Gonçalves Viana: 'Pisando estrelas…'
Gonçalves Viana fala sobre o poeta, jornalista e radialista Orestes Barbosa, autor de um clássico da música brasileira: ‘Chão de Estrelas’, musicado por Sílvio Caldas
Hoje quero falar sobre um poeta que, embora de boa descendência, nasceu na mais completa miséria, e desde os mais tenros anos viveu na rua, porque o pai, um major reformado com soldo miserável, não conseguia sustentar o lar. O nome desse poeta: Orestes Barbosa.
Na rua, aprendeu a ler. Encontrou alguém – um professor – que, brincando, lhe ensinou a ler nos letreiros dos bondes e nos cabeçalhos dos jornais. Esse menino dormia nos bancos do Jardim do Méier, onde aprendeu a conhecer o Céu, a Lua e as Estrelas.
Um dia foi preso quando dormia e, poeticamente, convenceu o guarda que quem está dormindo está morto, e morto não comete crime e, por conseguinte, não pode ser preso porque dorme. O guarda, catequizado pelo menino, chegou mesmo a pensar que o que Governo deveria fazer, era manter todos os criminosos dormindo, e pagou-lhe um reforçado café.
Curioso é que o professor – citado acima – cujo nome era Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, foi o pai de Vinicius de Moraes, portanto esse senhor, pode-se dizer, foi o responsável pelo surgimento de dois dos maiores poetas do nosso país. Ambos – Orestes e Vinicius – tiveram também, além da poesia, grande importância na música popular brasileira.
Mas, voltando ao nosso poeta, ele, na rua, também conheceu e ouviu grandes homens de letras, que intuitivamente fizeram-no procurar nas bibliotecas a enorme cultura adquirida que, aliada ao talento que lhe era inato, resultou no aparecimento desse gigante das nossas letras.
Além de poeta, também foi jornalista e radialista. Entrou para a vida de imprensa, quase menino, pela mão de, nada mais nada menos que Rui Barbosa. E assim, foi Orestes pelas ruas, que tanto amava, do solo aos céus, porque tanto os arranha-céus, quanto os barracos também lhe pertenciam. Sobre esses temas, escreveu verdadeiras obras-primas, os mais belos poemas, que, depois de musicados, tornaram-se ícones do nosso cancioneiro popular.
E foi um desses barracões que o inspirou a um dos versos, considerado por muita gente importante, tais como, Manuel Bandeira, Alberto Ribeiro, Roque Laurenza (poeta panamenho), Coripheu de Azevedo Marques, David Nasser, Jorge Amado, Mario Lago, Pedro Bloch e tantos outros, um dos mais belos da nossa língua: “TU PISAVAS NOS ASTROS DISTRAÍDA…”
Esse verso faz parte do poema “Chão de Estrelas”, musicado por Sílvio Caldas.
Gonçalves Viana
CHÃO DE ESTRELAS
Minha vida era um palco iluminado.
Eu vivia vestido de dourado
─ Palhaço das perdidas ilusões.
Cheio dos guizos falsos da alegria,
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações…
Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
─ Forte a sonoridade que acabou…
E, hoje quando do sol a claridade
Forra meu barracão, sinto saudade
Da mulher–pomba rôla que voou…
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas,
Pareciam um estranho festival:
Festa dos nossos trapos coloridos,
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre Feriado Nacional!
A porta do barraco era sem trinco.
Mas a lua, furando o nosso zinco,
Salpicava de estrelas nosso chão…
Tu pisavas os astros distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão…
(Sílvio Caldas-Orestes Barbosa)