Celso Lungaretti: 'Todos às ruas amanhã! Livrarmo-nos do exterminador de brasileiros! É agora mil vezes mais importantes do que a eleição marcada para daqui a 16 intermináveis meses'
As manifestações de amanhã contra Bolsonaro farão deslanchar a resistência ao genocídio
Serão realizadas por todo o país neste sábado (19/06) manifestações populares exigindo o afastamento de Jair Bolsonaro da presidência da República que verdadeiramente não exerce nem jamais exerceu.
Isto porque, desde o primeiro dia do seu catastrófico mandato, ele vem se omitindo dos deveres do cargo e se portando como um agitador insano de extrema-direita, empenhado tão somente em destruir os fundamentos da vida civilizada no Brasil e, assim, criar condições para um golpe de Estado.
A expectativa é de se constituírem nas maiores de 2021 e até dos dois anos e meio desse desgoverno atual, pois a lista de forças empenhadas na organização dos atos supera em muito a dos protestos anteriores.
Desta vez até o PT apoia a iniciativa da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, embora ainda não tenha anunciado se Lula já superou suas dúvidas hamletianas e estará presente no palco principal da luta contra o genocídio em curso.
Que venha e seja bem-vindo, pois livrarmo-nos do exterminador de brasileiros é agora mil vezes mais importante do que a eleição marcada para daqui a 16 intermináveis meses visando decidir-se quem assumirá a presidência em 2023, caso o calendário eleitoral não vá pelos ares até lá, detonado pela explosão social e pelo caos que se aproximam.
Caso o mandato de Bolsonaro sobreviva às centenas de milhares de óbitos evitáveis que sua incompetência e sabotagem estão acrescentando às mortes inevitáveis da pandemia, a tendência é que, administrando a crise econômica da mesma forma demencial e destrambelhada, cause outro morticínio em larga escala.
As próximas semanas serão as mais propícias para determos a contagem regressiva rumo ao imponderável, até porque a CPI da Covid está prestes a levantar o véu sobre quem lucrou desmedidamente com dispêndios governamentais estapafúrdios durante a pandemia.
Casos dos recursos desperdiçados em doses astronômicas da inócua cloroquina e na encomenda a toque de caixa e preços exorbitantes da vacina indiana, que nem sequer o aval da Anvisa tinha na ocasião.
Daqui a alguns meses será tarde demais para evitarmos que o Brasil fique em cacos e os brasileiros pobres, principalmente, sejam ceifados como moscas.
Quem quiser evitar o pior enquanto há tempo não pode deixar de comparecer ao ensaio geral deste sábado pois, lembrando o alerta musical de Gilberto Gil noutra situação em que uma tempestade se formava no horizonte, é preciso ter coragem e aplaudir o pessoal!
Celso Lungaretti
lungaretti@gmail.com
Celso Lungaretti: 'Importante: demonstração de força do Bolsonaro contra o exército deve ter sido o pior de quantos erros já cometeu'
Bolsonaro venceu uma batalha que apressará sua derrota na guerra
Se Jair Bolsonaro tivesse os conhecimentos históricos indispensáveis para presidente de verdade, jamais afrontaria os altos comandantes militares como acaba de fazê-lo, repetindo a insensatez de João Goulart no dia 27 de março de 1964, quando anistiou marinheiros insubmissos cuja prisão o ministro da Marinha determinara.
Com isto, involuntariamente coroou de êxito a estratégia dos golpistas, de instigar cabos e sargentos contra os oficiais das Forças Armadas, na qual teve papel destacado o chamado Cabo Anselmo que, conforme ficou definitivamente provado há exatos 10 anos (vide aqui), já era um agente provocador quando radicalizava as assembleias da marujada com sua retórica incendiária.
José Raimundo da Costa, meu companheiro de militância na Vanguarda Popular Revolucionária, me contou que um oficial da Marinha o foi prender naquele período, a bordo do navio em que servia. Seus colegas marujos lhe perguntaram:
— O que fazemos com esse palhaço?
Que os altos oficiais das três Armas, em sua maioria, sempre penderam mais para a direita é óbvio, até por provirem de famílias abastadas, mas daí a crer que eles invariavelmente foram golpistas e fascistas distorce os fatos:
— o tenentismo da década de 1920 consistiu, basicamente, em revoltas contra o status quo oligárquico na chamada República Velha, com participação de jovens oficiais tanto de esquerda quanto de direita;
— dentre os de esquerda, destaque, claro, para Luiz Carlos Prestes, que depois seria indicado pela Internacional Comunista para o papel de dirigente máximo do PCB;
— dentre os de direita, Olímpio Mourão Filho, que chefiaria o serviço secreto integralista, forjaria o Plano Cohen (fajutice que serviu como pretexto para justificar a instauração do Estado Novo em 1937) e desencadearia o golpe de 1964, ao colocar suas tropas na Via Dutra, em marcha para o Rio de Janeiro);
— as Forças Armadas tanto combateram a Revolta Vermelha (ou Intentona Comunista) de 1935 quanto o Levante Integralista de 1938;
— Getúlio Vargas, ideologicamente próximo do fascismo, teve de renunciar ao poder em outubro de 1945, sob ameaça de um golpe militar (!);
— convertido em nacionalista após os EUA haverem favorecido seu defenestramento, Vargas estava prestes a cair novamente em 1954, graças a um golpe orquestrado principalmente pela UDN, com apoio explícito de oficiais da Aeronáutica, e que obteria a adesão de generais do Exército no momento decisivo. Mas, com seu suicídio e carta-testamento, Getúlio inviabilizou a tomada de poder pelos golpistas e o oficialato militar se conformou, aceitando que o vice-presidente Café Filho assumisse a presidência;
— nova tentativa de golpe respaldada por oficiais ocorreria com a renúncia de Jânio Quadros em 1961 e a recusa em empossar o vice-presidente João Goulart, mas a resistência do governador gaúcho Leonel Brizola, com o apoio do III Exército, abortou a empreitada, prevalecendo uma solução de compromisso: Jango assumiria, mas com seus poderes limitados pela introdução do parlamentarismo;
— por fim, o golpe tramado desde a década anterior por um grupo de militares liderado pelo marechal Castello Branco e assessorado pela CIA virou realidade em 1964, mesmo assim só se tornando consensual entre os altos comandantes na reta final, após sucessivos episódios de quebra da hierarquia como os que relatei na abertura deste artigo.
Ou seja, embora houvesse um dispositivo golpista há muito montado por uma ala militar e buscando incessantemente tanger os acontecimentos para a ruptura institucional, a coisa só engrenou de vez após os oficiais se verem desacatados abertamente pelos subalternos, com a tolerância de Goulart.
Outro fator importante foi Lyndon Johnson haver sido empossado na presidência dos EUA em 22 de novembro de 1963, substituindo o assassinado John Kennedy, que era bem diferente daquele caipirão texano que comia nas mãos da CIA.
Embora os golpistas estivessem havia muito tempo sendo apoiados pelos falcões estadunidenses, temiam que Kennedy refugasse, não querendo envolver-se com a derrubada de um presidente estrangeiro (afinal, ele negara, na enésima hora, o apoio aéreo do qual os mercenários a soldo dos contras cubanos careciam para terem alguma chance de êxito ao desembarcarem na Baía dos Porcos).
Com a certeza de que teriam os EUA a seu lado, durante e depois do golpe, os castellistas partiram para a última etapa do plano, a conquista dos quartéis, facilitada pelo jogo duplo de uns e a ingenuidade de outros dos subalternos revoltosos.
Mesmo ao longo dos 21 anos de trevas, também não havia monolitismo nas Forças Armadas, mas contínuas disputas pelo poder.
Antes de 1968, a linha dura pugnava para radicalizar a ditadura e os castellistas queriam honrar sua proposta inicial de uma intervenção saneadora, seguida da devolução do poder aos civis. As escaramuças se sucederam ao longo do ano até que um discurso algo pueril do deputado Márcio Moreira Alves (que sentido fazia recomendar às moças que não namorassem com cadetes das escolas militares?!) forneceu o componente emocional necessário para a imposição do golpe dentro do golpe, o AI-5, à medida que os parlamentares negaram permissão para que seu colega fosse julgado (e, inevitavelmente, cassado).
Mesmo assim, os castellistas contra-atacaram e é provável que tal cheque em branco para o terrorismo de Estado sem quaisquer limites tivesse sido cancelado pelo ditador Costa e Silva, se o piripaque que o acometeu não o prostrasse antes de revogar o AI-5, conforme cogitava.
O que mais se aproximou de um monolitismo foram os anos Médici (de outubro/1969 a março/1974), com os castellistas reduzidos à impotência e a linha dura torturando, matando e barbarizando à vontade.
Havia, sim, uma ala militar minoritária que seguia o exemplo do presidente peruano Juan Velasco Alvarado, contestando a subserviência aos EUA, defendendo medidas como a nacionalização de setores-chave da economia e a ampliação do limite territorial marítimo para 200 milhas (que, para contentá-la, Médici adotou). Mas, coincidia com a linha dura quanto à radicalização da ditadura.
A partir da posse de Ernesto Geisel, as disputas militares se reacenderam entre os aceitavam sua proposta de uma gradual abertura política, desenhada por Golbery do Couto e Silva, e a ainda influente linha dura, que explodiu bancas de jornais, enviou cartas-bombas, sequestrou pessoas, planejou atentados que teriam causado morticínio em larga escala como o do Riocentro e fez provocações como os assassinatos de Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho no DOI-Codi, até ser finalmente derrotada, ao custo das sucessivas exonerações do comandante do II Exército e, em seguida, do próprio ministro do Exército.
De 1985 até a posse do pior presidente da República do Brasil em todos os tempos, houve relativa paz na caserna, com a prevalência dos oficiais que queriam manter as Forças Armadas limitadas aos seus deveres constitucionais; restou apenas um pouco de ruído, proveniente da velha guarda ideologizada, que tudo fazia para manter sob o tapete do esquecimento as práticas hediondas da ditadura.
Bolsonaro, que teve de passar à reserva do Exército em 1988 para escapar de uma punição mais condizente com a gravidade dos seus contínuos desacatos aos superiores hierárquicos, nada aprendeu com sua destrambelhada tentativa de peitar os comandantes. Aproveitando a sua, no mínimo lotérica, ascensão à presidência, duas vezes já cedeu à tentação de retaliar a instituição que o expeliu.
Pelo que conheço dos bastidores da caserna (e não é pouco, pois jamais deixei de registrar na memória e de refletir sobre tudo que presenciava ou ficava sabendo durante o período em que fui hóspede compulsório dos fardados, nem de analisar os episódios militares subsequentes à luz do que havia aprendido), são corretos os relatos de que os altos comandantes estão profundamente insatisfeitos com a humilhação a que o Exército acaba de ser exposto.
O fato de haverem refugado desta vez nem de longe garante que Bolsonaro já tenha tudo dominado. Serve-lhes, contudo, como advertência de que, quanto mais cederem, mais desmoralizados ficarão. E de que, perdendo o respeito dos subalternos, estarão sujeitos a terem suas ordens por eles desacatadas e até a serem atirados no mar, como em 1964.
Ademais, se o êxito da ditadura parecia uma aposta pelo menos plausível em 1964, só néscios hoje não percebem que, com as crises sanitária e econômica agravando-se cada vez mais e com o mundo inteiro encarando o Brasil como pária, sem esperança de qualquer tratamento privilegiado por parte dos EUA, o futuro que se desenha para nosso país é o pior possível: depois da anarquia militar, o caos.
Com a agravante de que o governo e a popularidade de Bolsonaro derretem a olhos vistos, sem nenhuma chance de reviravolta, pois os maiores problemas que enfrentamos, ou estão sendo causados por ele ou por ele potencializados. Se pagarem pra ver, os oficiais constatarão que desperdiçam suas fichas de popularidade sucumbindo a blefes.
Como néscios os altos comandantes militares não são, salvo um ou outro que se presta a servir de ajudante-de-ordens para um reles capitão baderneiro, não duvido de que eles logo extraiam as conclusões que se impõem e ajam em conformidade com elas.
Caso contrário, as consequências serão trágicas para os brasileiros e aviltantes para eles. Quantos sapos ainda serão capazes de engolir?
Celso Lungaretti
lungaretti@gmail.com
Celso Lungaretti: 'Editorial do blog Náufrago da Utopia'
Editorial do blog Náufrago da Utopia
Enquanto a esquerda combativa vai às ruas, a esquerda constitucional quer o Bozo sangrando no poder até a eleição.
Manifestações de protesto estarão sendo realizadas em diversas cidades brasileiras ao longo deste sábado (29). Partem de grupos da esquerda combativa e se percebe que sofrem um nítido boicote por parte da esquerda institucional, que tudo faz para que não sejam noticiadas ou apareçam sem destaque nas várias mídias, minimizadas e/ou criticadas.
Para a esquerda institucional, pouco importa que cada dia a mais com Bolsonaro usando a faixa presidencial para destruir o país tenha um custo altíssimo em termos de cadáveres e aumente ainda o sofrimento de trabalhadores, vulneráveis, marginalizados, idosos, etc. As vítimas de sempre.
O importante, para essa gente que de esquerda quase nada tem – pelo menos se entendermos a esquerda como força transformadora da sociedade, empenhada em conduzir a humanidade para um estágio superior de civilização, com justiça social e liberdade plena –, é eleger Lula em 2022.
capitalismo bonzinhocapitalismo malvadopéssimopior ainda
Em vez de Lula presidente, estão é preparando o terreno para termos o caos presidindo, num salto no escuro cujas consequências nem mesmo eu me arrisco a prever. Mas tenho muita clareza de que temos de encarar, como prioridade máxima, evitar que cheguemos a tal ponto.
Já acusei essa esquerda pusilânime de facilitadora de genocídio. Vou além: assim como o Bozo foi responsável por pelo menos umas 100 mil mortes evitáveis, talvez até o dobro, ao apostar em drogas milagrosas e na imunização de rebanho como resposta à pandemia, a esquerda eleitoreira está fazendo uma aposta quase igual, novamente tendo como fichas a vida dos brasileiros.
Retardando o máximo possível o afastamento do Bolsonaro, por ela tido como o adversário ideal a ser derrotado no 2º turno da eleição presidencial de 2022, ela está apostando que as mortes evitáveis que ocorrerão ao longo dos próximos 19 meses serão compensadas pela felicidade de ingressarmos no paraíso lulista em 2023.
Este blog continuará firmemente empenhado em denunciar tal cálculo mesquinho, desumano e, por que não dizer, GENOCIDA.
Vidas brasileiras importam. Temos de esforçarmo-nos, no limite de nossas forças, para livrarmos nosso povo do genocídio bolsonaresco, para a imediata articulação de um governo de salvação nacional.Do resto cuidaremos depois. Mas é necessário que estejamos vivos para haver depois.
Esquerdistas que se preservam neste momento crucial não se mostram, de jeito nenhum, herdeiros de Marx ou Proudhon. Com sua duplicidade e calculismo, parecem mais é ter feito juramento de hipócritas.
Celso Lungaretti
lungaretti@gmail.com
Celso Lungaretti: 'Prescrição da pena de Luigi Bergamin abre precedente que poderá fazer cessar a vendetta contra Cesare Battisti'
celso lungaretti
Uma esperança para Cesare Battisti: a justiça italiana afinal se lembrou de que penas prescrevem. Havia esquecido
AAnsaProletários Armados pelo Comunismo, ao qual pertenceu o escritor Cesare Battisti.
A condenação prescrevera no último dia 8. Bergamin, que estava foragido na França e havia se entregado à polícia de Paris no dia 29, acabou não passando nem duas semanas detido. E foi muito!
imputadosanos de chumbo, razão pela qual há muito se impõe minha anulação de todos esses julgamentos de cartas marcadas!), ocorridos no final da década de 1970.
Quatro décadas se passaram desde então. Digam o que quiserem os revanchistas, mantenho minha posição de que há um limite de tempo para que se faça justiça, caso contrário, quando os acusados estão reduzidos a decrépitos anciãos, a coisa vira mera vingança.
Nem mesmo em casos extremos como os de Hitler ou Bolsonaro, eu concordaria com que fossem encarcerados várias décadas depois de terem cometido seus crimes, talvez já gagás e sem se darem conta do que lhes ocorresse…
Aliás, a sentença italiana espantosamente reconheceu tal obviedade:
““.
ladrão!.
Anistia Internacional), do advogado Barroso e de um sem-número de juristas, já havia ocorrido.
Peluso, acuado, esquivou-se, afirmando que não tivera tempo de aprofundar o assunto em seu relatório (!). Risível, se não fosse trágico pretender desgraçar um homem sem ter certeza de que ainda era legal julgá-lo…
delinquente habitualcrime continuado, que o tradutor terá vertido ao pé da letra),
provisória (por tratar-se de um réu ausente, já que estava fora da Itália).
A corte ressaltou que, decorridos 30 anos de uma sentença que impôs pena provisória a um acusado fora do seu alcance, “cessa o interesse do Estado na sua execução”.
Também nisto o precedente de hoje poderá beneficiar o Cesare, pois sua condenação à prisão perpétua se deu em 1987 e, segundo tal raciocínio, já estaria prescrita quando ele foi reconduzido à Itália em janeiro de 2019.
(por Celso Lungaretti)
Celso Lungaretti: "Vocês, que vão emergir das ondas em que nós perecemos, pensem, quando falarem das nossas fraquezas, nos tempos sombrios de que tiveram a sorte de escapar" (Brecht)
celso lungaretti
Documentário resgata o infortúnio de peões do tabuleiro da propaganda enganosa da ditadura militar
Foi melancólico rever, meio século depois, alguns daqueles jovens esperançosos que estavam ao meu lado no movimento estudantil de 1968 e na luta armada subsequente à assinatura do AI-5, quando o Brasil foi submetido ao terrorismo de Estado sem quaisquer limites.
Refiro-me, claro, à exibiçãoon line, noFestival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, do filme Os arrependidos, que os diretores Armando Antenore e Ricardo Calil realizaram inspirados, principalmente, na dissertação de mestrado de Alessandra Gasparotto, que virou livro em 2011 com o título deO terror renegado.
Dei depoimentos para o trabalho de mestrado e também para o filme (como fiz quase sempre que alguém veio me pedir minha versão e avaliação dos acontecimentos dosanos de chumbo, com a única exceção de um ex-colega da ECA-USP que deu uma guinada ideológica de 180º e se tornou um dos ultradireitistas extremados da revistaveja).
Um grande mérito do documentário foi mostrar:
— como causaram imenso estrago na vida dos prisioneiros laçados para desempenharem, sob coação ou por calculismo (encurtar suas penas) tais papéis.
É dada grande ênfase ao primeiro episódio, quando cinco detentos do Presídio Tiradentes, já saídos da fase de tortura, negociaram com o Dops paulista a realização de entrevistas e distribuição de escritos contrários à luta armada.
Para qualquer pessoa perspicaz, deve saltar aos olhos a superficialidade dos argumentos com que ainda hoje tentam justificar tal decisão.
O líder, que dera continuidade a uma tradição familiar de apoio aos ideais de esquerda, era o teórico da turma. Afora a óbvia motivação pessoal (e oportunista), acreditou que pudesse abrir caminho para uma pacificação dos espíritos e ser futuramente reconhecido como o visionário que interrompera as matanças.
Um segundo reagiu de maneira machista à violenta rejeição com que os cinco foram recebidos pelos outros presos ao voltarem para o Tiradentes: tornou-se integralista convicto, leitor e divulgador de Plínio Salgado.
Os outros três eram apenas liderados. Um deles, meu companheiro desde o movimento secundarista, me contou muito tempo depois que mais se deixou arrastar do que concordou com aquilo tudo.
Jovem com imensa necessidade estar junto ao povo, vibrando e confraternizando com aqueles por quem lutava, sentia-se como fera enjaulada tendo de submeter-se às limitações da clandestinidade.
O Massa pediu desligamento e a VPR, numa decisão tão descabida quanto insensata, nem lhe ofereceu uma opção de fuga para o exterior, nem um refúgio seguro no interior do país, nem mesmo uma boa quantia em dinheiro para atravessar os primeiros tempos. Como resultado, não só a família temia abrigá-lo, como ele teve de dormir em barracas no Mercado Municipal, participar de colheitas no interior, etc., sujeito não só ao risco de ser preso a qualquer momento, como também a inúmeras privações.
Em desespero, conseguiu que a família do líder do primeiro arrependimentoo colocasse a par do seu drama e pedisse conselho. A resposta que veio do Tiradentes foi a de que, se o Massa resolvesse entregar-se à repressão, teria a incolumidade garantida e logo sairia da prisão, além de prestar um serviço aos velhos amigos, pois isto agilizaria a libertação deles.
O Massa aceitou o conselho, foi logo libertado, mas, ao invés de reencontrar o calor das massas, foi égeladono seu circulo de relacionamentos, enlouqueceu, tentou duas vezes o suicídio e teve êxito na terceira. Este drama terrível é um dos momentos culminantes do documentário.
Os dois primeiros episódios foram entregues numa bandeja à repressão, tendo o ditador Médici apreciado intensamente a apresentação do Massa na TV. A inusitada rendição ao inimigo causou um impacto imensamente superior ao do blablablá daqueles que já estavam presos.
Protagonizei, infelizmente, o terceiro episódio, que teve características diferenciadas, pois envolveu uma disputa de poder entre os quadros da repressão.
Depois de mais de dois meses de prisão e incomunicabilidade, fui transferido do DOI-Codi/RJ para a PE da Vila Militar (RJ), para uma mera finalização de inquérito, teoricamente sem torturas.
Mas os oficiais de lá tinham, algumas semanas antes, sido afastados do vantajoso esquema de capturas dos combatentes da luta armada, comopuniçãopela péssima repercussão internacional da morte sob torturas do estudante de medicina Chael Charles Schreier, de 23 anos, militante da VAR-Palmares. As justificativas inverossímeis da repressão eram recebidas com risadas no exterior.
Ora, dividindo entre eles tudo de algum valor que apreendiam conosco, bem como as recompensas recebidas de empresários direitistas por cada um dos nossos que capturavam ou assassinavam, haviam se acostumado a um padrão de vida muito superior ao que seus soldos lhes facultava. Então, tentavam desesperadamente ser readmitidos no filão mais lucrativo do esquema repressivo.
Assim, acreditaram que, mesmo tanto tempo depois, poderiam arrancar de mim alguma informação útil. Sob a batuta do então tenente Aílton Joaquim, atiraram-me numa solitária imunda e desfecharam uma temporada de torturas extemporânea e que deu péssimos resultados: nada obtiveram para provar que eram melhores do que os concorrentesdo DOI-Codi, mas me estouraram um tímpano e levaram uma aliada da VPR, também presa na unidade, a cortar os pulsos.
Sabendo que seriam punidos por extrapolar as ordens do comandante do inquérito, e com o episódio do Massafumi repercutindo na imprensa, veio-lhes a ideia de aumentar a aposta para tentarem mesmo assim sair no lucro.
A carta virou um vídeo gravado em plena madrugada no estúdio da TV Globo no Jardim Botânico, sob ameaça de eu nem sequer voltar vivo para o quartel se desdissesse o que constava da maldita carta.
É por isso que, desde a década passada, geralmente sou colocado por historiadores e jornalistas como a vítima do primeiroarrependimento forçado.
O documentário relembra, também, o igualmente trágico episódio do Manoel Henrique Ferreira, que, apavorado com as torturas, concordou em fazer o que lhe pediam em troca da garantia de não ser mais barbarizado.
Na noite em que o vídeo com ele gravado ia ser levado ao ar, instalaram um televisor na sua cela, para que todos assistissem. O Mané se convenceu de que era uma tentativa de fazer com que ele fosse justiçadopelos próprios companheiros e escreveu a célebre carta-dossiê a D. Paulo Evaristo Arns, que correria o mundo.(por Celso Lungaretti)
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P.S.: ia esquecendo, a volta à baila desse assunto, que evidentemente me deprime, coincidiu com o transcurso dos 51 anos da minha prisão pelo DOI-Codi/RJ, em 16/04/1970, às 6h45, na praça Saens Peña (RJ).
Foi uma das poucas previsões que já errei redondamente. E acabei descobrindo que havia vida depois do inferno. (CL)
Celso Lungaretti: 'Um maximiza o extermínio, outros dois estão dispostos a pisar em todos os cadáveres necessários para se elegerem'
Tão obcecados quanto o Bolsonaro pela faixa presidencial, o Lula e o Ciro hoje agem como facilitadores do genocídio
Temos:
a) dois problemas gravíssimos (a pandemia e a depressão econômica), que exigem solução ainda em 2021, caso contrário este país explodirá;
sine qua nonúnica preocupação atual dos brasileiros conscientes e ajudando a perpetuar o genocida no cargo (ou seja, a única preocupação de ambos é de que seja até lá mantido um cenário favorável a suas ambições eleitorais, e que se danem todos os brasileiros que morrerem doravante por causa do governo catastrófico).
facilitador de genocídio.
Infelizmente, agora o Ciro o está secundando nessa faina de iludir o povo, à medida que também incute nos ingênuos a esperança de que a solução seja a eleição. Não é, de jeito nenhum.
Afora as centenas de milhares de mortes inúteis que Bolsonaro ainda causará com seu negacionismo exterminador (a pandemia ainda vai piorar muito antes de começar a retroceder), a economia brasileira simplesmente não aguentará outros nove meses como foram estes primeiros de 2021.
Obcecados com a maldita faixa presidencial, Lula e Ciro estão, com calculismo extremado e nenhum altruísmo, igualmente fomentando o caos, mas este só interessa ao Bolsonaro, pois o palhaço sinistro já sabe que nunca se reelegerá e sua única chance de permanecer no poder é mediante um autogolpe.
Ele é o terceiro desvairado: quanto mais a situação piorar, maior a chance de um golpe militar, pois as Forças Armadas acabarão intervindo caso os Poderes da República sejam levados de roldão pela entropia em curso. Só que os militares, quando tomam o poder, é para empossar generais, almirantes ou brigadeiros, não capitães medíocres que expulsaram de suas fileiras.
Como do Bolsonaro nada podemos esperar além do que houver de mais inepto e desumano, serão Lula e Ciro, porque têm miolos para compreender quão calamitoso é o quadro atual, os responsáveis por tudo que de trágico acontecer como consequência dessa insensata demora em restabelecer-se a governabilidade no país. A História os julgará. (porCelso Lungaretti)
Celso Lungaretti: 'A celebração da infâmia'
O que há para celebrar-se neste dia, senhor ministro? uma abominação?
Manda uma ordem-do-dia do ministro da Defesa recém-empossado para uma permanência mínima no cargo, pois o governo ao qual serve agoniza, que seja hoje (31) comemorado o aniversário da virada de mesa institucional responsável por 21 anos perdidos e por um festival de horrores que até hoje envergonha os brasileiros civilizados.
dia da mentiraaquicuervos que o totalitarismo criou.
sentinelasmemória não morresse – mas, pelo contrário, servisse de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do despotismo.
genocídiocrime contra a humanidade, as discussões semânticas são um escárnio num momento destes!).
Mais de 100 mil conterrâneos já morreram de óbitos que poderiam ter sido evitados se o gerenciamento da pior crise sanitária de nossa História não estivesse entregue a um insano negacionista, sabotador dos esforços para a salvação de vidas.
E é incerto o número de mortes escamoteadas das estatísticas oficiais, a ponto de já terem sido desmascaradas tramoias para o ocultamento de cadáveres sob os tapetes burocráticos (quem nos garante que outras tramoias do mesmo tipo não tenham escapado à vigilância dos cidadãos decentes?).
Nessa efeméride negativa, o primeiro ponto a se destacar é que a quartelada de 1964 foi o coroamento de uma longa série de articulações e tentativas golpistas, nada tendo de espontânea nem sendo decorrente de situações conjunturais; estas foram apenas pretextos, não causa.
Há controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças Armadas para derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa ditadura, caso o suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo. Mas, é incontestável que a ultradireita vinha há muito tempo tentando usurpar o poder.
eminência pardado ditador Geisel.
Em fevereiro de 1956, duas semanas após a posse de JK, os militares já se insubordinavam contra o governo constitucional, na revolta de Jacareacanga.
Os oficiais da FAB repetiram a dose em outubro de 1959, com a também fracassada revolta de Aragarças.
E, em agosto de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a posse do vice-presidente João Goulart e iniciaram, juntamente com os conspiradores civis, a constituição de um governo ilegítimo.
Mas, refugaram diante da resistência do governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do comandante do III Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil.
grupos dos 11 contragolpe preventivogolpe de Estado para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio dos EUA, como os documentos sigilosos que foram sendo revelados ao longo destes 57 anos comprovaram cabalmente..
Derrubou-se um governo democraticamente constituído, fechou-se o Congresso Nacional, cassaram-se mandatos legítimos, extinguiram-se entidades da sociedade civil, prenderam-se e barbarizaram-se cidadãos.
A esquerda só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de massa foram respondidas com o uso cada vez mais brutal da força, por parte de instâncias da ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios de nenhuma espécie, promovendo atentados e intimidações.
Até que, com a edição do dantesco AI-5 (que fez do Legislativo e do Judiciário Poderes-fantoches do Executivo, suprimindo os mais elementares direitos dos cidadãos), em dezembro de 1968, a resistência pacífica se tornou inviável.
Foi quando a vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu ao primeiro plano, acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos movimentos de massa.
As organizações guerrilheiras conseguiram surpreender a ditadura no 1º semestre de 1969, mas já no 2º semestre as Forças Armadas começaram a levar vantagem no plano militar, introduzindo novos métodos repressivos e maximizando a prática da tortura, a partir de lições recebidas de oficiais estadunidenses.
boom econômico e a euforia da conquista do tricampeonato mundial de futebol, que lhes trouxeram o apoio momentâneo da classe média.
Nos anos seguintes, com a guerrilha nos estertores, as Forças Armadas partiram para o extermínio premeditado dos militantes, que, mesmo quando capturados com vida, eram friamente executados.
Casa da Morte de Petrópolis (RJ) e o assassinato sistemático dos combatentes do Araguaia estão entre as páginas mais vergonhosas da História brasileira – daí a obstinação dos carrascos envergonhados em darem sumiço nos restos mortais de suas vítimas, acrescentando às chacinas a ocultação de cadáveres.
milagre brasileiro, fruto da reorganização econômica empreendida pelos ministros Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, bem como de uma enxurrada de investimentos estadunidenses em 1970, teve vida curta e em 1974 a maré já virou, ficando muitas contas para as gerações seguintes pagarem.
subversivo preso ou morto, como se apossavam de tudo que encontravam de valor em posse dos resistentes. Acostumaram-se a um padrão de vida muito superior ao que sua remuneração normal lhes proporcionaria.
Daí terem resistido encarniçadamente à disposição do ditador Geisel, de desmontar essa engrenagem de terrorismo de Estado, no momento em que ela se tornou desnecessária.
Mataram pessoas inofensivas como Vladimir Herzog, promoveram atentados contra pessoas e instituições (inclusive o do Riocentro, que, se não tivesse falhado, provocaria um morticínio em larga escala) e chegaram a conspirar contra o próprio Geisel, que foi obrigado a destituir sucessivamente o comandante do II Exército e o ministro do Exército
Comissão Nacional da Verdade, pela prisão arbitrária de uns 50 mil brasileiros e pela tortura de, no mínimo, 20 mil cidadãos, afora ocorrências praticamente impossíveis de quantificar, como os abusos sexuais.
Há quem sustente consistentemente que outros 600 camponeses, sindicalistas, líderes rurais e religiosos, padres, advogados e ambientalistas tenham sido assassinados por motivos políticos nos grotões do país entre 1961 e 1988.
genocídio indígenaanos de chumbo.] É esta efeméride sinistra que sua ordem do dia manda ser comemorada nos quartéis, senhor general?
Isto me indigna tanto, como participante e vítimas desses acontecimentos –até hoje lesionado e até hoje inconformado com a morte de duas dezenas de estimados companheiros que entregaram a vida em nome da dignidade nacional!–, que evitarei dar-lhe uma resposta ditada por minhas emoções.
[Correria o risco de fornecer pretexto para uma intimidação como as muitas que têm sido perpetradas contra blogueiros e articulistas, lastreadas em lei que não passa de um repulsivo entulho autoritário.]
Pai, perdoai-o, pois ele não sabe o que faz!
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(por Celso Lungaretti, jornalista, escritor e ex-preso político – a foto ao lado foi tirada no DOI-Codi/RJ em 1970, ainda na fase das torturas, durante os 75 dias de incomunicabilidade)