O leitor participa: Caique Ferraz, de 15 anos, com o conto: 'Serial Killer'
“Fechei os olhos e, em pouco tempo, adormeci. Todavia, como se estivesse acordado, comecei a ouvir vozes estranhas…”
Depois de me mudar de casa, de escola e até mesmo de cidade, fiquei muito só, pois não tinha nenhum amigo próximo para conversar ou brincar e nada para fazer, além de desenhar no meu quarto ou me deitar sobre a grama do quintal e ler um livro. Eu me sentia realmente sozinho naquele novo endereço.
Aquela tarde estava com o ambiente pesado, mas tão pesado que acabei indo tirar um cochilo.
Fechei os olhos e, em pouco tempo, adormeci. Todavia, como se estivesse acordado, comecei a ouvir vozes estranhas… Talvez pudesse ser os nossos novos vizinhos, que eu ainda não havia conhecido. Mas, não era só isso, tinha algo me incomodando, uma imagem no meu sonho que não conseguia entender nem explicar o seu formato, e, além disso, cheirava queimado.
Na mesma hora acordei! Estava assustando, tremendo e suando frio. E sabia que aquilo era só um pesadelo, pois todos os temos, mas sempre os associamos a alguma coisa que conhecemos ou vimos, e nada do que eu conhecia ou já havia visto tinha o mesmo formato daquela coisa.
“Tudo bem”, disse para mim mesmo. E desço para a cozinha para tomar um copo de leite e comer algumas bolachas. Nesse instante, minha mãe entra na cozinha e pede pra que eu leve o lixo para fora.
Terminado o café da manha, pego o lixo e vou até a frente de casa para coloca-lo no latão. Vejo que está tudo calmo; olho para os lados e não vejo ninguém. Sentindo frio, voltei rapidamente para a casa, entrei e me sentei na cadeira.
Minha mãe entra novamente na cozinha e eu acabo perguntando a ela:
— Por que aqui está tudo tão calmo?
E ela me responde:
— Aqui sempre foi assim, não há muitas pessoas.
Eu aproveito a “corrente” e pergunto novamente:
— Nossos vizinhos novos são barulhentos, não são?
— Vizinhos? — Ela responde, estranhando a pergunta, como se eu não soubesse do que estava falando.
— É, mãe, vizinhos. Eu estava tentando dormir e comecei a ouvir vozes, devia ser deles.
Então, ela responde, já não prestando muita atenção na minha dúvida:
— Nós não temos vizinhos.
Aquilo foi o suficiente para me congelar por alguns segundos. Eu fiquei pensando: “Como, assim, não temos vizinhos? Quem foi que estava falando àquela hora que eu estava no meu quarto? Minha mãe? Não podia ser ela!”
Minha mãe avisa que vai sair para fazer compras e pede que eu fique em casa, mas eu sequer consigo me mexer pra concordar com ela. Ela vira as costas e sai, e eu ainda estou congelado olhando para a porta da cozinha, esperando alguma resposta lógica.
Saio de minhas paranoias, penso um pouco em como achar a resposta, porque aquilo parecia tão nítido, eu não estava sonhando, eu estava apenas de olhos fechados. Fui revistar a casa, quintal, quartos, banheiro, sala, lavanderia, porão… Porão! Com certeza era ali que eu acharia algo. E lá fui eu.
Fechado há muito tempo, lá havia tralhas em cima de tralhas, não sabia por onde começar. Talvez pelas caixas. Abri uma por vez, e as únicas coisas que consegui achar foram roupas velhas, fantasias, alguns produtos esquisitos e um monte de teias e aranhas… ah, como eu odeio as aranhas!
Tentei procurar nas gavetas da escrivaninha que havia ali; puxei cada uma, até que uma delas não abria e tive que arromba-la. Com todas as minhas forças, posicionei meu pé na parte lateral da mesa e minhas duas mãos no puxador da gaveta e contei até três; no três, empurrei com toda força e acabei estourando o lacre, com a gaveta caindo no chão. Porém, com ela, caiu algo mais: uma carta! Peguei-a e sai correndo dali.
No meu quarto, vi que a carta tinha um número digitado nela; parecia um código ou uma marca e, no começo, não me interessou seu conteúdo, mas, comecei a ler. Estava escrito mais ou menos assim:
“25 de Junho de 1684
Não há como escapar, ele está lá fora, e ele vai me achar e, quando achar, virarei como os outros, queimados na chaminé de sua casa, ou cortados em cubos para servi-lo em sua sopa. Ele parecia ser um vizinho bacana, uma pessoa nova que…”
A outra parte da carta estava com sangue seco, não dava para ler, e, novamente, meu corpo não respondia aos meus comandos, estava paralisado. Porém, tudo fazia tanto sentido, havia poucas pessoas no bairro e, no meu sonho, talvez fossem elas gritando por ajuda, e quanto à imagem, bem, era ele, o assassino vestido com algumas de suas fantasias pronto para sua próxima vítima, mas o que mais me paralisou foi o fato que não fazia nem mesmo três meses que a pessoa que tinha escrito aquilo desapareceu…
Não sabia o que fazer. Porém, ouço o toque da campainha e, com o barulho, recobrando meus movimentos, subo para atender à porta. Sequer olhando pelo ‘olho mágico’ pra ver quem está do outro lado, abro a porta rapidamente.
Era um homem grande, e se apresentava como sendo o carteiro. E queria apenas um copo de água.
Gentilmente, deixo-o entrar e nos dirigimos até a cozinha. E, enquanto encho o copo com água, pergunto-lhe:
— Você trabalha por aqui nesse bairro?
E ele responde com sua voz grossa:
— Sim, só aqui é que trabalho.
— E sempre foi assim tão calmo?
— Antes não era assim, mas como nesta área havia muitos desaparecidos, muita gente se mudou.
Suspirando e pensando, pergunto novamente:
— Você mora neste bairro?
— Sim, já faz uns quatro meses.
Entrego o copo de água e observo que ele tem um tipo de tatuagem, mas não dá para ver direito. Entretanto, ao estender o braço pra tomar a água, consigo ver a tatuagem e, espantado, constato que são os mesmos números colocados na carta!
Com o coração disparado, caio em mim que ele era o assassino, o cara do meu pesadelo!
“Como fui tão burro de deixar ele entrar?” Ele vai me matar!” Eram as únicas coisas que eu conseguia pensar.
Bebendo a água, porém, ele percebe que tem algo de estranho comigo e pergunta:
— Está tudo bem, garoto?
— Estou! — respondo a meia voz, pois minha garganta está travada e boca seca.
— Acho que você não está — ele me diz, desconfiado.
— Estou bem! — respondo, com o coração apertado.
Apesar do pânico que estou sentindo, e enquanto ele termina de beber a água, viro meu corpo e pego uma faca sem ele perceber. Em seguida, ele se dirige a mim e coloca a mão sobre meu ombro, apertando-o fortemente. E diz, com voz incisiva:
— Você não vai a lugar algum!
Minha única reação é tentar esfaqueá-lo, mas ele me desarmar, agarra minha mão, me arrasta para meu quarto, me prende na cama, e começa a me socar.
Não tem nada que eu possa fazer, somente rezar e esperar até que eu não aguente mais e morra. Ele, parando de me bater, fala que vai pegar suas ferramentas e sai do quarto.
Após ele se retirar, olho para os lados e vejo minha tesoura em cima do criado-mudo; faço um esforço para pegá-la com a boca e, depois de conseguir pegá-la, passo para a mão e consigo cortar o pano que me prendia e a escondo.
Nisso, ele volta, estende suas ferramentas sobre a minha escrivaninha, pega a faca para me matar e se posiciona perto de mim. Eu o xingo, mas ele já se prepara para desferir a facada. Todavia, na distância em que ele se encontra, dou-lhe um golpe com a tesoura e furo o olho dele.
Gritando de dor, ele cai no chão. E eu corto rapidamente os restos dos panos que me prendiam na cama, saio correndo e ligo pra polícia. Rapidamente, narro o que estava acontecendo e forneço o meu endereço. Do outro lado da linha, o atendente informa que uma viatura já seria deslocada até minha residência.
Por cautela, vou me esconder no porão. Mas o assassino, apesar da dor intensa, vem atrás de mim querendo vingança e, desconfiando de onde eu estava escondido, desce devagar os degraus da escada, repetindo com um trejeito próprio de um psicopata: ─ Eu vou te pegar!
Escondido atrás de algumas caixas, pela proximidade dele, eu podia ouvi-lo respirando, ofegantemente.
Meu coração gelou e, conspirando aparentemente contra mim, me assusto com uma aranha que estava subindo pelo meu corpo. Por um reflexo, me levanto, atrapalhado, bato nas caixas e elas caem sobre ele, permitindo, desta forma, que eu possa fugir.
Tranco-me no meu quarto e constato que a polícia está demorando a chegar. Nesse momento, ele bate na porta, socando-a até rachá-la.
Apavorado, percebo, no entanto, as ferramentas dele sobre a escrivaninha. Escolho o machado e me preparo para o pior. Ele, com um chute possante, arromba a porta, mas, antes de ele conseguir me alcançar, eu vou pra cima e lhe dou uma machadada na barriga. Com o impacto, ele fica inconsciente e começa a se ajoelhar. E eu, num supremo instinto de autopreservação e evidente autodefesa, dou-lhe outro golpe, agora na cabeça.
Ele cai e não se mexe mais. Sim, ele morre ali mesmo, numa poça de sangue… pelas mãos de um menino!
Caique Ferraz – caiqueferraz@lexmediare.com.br