'A Dama e o Vagabundo' encenado com repertório de Chico Buarque

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Espetáculo infantil inspirado em obra de Ward Greene no Diversão em Cena ArcelorMittal

Baseado na animação produzida pela Disney em 1955 e com músicas de Chico Buarque, o musical ‘A Dama e o Vagabundo’ será encenada no dia 04 de Julho (domingo), a partir das 16h. A montagem poderá ser assistida ao vivo pelo canal no Youtube da Fundação ArcelorMittal e na página no Facebook do Diversão em Cena.

O espetáculo narra a história de Dama, uma cadela com pedigree, e o Vagabundo, um vira-lata que vive nas ruas. Na trama os personagens vivem um belo romance e grandes aventuras, contadas através das músicas de um dos maiores compositores do Brasil.

Considerado o maior programa de formação de público para teatro infantil no Brasil, o Diversão em Cena ArcelorMittal é viabilizado por meio das Leis de Incentivo à Cultura Federal e Estaduais (São Paulo e Minas Gerais). Ao longo de mais de uma década, cerca de 500 mil pessoas já conferiram aos mais de 1,3 mil espetáculos apresentados.

Em decorrência da pandemia, o programa continuará a adotar o modo remoto para apresentação das atrações de maneira segura. Seguindo todos os protocolos sanitários preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O Diversão em Cena não abre mão do seu objetivo: contribuir para a democratização da cultura e oferecer uma programação regular de qualidade.

SERVIÇO | DIVERSÃO EM CENA ARCELORMITTAL
A Dama e o Vagabundo’
Data: 04 de Julho – Domingo
Horário: 16h

FICHA TÉCNICA
Texto e direção: Leandro Mariz
Roteiro Musical e Produção Executiva : Tiago Higa
Direção Musical: Marcelo Faria
Cenário – Figurino – Iluminação: Leandro Mariz
Assistente de produção: Karina Mathias
Realização: Tesouro da Arte Produções e Karina Mathias Eventos
Elenco: Karina Mathias, Marcelo Faria e Tiago Higa




Gonçalves Viana: 'Julinho vendo a banda passar…'

“Aquele garoto bonito, de lindos olhos verdes, estava aliando a sua beleza física à capacidade de compor músicas belas, bem elaboradas e com letras primorosas. E, cada vez mais, assumindo um lugar de destaque no universo da MPB. Seu nome: Chico Buarque de Holanda.”

 

Aquele garoto bonito, de lindos olhos verdes, estava aliando a sua beleza física à capacidade de compor músicas belas, bem elaboradas e com letras primorosas. E, cada vez mais, assumindo um lugar de destaque no universo da MPB. Seu nome: Chico Buarque de Holanda.

Esse garoto oriundo de tradicional família nasceu no Rio de Janeiro, mas aos dois anos de idade, com os seus familiares mudou-se para São Paulo, onde iniciou sua formação. Nos seus nove anos, transferiu-se, com a família para a Itália, onde seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, foi lecionar, na Universidade de Roma.

João Gilberto

Na Itália, Chico estudou em uma escola americana e, em pouco tempo, falava três idiomas, o português em casa, o italiano na rua e o inglês na escola. De volta a São Paulo, cursou o Colégio Santa Cruz e, ali, escrevia contos e crônicas, no jornal escolar. Essa experiência o levou a acreditar que um dia seria um escritor (o que realmente acabou por acontecer), isso, se não houvesse surgido em sua vida o LP Chega de Saudade de João Gilberto e o direcionasse para a música. Ele passava horas e horas tentando imitar os acordes de João. Da imitação, para a composição foi um pulo.

 

Chico, interpretando ‘A banda’

Em 1963, Chico ingressa na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) e tendo desistido de outro sonho, o de ser jogador de futebol – chegou a treinar no Clube Atlético Juventus, na Mooca – voltou sua atenção para a música, participando nos barzinhos e shows escolares.

Já havia composto várias músicas, quando, em 1965, participou, sem nenhum sucesso, de um Festival. Mas, em outubro de 1966, inscreveu despretensiosamente, uma marchinha no II Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record que, para sua surpresa, foi classificada. O nome da marchinha era “A Banda”.

Geraldo Vandré

Essa música acabou por polarizar o público do festival, metade torcia por ela e a outra metade aplaudia “Disparada”, de Geraldo Vandré. Quando chegou a apresentação das vencedoras, o público ficou na expectativa de ver a quem caberia o primeiro lugar. À medida que os apresentadores iam anunciando, em ordem decrescente, o 5º, o 4º, o 3º e o 2º lugares, criou-se um suspense na plateia, pois nenhuma das duas mais aplaudidas tinham sido anunciadas, e só restava uma colocação, o 1º lugar.

Até que Blota Jr. viesse e anunciasse ter havido um empate entre as duas, e que a organização do festival resolveu dividir o prêmio entre elas.

Posteriormente, soube-se que Chico, nos bastidores, percebendo – ou já sabendo – que venceria, sugeriu que houvesse empate. Os organizadores estavam indecisos, e só aceitaram essa proposta, em face de que Chico se recusaria publicamente a receber o prêmio sozinho.

Zuza Homem de Melo

No entanto, Chico jamais fez qualquer alusão a esse fato. O resultado da votação – sete a cinco em favor de A Banda – foi mantido em sigilo por quase quatro décadas. Os votos ficaram em um cofre na casa de Zuza Homem de Melo, que só o revelou em seu livro: A Era dos Festivais – Uma Parábola.

Com isso, A Banda tornou-se  um tremendo sucesso, o que aumentou ainda mais a popularidade de Chico, passando a ser considerado uma unanimidade nacional, em comparação a Noel Rosa.

Para se ter uma ideia dessa empolgação com ele, basta lembrar que, em 1967, a apresentadora Hebe Camargo, então na TV Record, fez uma apresentação com Chico, em que subiram ao palco, nada mais nada menos que a “Santíssima Trindade do Samba”, que havia começado tudo isso, no inicio do século passado: Donga, Pixinguinha e João da Baiana, somente para efusivamente saudarem Chico Buarque de Holanda, como o novo rei da MPB.

Mas, como bem dizia Nélson Rodrigues: Toda unanimidade é burra! E para desmentir essa unanimidade, aquele menino bonito, e de bom caráter, começou a deixar o “bom-mocismo” de lado e passou a pôr as garras para fora, isso, no ponto de vista das autoridades, ou melhor, da Ditadura Militar.

De repente, Chico passou de herói a vilão, sendo o artista mais perseguido pela Censura, eram os “anos de chumbo”. Bastava submeter qualquer obra com o nome de Chico Buarque para que ela fosse revirada por todos os lados e invariavelmente proibida.

A situação chegou a tal ponto que Chico, para cumprir o compromisso com a gravadora de produzir um disco, não tinha composições suas devidamente liberadas, para completar o LP. Ele, então, optou por gravar só com composições alheias, com o nome de Sinal Fechado.

Foi quando ele conheceu um compositor, na favela da Rocinha. Esse compositor tinha algumas características nas suas músicas que eram semelhantes às suas próprias. Era o Julinho da Adelaide, Chico, então, gravou no disco uma composição dele, Julinho, com Leonel Paiva, é a faixa “Acorda Amor”. Posteriormente, gravaria outras duas composições de Julinho: “Jorge Maravilha” e “Milagre Brasileiro”.

Em setembro de 1974, Julinho da Adelaide concedeu uma longa entrevista ao então jornalista, Mário Prata, publicada no jornal Última Hora de São Paulo, na qual, entre tantas coisas, rasgou-se em elogios à Censura e demonstrou certo ciúme de Chico Buarque.

Mais tarde, porém, descobriu-se que tanto Julinho da Adelaide quanto Leonel Paiva, eram pseudônimos que Chico utilizou para burlar a Censura. Aí foi que a Censura recrudesceu, e Chico acabou por exilar-se na Itália. A partir de então as autoridades passaram a exigir a apresentação do CPF e do RG do compositor.

                                                                             (Gonçalves Viana)

 

A BANDA

Estava à toa na vida

O meu amor me chamou

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida

Despediu-se da dor

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou

O faroleiro que contava vantagem parou

A namorada que contava as estrelas parou

Para ver, ouvir e dar a passagem

A moça triste que vivia calada sorriu

A rosa triste que vivia fechada se abriu

E a meninada toda se assanhou

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou

Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou

A moça feia debruçou na janela

Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu

A lua cheia que vivia escondida surgiu

Minha cidade toda enfeitou

Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto

O que era doce acabou

Tudo tomou seu lugar

Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto

Em cada canto uma dor

Depois da banda passar

Cantando coisas de amor




Artigo de Celso Lungaretti: "Se estivesse no Maracanâzinho, Chico Buarque teria sido hostilizado por milhares. Para Tom Jobim: foi como se o Corcovado desabasse em cima dele…"

PIOR FOI AQUELA VEZ EM QUE O CHICO BUARQUE RECEBEU
A MAIOR VAIA DA HISTÓRIA DOS FESTIVAIS…

 

Por Celso Lungaretti, no blogue Náufrago da Utopia.

 

Na madrugada de 29 de setembro de 1968, uma vaia de dez minutos foi dirigida, em pleno Maracanãzinho, contra dois dos maiores expoentes de nossa música popular em todos os tempos: Tom Jobim e Chico Buarque.

Mais do que o desfecho infeliz de um evento artístico, esse inesperado e contundente repúdio de 20 mil pessoas àqueles que eram, respectivamente, um dos  papas  da bossa-nova e a maior revelação da nova MPB, marcou o fim de uma época.

Dois meses e meio depois, no dia 13 de dezembro, desceriam sobre o País as trevas do Ato Institucional nº 5. E, com o esvaziamento imposto às artes, seria exatamente a canção favorita do público daquele festival que se imortalizaria como símbolo da resistência ao totalitarismo: “Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores” (ou, simplesmente, “Caminhando”), de Geraldo Vandré.

 

ESCALADA DE RADICALIZAÇÃO

 

Canto do cisne do período de maior efervescência musical que o País já conheceu, o III Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, transcorreu em meio a passeatas que degeneravam em batalhas campais, mortes de opositores da ditadura, denúncias de torturas, ações armadas da esquerda, atentados dos grupos paramilitares de direita.

O mês já começara mal, pois, logo no dia 2, o deputado federal Márcio Moreira Alves, numa sessão quase deserta do Congresso, proferiu o fatídico discurso que acabaria sendo o pivô da decretação do AI-5.

O então influente Jornal da Tarde (SP), naquele final de 1968, dia após dia dedicava suas manchetes e principais matérias ao terrorismo, fazendo alarmismo para enlouquecer a classe média e favorecer a linha dura militar na luta interna em que se decidia o rumo do regime.

Este clima já se refletira na eliminatória paulista, que teve lugar no  Teatro da Universidade Católica de São Paulo, no dia 15 de setembro. Foi quando os baianos apresentaram composições que faziam uma correção de rumo no tropicalismo. Ao lançarem-no, no ano anterior, pareciam pregar o desengajamento dos jovens da política revolucionária, por que não?

modelo 1968, entretanto, veio fortemente influenciado pela Primavera de Paris, o movimento neo-anarquista que levou a França às portas da revolução.

 

 

Aliás, foi um slogan das barricadas parisienses o ponto-de-partida da composição inscrita por Caetano Veloso no III FIC: “É proibido proibir”. O estribilho já veio pronto, mas os versos que ele criou foram corrosivos, geniais: “Me dê um beijo, meu amor/ Eles estão nos esperando/ Os automóveis ardem em chamas/ Derrubar as prateleiras/ As estantes, as estátuas/ As vidraças, louças, livros, sim/ E eu digo sim/ Eu digo não ao não/ Eu digo, é proibido proibir”.

Gilberto Gil seguiu o mesmo diapasão em “Questão de Ordem”, enfocando situações vividas pelos contestadores agrupados nas comunidades alternativas da Europa: “Se eu ficar em casa/ Fico preparando/ Palavras-de-ordem/ Para os companheiros/ Que esperam nas ruas/ Pelo mundo inteiro/ Em nome do amor”.

“A JUVENTUDE QUE DIZ QUE QUER TOMAR O PODER”

A maior parte da esquerda brasileira, entretanto, via com desconfiança esse anarquismo de classe média do 1º mundo; e com franca hostilidade as roupas coloridas, os cabelos desgrenhados, a utilização das  sacrílegas  guitarras elétricas.

Preferia os ritmos nativos, do samba carioca à riqueza musical nordestina; e o visual bem comportado, com os intérpretes se apresentando discretamente para não atrapalharem a compreensão da mensagem que os versos transmitiam. Era esta a tendência majoritária na eliminatória paulista.

Quando da reapresentação das cinco escolhidas para a final da fase brasileira, marcada para o Rio de Janeiro, Caetano Veloso, que já estava indignado com a não-classificação da música de Gil, explodiu de vez, face às ensurdecedoras vaias que o impediam de reapresentar adequadamente “É Proibido Proibir”.

Então, enquanto os Mutantes continuavam tocando uma trilha musical improvisada, Caetano fez um longo discurso, que foi depois lançado em disco com o título de “Ambiente de Festival”. Eis alguns trechos:

Mas, é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir este ano uma música, um tipo de música que não teriam coragem de aplaudir no ano passado. Vocês são a mesma juventude que vai sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem.

Quem teve a coragem de assumir a estrutura do festival e fazê-la explodir (…) foi o Gilberto Gil e fui eu.

O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira.

Gilberto Gil está comigo pra nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas estruturas. E vocês? Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos.

 

O JÚRI MAIS INCOMPETENTE DA HISTÓRIA DOS FESTIVAIS

A finalíssima, no Maracanãzinho, iniciada no sábado (28 de setembro) e seguindo pela madrugada de domingo adentro, apresentou algumas músicas de qualidade superior.

Como “O Sonho”, estréia daquele que seria um dos maiores nomes da MPB na década seguinte. O Jornal da Tarde (SP) se referiria ao ”menino Egberto Gismonti” como “um talento”, destacando a letra de “O Sonho” como a melhor dentre as inscritas por compositores que não atuavam em São Paulo, além da “muito boa harmonia e um ótimo arranjo”.

Os Mutantes compareceram com um trabalho de qualidade e impacto, “O Caminhante Noturno”, um dos ápices do seu início de carreira, com Rita Lee se apresentando fantasiada de noiva grávida (Arnaldo Dias Baptista foi de cavaleiro medieval e seu Irmão Sérgio, de toureiro). O sexto lugar não lhes fez justiça.

Toquinho e Paulo Vanzolini foram prejudicados pelo clima de festival, com platéia e júri tomados por emoções fortes, sem paciência para apreciar a sutileza e cristalina beleza de “Na Boca da Noite” (“Cheguei na boca da noite, parti de madrugada/ Eu não disse que ficava, nem você perguntou nada/ Na hora que eu ia indo, dormia tão descansada/ Respiração tão macia, morena nem parecia/ Que a fronha estava molhada”).

Vista retrospectivamente, a sua classificação em oitavo lugar, atrás de “Andança” (Danilo Caymmi e Edmundo Souto, 3º), “Passacalha” (Edino Krieger, 4º), “Dia da Vitória” (Marcos e Paulo Sérgio Valle, 5º) e “Dança da Rosa” (Maranhão, 7º) nos dá um testemunho eloquente da incompetência do júri mais vaiado da história dos festivais.

Outras injustiçadas: “Canção do Amor Armado”, concepção grandiosa de Sérgio Ricardo, relegada a um irrisório nono lugar; “Oxalá”, ótima elaboração de uma história de capoeiristas, de autoria de Théo de Barros; e “América, América”, épico com que César Roldão Vieira reverenciou a figura mítica de Che Guevara.

CHICO E SEU SABIÁ INTEMPORAL

Bela e intemporal, “Sabiá” é de uma safra em que Chico Buarque parecia alheio ao ambiente nublado da política (há quem faça a leitura de que a canção aludia à futura volta dos exilados, mas tal interpretação parece meio forçada, fazendo mais sentido  a posteriori  do que no momento dos acontecimentos).

Após o sucesso estrondoso de “A Banda”, ele insistiu na linha lírica e nostálgica, com “Carolina”, “Bom Tempo” (para quem, cara-pálida?) e “Bem-Vinda”, tornando-se, nos festivais, uma espécie de antítese da esquerda convencional e também da anarquia tropicalista.

Até Nelson Rodrigues, então o próprio arquétipo do reacionário, tinha palavras de elogio para Chico. Isto explica a vaia finalmente por ele recebida, depois de atravessar incólume vários festivais.

 

Não sem motivo, Chico Buarque se penitenciaria mais tarde, com a autocrítica “Agora Falando Sério” (“Agora falando sério/ Eu queria não mentir/ Não queria enganar/ Driblar, iludir/ Tanto desencanto/ E você que está me ouvindo/ Quer saber o que está havendo/ Com as flores do meu quintal?/ O amor-perfeito, traindo/ A sempre-viva, morrendo/ E a rosa, cheirando mal”). 

De “Sabiá” sobrou este vídeo, já da fase internacional…

VANDRÉ E SUA PROFISSÃO DE FÉ

“Caminhando” foi composta numa fase terrível para Geraldo Vandré, que estava rompido com as emissoras de maior audiência junto ao público de MPB (TV Record e Rádio Jovem Pan), amargando uma desilusão amorosa, sendo hostilizado e  gelado  pelos estudantes de esquerda.

Fora-lhe muito danosa a publicação de uma foto no jornal Folha da Tarde (SP), na qual aparecia abraçado a Abreu Sodré, ajudando-o a escafeder-se do palco armado na praça da Sé, após ser apedrejado por manifestantes.

Governador de São Paulo por obra e graça da ditadura, Sodré tentara falar num ato comemorativo do 1º de maio, sendo surpreendido por uma reação organizada pelos movimentos operários do ABC e de Osasco, com o apoio dos estudantes.

 
Afora o vexame, Sodré saiu com um ferimento na testa.

Vandré era amigo do governador, que, inclusive, o esconderia mais tarde no próprio Palácio dos Bandeirantes, quando a repressão o perseguia. Mas, claro, preferia que essa ligação perigosa não se tornasse de domínio público. A mim e a alguns companheiros secundaristas, semanas depois, deu uma desculpa esfarrapada: “Estava bêbado. Não me lembro de nada do que fiz naquele dia”.

Devem-se às pressões que ele enfrentava, portanto, a comovente sinceridade com que reafirmou nessa canção os valores nos quais acreditava profundamente, à sua maneira romântica. Foi um Vandré machucado que subiu ao palco para cantar seu hino revolucionário, acompanhado apenas pelo próprio violão.

Talvez nem ele mesmo imaginasse o impacto que a “Caminhando” teria, acarretando-lhe tanta notoriedade quanto sofrimento. O certo é que, quando alguns já o davam como artisticamente morto, Vandré enfrentou e venceu o maior desafio de sua carreira. Por conta disto, passou definitivamente à condição de mito, mas foi destruído como pessoa.

“A VIDA NÃO SE RESUME EM FESTIVAIS”

Sabiá”, de Tom Jobim e Chico, na interpretação de Cynara e Cybele, foi a surpreendente vencedora.

O grande repórter Walter Silva, que  esquecera  um gravador ligado na sala de deliberação, revelou depois na Folha da Tarde (SP) que o presidente do júri, Donatelo Grieco, pressionou os demais jurados, advertindo-os de que os militares não aceitariam a vitória de “músicas que fazem propaganda da guerrilha”, como “Caminhando” e “América, América”.

A ameaça podia ser exagerada, mas o mal-estar causado na caserna por “Caminhando” foi bem real, por causa da estrofe “há soldados armados, amados ou não,/ quase todos perdidos, de armas na mão./ Nos quartéis lhes ensinam antigas lições,/ de morrer pela pátria e viver sem razões”.

 

Os militares chegaram a promover entre as tropas um concurso de versos que respondessem à “Caminhando”, tendo Samuel Wainer sido pressionado (em troca de um favor recebido) a publicar no jornal Última Hora (SP) uma reportagem paparicando a medíocre poesia vencedora.

Quando a preferida do público foi anunciada em segundo lugar, o Maracanãzinho explodiu numa monumental vaia (a maior da história dos festivais), entremeada de gritos de “Vandré!” e “é marmelada!”. Tom depois comentou com Chico, que escapou da saia justa por estar em viagem pela Europa: “Foi como se o Corcovado tivesse caído sobre mim”.

Mesmo distante, Chico sentiu duramente o golpe. Iniciava-se nesse momento a guinada que o levaria a tornar-se o principal expoente artístico da resistência à censura na década seguinte.

Havia motivo para a indignação da platéia. Reprimindo uma manifestação de rua, soldados tinham submetido estudantes a terríveis humilhações (chegaram a urinar sobre os jovens rendidos e a bolinar as moças).

Isto despertou indignação generalizada na cordialíssima cidade maravilhosa. O FIC aconteceu logo depois e os cariocas adotaram “Caminhando” como um desagravo. Vandré teve muito mais torcida lá do que em São Paulo.

Por mais que tentasse, ele não conseguiu convencer o público a respeitar Chico, Tom e as duas meninas do Quarteto em Cy, direcionando sua ira apenas contra o “júri que ali está”. E, com clarividência, proferiu a frase célebre: “A vida não se resume em festivais”. Só não adivinhou que seria uma das primeiras vítimas da vida pós-festivais, quando os holofotes da arte não conseguiriam mais espantar as trevas.

 

Em alguns bairros da Zona Sul, as pessoas saíram às janelas quando Vandré bisava a “Caminhando” e cantaram junto, a plenos pulmões, descobrindo uma comunhão cimentada pela dor e revolta – que tão cedo não se repetiria, pois logo baixou sobre o País a paz dos cemitérios.

…mas de “Caminhando”, todos os vídeos foram destruídos. https://www.youtube.com/watch?v=0KGBS5TuDr4&authuser=0

 

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