Jairo Valio: 'Já fui bela'

Jairo Valio

Já fui bela

Seus abraços cheiram mal e me oprimem.
Quero me afastar mas não tenho forças,
Sem vitalidades que se esvaíram com o vicio,
E sou esquálida, só ossos, o pudor perdi.

Recordo nas minhas alucinações tão loucas,
Que fui bela, corpo esbelto, perfeitas formas,
E nos meus cabelos esvoaçantes uma flor morou,
Que a brisa suave espalhava seus perfumes.

Vi minha infância onde fui linda bailarina,
Equilibrando nas pontas dos pés o corpo gracioso,
E quando a música me convidava para dançar,
Deleitava plateias e meus pais se encantavam.

Um dia uma pequena pedra pediram para cheirar,
Colocando nela uma chama até tendenciosa,
E a fumaça penetrou fundo na minha sensibilidade,
Causando euforias que me deixaram alucinada.

Prazeres momentâneos tive-os em abundância,
Que logo se dissolviam e novamente despertavam,
E assim o vício foi aos poucos me dominando,
Com o crack tão nojento entoando sua vitória.

Um corpo bonito deixou então de existir,
E em trapos converti meu perfil até ousado,
Que meus pais tristemente viram se dissipar,
Pois a filha de seus orgulhos já não mais existia.

Sou uma ambulante que procura até nos lixos,
Alimentos que cheiram mal para não morrer,
E se não tenho mais bens que até roubei,
Entrego meu corpo para ganhar alguns trocados,
E nos delírios enganosos vou levando meu destino.

 

Jairo Valio – valio.jairo@gmail.com
13/09/2012




Jairo Valio: 'Crack'

Jairo Valio

Crack

Sou perverso e domino.

Mudo até personalidades,

Mesmo sendo escória,

Subproduto da cocaína,

Mas tenho meus atrativos,

Talvez pelas curiosidades.

 

Quem me procura?

Os jovens de corpos sarados,

Atraentes pelas suas belezas,

Formosuras da juventude,

Que teriam destinos bonitos,

E, no entanto, caem no vício.

 

Sou pedra pequena com arestas.

Não tenho o perfil das joias bonitas,

Trabalhadas pelos artesãos,

Que brutas atraentes se tornam,

Mas quem me traga entra em delírios,

Pois causo muitas alucinações.

 

Ganho espaços quando me cheiram,

E aos poucos domino as mentes

De quem procura muitas euforias,

Pois causo dependência química,

E quem me busca não se liberta,

Mesmo vendo suas transformações.

 

Esquálidas figuras quase que zumbis,

Passos vacilantes em busca do nada,

Tirando-lhes todas as dignidades,

Construídas em famílias bem constituídas,

Mas que agora tristes vêem os despojos,

Da figura bonita que lhes davam orgulhos.

 

Choram e até tentam lhe libertar,

Mas sucumbem diante das realidades,

Pois o jovem bonito cheio de perspectivas,

Agora é um trapo que nem o espelho espreita,

Tão dantesca é sua figura em pele e osso,

Que para cheirar o crack pode até matar.

 

 

Jairo Valio

08/11/2011

valio.jairo@gmail.com