Élcio Mário Pinto
‘Vovó é uma árvore: o remédio’
Bia estranhou quando sua vovó não quis brincar. Elas estavam sempre juntas e nunca acontecera aquilo. Era uma situação nova para a menina de 3 anos que, de dentro de sua curiosidade e interesse, perguntou:
– Por que a senhora não quer brincar hoje?
– Sabe o que é, Bia, estou doente.
– Então, por que não vai ao doutor médico?
– Porque não é doença que médico cura.
– Nem remédio cura sua doença, vó?
– Não, Bia, nem remédio.
– Nossa, que doença difícil!
– É sim, é uma doença que faz a gente sofrer de um jeito diferente.
– Dói?
– É uma dor estranha. Não dá pra dizer que dói aqui ou ali. Parece que dói em todos os lugares do corpo.
– Então, vó, a senhora precisa de um remédio para o corpo inteiro, não só para um pedaço dele.
– Muito bem, Bia. É exatamente do que preciso.
– Esse remédio existe?
– Sim, existe.
– Por que a senhora não vai comprar?
– Porque esse remédio não é vendido. Ele não tem preço, porque não é fabricado.
– Puxa! Onde ele está?
– Em toda parte. Ele é de graça e está sempre perto de todo mundo.
– Então, vó, tome logo e fique boa da saúde. Precisamos brincar, lembra-se?
– Lembro-me muito bem!
– Vó, como se chama esse remédio?
– Chama-se terra.
– Ah, agora entendi! É por isso que existe em todo lugar.
– Existe em todo lugar que não foi coberto pelas construções e estradas.
– Aqui em casa temos terra.
– É por isso que estou aqui, para me curar.
– E essa doença, tem nome?
– Tem sim.
– Como se chama?
– O nome dela é tristeza.
– Por quê?
– Porque meu coração não aguenta ver e saber que a Natureza sofre quando não cuidamos das vidas de suas criaturas.
– Eu sou uma criatura da Natureza?
– Você, eu e todas as coisas que existem, sejam vivas ou não.
– Até uma pedra?
– Uma pedra, uma montanha, enfim, todas as coisas.
– O que a senhora faz para se curar dessa tristeza?
– Bia, preste bem atenção, porque agora, não direi mais nada. Ficarei em silêncio e enquanto vou fazendo para me curar, você me observa. Vá para aquele canto, ali, próximo daquela árvore, que eu me preparo aqui. Não precisa se preocupar comigo. Assim que eu melhorar, voltarei para brincar com você.
– Está bem vó.
– Não se preocupe minha querida. Está tudo bem e você está segura aqui. Estou olhando para você e nada de ruim acontecerá. Você confia em mim?
– Confio sim, vó.
(…)
Bia observava sua vó que, serenamente e com toda a calma da vida, tirou suas sandálias, nada mais. Em seguida, ficou em pé. Parecia descansar, pisando na terra. Tão logo aquele frio suave subiu pelos seus dedos, até o tornozelo, Bia viu o sorriso da vovó, que já estava feliz.
Pelos pés que descansavam, a criança percebeu que matinhos verdes começavam a crescer em volta da vovó. Foram crescendo e aumentando. Dos joelhos subiram para a cintura até às costas e só pararam de crescer quando alcançaram os dedos das mãos esticadas e nos fios de cabelos, que também se transformaram em ramos de mato verde.
Em segundos a vovó de Bia transformava-se em árvore, assim como aquela que fazia sombra para a menina que só observava e nada falava.
Um dos galhos da vovó, feita árvore, foi até Bia e mexeu com ela, fez cócegas em sua cabeça e em seu pescoço. Ela reconheceu que era o seu jeito de brincar…
De repente, algumas folhas da vovó-árvore começaram a cair. A criança sentiu que era mais um modo de brincar. Se ela podia deitar-se sobre a terra, uma árvore podia fazer o mesmo, só que com suas folhas. Quando as folhas caem, isto quer dizer que a árvore está descansando sobre a terra que a sustenta.
Bia nem percebeu quanto tempo ficou com sua vovó-árvore, que agora estava sendo curada pela Natureza. Mas, como o dia começava a escurecer, a menina levantou-se e abraçou a árvore-vovó, que deixou cair mais algumas folhas sobre a criança.
Daquele abraço, com o passar do tempo, todos aprenderam que é assim que deve se tratar a Natureza, abraçando-a.
Para Bia, que cresceu, ficou o maior ensinamento que poderia receber, de sua avó e de toda a sua vida: é a Terra quem nos cura, porque cuida de todos nós!
Hoje é o DIA DA TERRA!
ÉLCIO MÁRIO PINTO
22/04/2017
(Em comemoração ao 23º aniversário do Jornal ROL, de Itapetininga/SP)