Crenças mortas pela viralização social

José Bembo Manuel: Artigo ‘Crenças mortas pela viralização social’

José Bembo Manuel

Não é menos falso hoje que os valores tão propalados ontem diferem dos reverenciados hoje, que as pessoas são outras, igualmente as sociedades. As relações não escaparam da liquidificação cultuada por Bauman. Quase tudo é efémero e dança ao ritmo do vento.

Certo dia, num lugar incerto, fizeram-nos crer que um povo sem identidade – jurídica, cultural, histórica e social – é um indivíduo sem raízes e, por isso, sem mentalidade própria, sem história.  Parece-me que faltou quem nos ensinasse que a história é também produto de experiências sociais mais os valores coletivos e individuais.

Ao nascer, é-nos apresentado um mundo formatado por leis, crenças, mitos enfim verdades e inverdades algumas delas inquestionáveis dado que se propagam por séculos.  É assim que ninguém questiona o poder da makumba, a representação do mar, a simbologia dos cinganji, dos makixi ou mesmo a influência dos antepassados sobre os vivos.

Viver, nos dias de hoje, implica, ainda que de forma tardia, um confronto entre aquelas aprendizagens e a liquidez dos novos tempos, onde a likemania desafia-nos a todos, levando uns à rota de colisão com sua história e outros às manobras mais perigosas como o exame de crenças e mitos que dão, de alguma forma, sentido à nossa existência.

Diante disso, uns questionamentos: o que serão os makixi* e os ocinganji** sem o poder mágico que lhe é atribuído desde os primórdios? Será possível ficarmos completamente descaracterizados a ponto de retraçarmos novas linhas da nossa existência com referentes presentes e alvos futuros?

Vivemos entre a morte e a vida. Ameaças constituíram, por décadas, estratégias educativas e de controlo de mentalidades. Cultuamos a nossa existência, reverenciamos crenças e mitos em eminência de falência diante dos desafios da modernidade e da revolução tecnológica.

Somos treinados a crer no poder místico da natureza sem nunca o desafiar nem desalinhar. A likemania normalizou a exposição do corpo feminino, tornando-se na moeda viral, ressignificou as massagens e a prostituição entre comunidades culturalmente rígidas, renomeou a vida e novos símbolos emergiram, atentando a aparente sanidade mental de conservadores. As crenças à volta do poder místico são também postas em cheque. As objetivas captam agora os espíritos e os nossos semi-deuses, antes invisíveis e intocáveis, são hoje tão sedentos pelas likes que se deixam desmistificar e, por extensão disso, somos reduzidos a nada.

Crenças mortas, mitos desfeitos, mais luzes nos olhos de gente cujos valores a muito se diluíram na liquidez a que a viralização tecnológica nos leva. Os escrúpulos e o obsceno são cultuados por gerações cujo fito é a revolta e que percorre o ego inflamado, enquanto se entoam cânticos de saudade.

* Makixi. Uma palavra que vem do candomblé bantu da Angola. Designa, na Angola, tanto a divindade incorporada, quanto o assentamento.

**  Cinganji [t∫inga:ndji] – é uma figura mítica da etnia Ovimbundu. Está associada à exaltação cultural, geralmente ligada a rituais de circuncisão e mesmo animação em eventos festivos com relevante simbolismo no meio rural.

José Bembo Manuel
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