Completando as deficiências
Paulo Siuves: Crônica ‘Completando as deficiências’
Ontem à noite, minha esposa acidentalmente deixou uma taça de vinho cair, espalhando cacos de vidro pela cozinha. Eu não vi o acidente, mas ouvi o som do vidro se estilhaçando. Imediatamente, ela se ajoelhou para limpar tudo, recolhendo cuidadosamente os pedaços antes de ir para a cama, exausta depois de um longo dia.
Mais tarde, no meio da noite, levantei-me para ir ao banheiro. Ao passar pela cozinha, meus pés pararam de repente. Sob a luz suave do corredor, vi pequenos fragmentos de vidro ainda espalhados pelo chão. Senti uma irritação crescente; como ela não percebeu aqueles pedaços? Pensei no nosso filho, que poderia acordar e pisar em um fragmento. Meu aborrecimento aumentou.
Então, uma voz interior sussurrou: “Você é o suporte dela, não é?” Essa pergunta ecoou na minha mente, lembrando-me do dia pesado que ela teve. Ela confiou em mim ao se deitar, deixando que eu cuidasse do que ela, naquele momento de cansaço, não conseguiu ver. Ela havia saído da casa do pai, onde sempre teve tudo, para construir uma vida ao meu lado, depositando em mim toda a sua confiança.
O pensamento me acalmou. Eu deveria estar agradecido por estar ali, para corrigir o que ela, exausta, não pôde. Peguei a vassoura e comecei a varrer com cuidado. À medida que movia as coisas, encontrei mais pedaços de vidro escondidos. Eu os recolhi, pensando no nosso filho, mas, muito mais, na mulher incrível que dormia no quarto ao lado, confiando em mim para preencher suas lacunas, como ela fazia com as minhas.
Esse é o casamento. Nenhum de nós acerta sempre, mesmo com as melhores intenções. Mas, quando um erra, o outro está lá, pronto para preencher as deficiências. Nem sempre é hora de reclamar; às vezes, é a hora de completar.
Paulo Siuves