armada e a própria participação política, ocultando-se na França, depois no México, onde iniciou sua carreira literária.


Aceitando a oferta do presidente François Mitterrand – abrigo permanente para os perseguidos políticos italianos que se comprometessem a não desenvolver atividades revolucionárias em solo francês –, levava existência pacata e laboriosa havia 14 anos quando, em 2004, a Itália o escolheu como alvo.

Tinha sido um personagem secundário e obscuro nos  anos de chumbo, quando cerca de 600 grupos e grupúsculos de ultraesquerda se constituíram na Itália. O fenômeno ganhou maiores proporções porque muitos militantes sinceros de esquerda foram levados ao desespero pela traição histórica do PCI, que tornou a revolução inviável num horizonte visível ao mancomunar-se com a reacionária, corrupta e mafiosa Democracia Cristã.

Destes 600, um terço esteve envolvido em ações armadas.

“POR QUE EU?” – Nem os PAC tinham posição de destaque na ultraesquerda, nem Battisti era personagem destacado dos PAC. Foi apenas a válvula de escape de que o  delator premiado  Pietro Mutti e outros  arrependidos, em depoimentos flagrantemente orquestrados, serviram-se para obter reduções de pena: estava a salvo no exterior, então poderiam descarregar sobre ele, sem dano, as próprias culpas.

Num tribunal que só faltou ser presidido por Tomás de Torquemada, Battisti acabou sendo novamente julgado na Itália e condenado à prisão perpétua em 1987.

A sentença se lastreou unicamente no depoimento desses prisioneiros que aspiravam a obter favores da Justiça italiana – cujas grotescas mentiras se evidenciaram, p. ex., na atribuição da autoria direta de dois homicídios quase simultâneos a Battisti, tendo a acusação de ser reescrita quando se percebeu a impossibilidade material de ele estar de corpo presente em ambas as cidades.

O Tribunal do Santo Ofício, de triste memória.

Depois, provou-se de forma cabal que Battisti não só fora representado por advogados hostis (pois defendiam arrependidos cujos interesses conflitavam com os dele) como também falsários (já que forjaram procurações dando-os como seus patronos).


Battisti escapara das garras da Justiça italiana, então valia tudo contra ele. Mas, ainda, como  vilão  menor.

Passou, no entanto, a ser encarado como um  vilão  maior quando alcançou o sucesso literário. Tinha muito a revelar sobre o  macartismo à italiana  dos anos de chumbo, tantas vezes denunciado pela Anistia Internacional e outras entidades defensoras dos direitos humanos.

Foi aí, em 2004, que a Itália direcionou suas baterias contra Battisti, investindo pesado em persuasões e pressões para que a França desonrasse a palavra empenhada por um presidente da República. Tudo isto facilitado pela voga direitista na Europa e pela histeria insuflada ad nauseam a partir do atentado contra as torres gêmeas do WTC.

Ao mesmo tempo que concedia a extradição antes negada, a França, por meio do seu serviço secreto, facilitou a evasão de Battisti. A habitual duplicidade francesa.

VÍTIMA DE DOIS SEQUESTROS NO BRASIL  E o pesadelo se transferiu para o Brasil, onde o escritor teve a infelicidade de encontrar, no STF, dois inquisidores dispostos a tudo para entregarem o troféu a Silvio Berlusconi.

Preso em março/2007, seu caso deveria ter sido encerrado em janeiro/2009, quando o então ministro da Justiça Tarso Genro lhe concedeu refúgio.

Tarso Genro concedeu-lhe refúgio

sequestrado, na esperança de convencer o STF a revogar (na prática) a Lei e jogar no lixo a jurisprudência.


Apostando numa hipótese coerente com suas convicções pessoais (conservadoras, medievalistas e  reacionárias), Peluso manteve encarcerado quem deveria libertar.

Ele e o então presidente Gilmar Mendes atraíram mais três ministros para sua aventura que, em última análise, visava erigir o Supremo em alternativa ao Poder Executivo, esvaziando-o ao assumir suas prerrogativas inerentes. A criminalização dos movimentos sociais também fazia, obviamente, parte do pacote.

Como na nossa nefanda ditadura militar, delitos políticos foram falaciosamente  metamorfoseados  em crimes comuns – a despeito de a sentença italiana, dezenas de vezes, imputar a Battisti a subversão contra o Estado italiano e enquadrá-lo numa lei instituída exatamente para combater tal subversão!

A  blitzkrieg  direitista foi detida na terceira votação, quando Peluso e Mendes tentavam  automatizar a extradição, cassando também uma  prerrogativa do presidente da República, condutor das relações internacionais do Brasil.



Sabendo que Luiz Inácio Lula da Silva não se vergaria às afrontosas pressões italianas, o premiê Silvio Berlusconi já se conformava com a derrota em fevereiro de 2010, pedindo apenas que a pílula fosse dourada para não o deixar muito mal com o eleitorado do seu país.

Parlamentares foram solidarizar-se a Battisti na Papuda


Mesmo assim, quando Lula encerrou de vez o caso, Peluso apostou numa nova tentativa de virada de mesa. Ao invés de libertar Battisti no próprio dia 31/12/2010, que era o que lhe restava fazer segundo o ministro Marco Aurélio de Mello e o grande jurista Dalmo de Abreu Dallari, manteve-o, ainda, sequestrado.


sequestro, desta vez, saltou aos olhos e clamou aos céus. Só não viu quem não quis.

Isto depois de a dobradinha Peluso/Mendes ter cerceado arbitrariamente sua liberdade por mais cinco meses e oito dias!






Artigo de Celso Lungaretti: '"Ave, Cesare, os que leram teus livros te saúdam!"

NESTA 3ª, CESARE BATTISTI ESTARÁ LANÇANDO “O CARGUEIRO SENTIMENTAL” EM PORTO ALEGRE.

 

Battisti foi recebido com muito carinho pelos gaúchos em 2012

Na noite de amanhã (3ª feira, 08/12), Cesare Battisti estará autografando em Porto Alegre O cargueiro sentimental, que chega ao Brasil 12 anos depois de lançado na Franca.

Segundo Carlos Lungarzo, biógrafo brasileiro de Battisti, esta novela noir inspirada nos dramas e tragédias da ultraesquerda italiana foi uma de suas obras mais elogiadas pela crítica, merecendo do prestigioso semanário Paris-Match uma saudação espirituosa: “Ave, Cesare, os que leram teus livros te saúdam”.

Trata-se de uma história de amor, melancólica e triste, na avaliação de Lungarzo, que acrescenta:

…o protagonista é um jovem italiano que deixa a casa de seu pai (antigo e involuntário resistente contra o fascismo) para embrenhar-se na luta contra os restos de fascismo na Itália. Ele se apaixona por uma garota que fica grávida, que logo se afasta dele sem deixar rastos, até que o protagonista sabe que ela morreu, mas deixou uma filha que também é militante. Isto faz que ele empreenda uma procura desesperada por sua filha, uma tarefa que colocará em cena os problemas de três gerações de militantes, a do pai resistente antifascista, a da namorada e parceira de militância, e a filha de ambos.

Ao contrário do farto noticiário sobre a encarniçada perseguição política que lhe foi movida por Silvio Berlusconi, cujo ato final seria a rejeição do pedido de extradição italiano por parte das autoridades brasileiras (vide aqui), a carreira literária de Battisti é pouco abordada na internet. Há registros de pelo menos 18 livros lançados, desde os policiais da série noire da editora Gallimard com que se projetou na década de 1990 até a autobiografia Minha luta sem fim (2007) e os romances de inspiração autobiográfica Ser bambu (2010) e Ao pé do muro (2012).

Ele lamenta que seu melhor momento como escritor tenha sido interrompido quando as pressões italianas fizeram a França recuar do compromisso assumido com militantes italianos refugiados, de permitir-lhes viver em paz desde que não se dedicassem a atividades políticas; após 13 anos de calmaria, foi obrigado a empreender nova fuga. Desde então as novas obras se tornaram esporádicas e os lançamentos foram prejudicados por sua ausência –casos de Ser bambu e Ao pé do muro, que certamente obteriam maior repercussão na França caso ele fosse ele a apresentá-lo e dar entrevistas.

 

 

 

 

SERVIÇO

EVENTO: lançamento do livro O cargueiro sentimental (Martins Editora, 2015, 180 páginas), de Cesare Battisti

LOCAL: Livraria Palavraria

ENDEREÇO: rua Vasco da Gama, 165 – bairro Bonfim – Porto Alegre/RS

HORÁRIO: a partir das 19 horas