Sergio Diniz da Costa: 'O ponto de equilíbrio'

Sergio Diniz

“Outra forma de captação de clientela que também se tem feito comum é aquela feita por meio de placas que não guardam a discrição que a profissão exige.”

O Direito, ciência que outrora era acessível a apenas determinada camada da sociedade, hoje abre seu mundo praticamente a todos. Tal fato se comprova pelo espantoso número de faculdades espalhadas por nosso país, o que implica um número anual significativo de bacharelandos, os quais, em boa parte, optam pelo exercício da advocacia.

A quantidade de novos advogados só não é maior no mercado de trabalho por força do rigoroso exame da OAB. De qualquer forma, o número crescente de profissionais leva à preocupação quanto ao aspecto da concorrência e da pulverização da clientela.

Vem daí uma preocupação cada vez mais recorrente, principalmente por parte do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, pois, para a sobrevivência profissional, muitos colegas, por falta de conhecimento da lei (o que é reprovável) ou justamente por conhecê-la (o que é inadmissível), praticam aquilo que o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/904) denomina de captação de causa, tipificado no art. 34, IV, como uma das infrações disciplinares.

Provavelmente o leitor alguma vez já presenciou, ou ouviu falar, de pessoas que distribuem cartões de visita de advogados (as) nas filas do INSS ou mesmo encontrou em sua caixa do correio cartões de visita ou outro tipo de impresso desses profissionais. Tal conduta é intolerável, tanto sob o aspecto moral quanto legal.

Outra forma de captação de clientela que também se tem feito comum é aquela feita por meio de placas que não guardam a discrição que a profissão exige.

O Estatuto da Advocacia, em seu art. 2.º, § 2.º, reza que “no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social”. Essa função talvez seja o principal atributo de quem exerce a advocacia. O juiz José Renato Nalini, professor de ética nas faculdades Padre Anchieta e Faap, se refere a essa característica nos seguintes termos: “o espírito de serviço, de doação ao próximo, de solidariedade, é característica essencial à profissão. O profissional que apenas considere a própria realização, o bem-estar pessoal e a retribuição econômica por seu serviço não é alguém vocacionado” (Ética Geral e Profissional, Ed. RT, 2004, p. 190).

Já o art. 33 prescreve que “o advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina”. E, dentre os deveres, encontram-se aqueles em relação à comunidade, o outro profissional e a publicidade (art. 33, parágrafo único).

O Código de Ética e Disciplina da OAB, por sua vez, prevê que “correspondências, comunicados e publicações, versando sobre constituição, colaboração, composição e qualificação de componentes de escritório e especificação de especialidades profissionais, bem como boletins informativos e comentários sobre legislação, somente podem ser fornecidos a colegas, clientes, ou pessoas que os solicitem ou os autorizem previamente” (art. 29, § 3.º).

E, em relação às placas, determina que “o anúncio sob a forma de placas, na sede profissional ou na residência do advogado, deve observar discrição quanto ao conteúdo, forma e dimensão, sem qualquer aspecto mercantilista, vedada a utilização de ‘outdoor’ ou equivalente” (art. 30).

O profissional da advocacia, portanto, que desrespeita a lei que o rege fere, ao mesmo tempo, o colega honesto e a comunidade, pois, se usa de meio ilegal para se enriquecer, certamente contribui para o empobrecimento de outro colega e, em relação à comunidade, se esquece de que, nas palavras do jurista Caio Mário da Silva Pereira, “o advogado está, mais que todos os profissionais, habilitado para penetrar na problemática do desenvolvimento social. Não apenas por ser integrante da sociedade. Muito mais que isto. Em razão de sua profissão mesma, ele se sintoniza com o mais agudo senso de percepção para os dramas da vida social. Na sua banca vão desaguar, qual um estuário vivo, os sofrimentos humanos” (Advocacia e desenvolvimento social”. Revista da OAB, n.º 20, ano VII, v.VII, set./dez.1976, p. 4). E isso, sem contar que, por não construir sua banca sobre os alicerces da ética e sim levantando seu castelo financeiro sobre as areias da ilusão terrena, estará sujeito às chuvas, às enchentes e aos ventos da Justiça Divina.

Por fim, há de se destacar que a OAB, por meio de seu Tribunal de Ética e Disciplina, está atenta a esse tipo de procedimento, punindo exemplarmente os profissionais que o praticam, tal se dando, evidentemente, após a instauração de regular processo disciplinar, onde lhes é assegurado o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Mas, para tanto, é preciso que os colegas prejudicados e principalmente a comunidade, em se deparando com esse tipo de conduta, procurem a entidade, levando consigo a prova da conduta irregular seja esta por meio de documentos ou mesmo testemunhal. Em assim procedendo, estarão contribuindo para fazer valer o texto da lei, que apregoa: “o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia” (Código de Ética da Advocacia, art. 31).

(Publicado no jornal Cruzeiro do Sul, p. A-2, edição do dia 19/11/2010)

 

Sergio Diniz da Costa

jornalculturalrol2@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 




Sergio Diniz da Costa: 'A ética no Direito e a inteligência espiritual'

Sergio Diniz. Foto por Teófilo Negrão Duarte

O Quociente Espiritual (QS) permite que seres humanos sejam criativos, mudem as regras, alterem situações

A sociedade ocidental sempre priorizou a razão, entendida esta como “raciocínio que usamos para solucionar problemas lógicos”, como única forma de o ser humano apreender a realidade que o cerca. E de tal forma a razão foi entronizada que psicólogos desenvolveram testes para medir esse tipo de inteligência, classificando-o por graus, mais conhecido como Q.I. (Quociente de Inteligência). O Q.I. indicaria as habilidades ou talentos de uma pessoa e, desta forma, quanto mais alto o índice, maior seria a sua inteligência.

Alguns pensadores ocidentais, incluindo cientistas, no entanto, intuíram outro patamar dentro do campo da inteligência. Na memorável obra “O Pequeno Príncipe”, Antoine de Saint-Exupéry filosofava que “É com o coração que se vê corretamente; o essencial é invisível aos olhos”. Einstein afirmou com convicção: “A imaginação é mais importante do que o conhecimento”; e indo mais além, chegou à conclusão que “O homem erudito é um descobridor de fatos que já existem – mas o homem sábio é um criador de valores que não existem e que ele faz existir”. Em meados da década de 1990, o psicólogo americano Daniel Goleman, phD da Universidade de Harvard, trouxe a público pesquisas realizadas por numerosos neurocientistas e psicólogos, que detectaram uma nova modalidade de inteligência, à qual denominaram de inteligência emocional (QE). O QE “dá-nos percepção de nossos sentimentos e
dos sentimentos dos outros. Dá-nos empatia, compaixão, motivação e capacidade de reagir apropriadamente à dor e ao prazer. Conforme observou Goleman, o QE constitui requisito básico para emprego efetivo do QI”.9 A teoria da inteligência emocional, portanto, redefiniu o que é ser inteligente.

Nos estertores do século XX, as pesquisas sobre o comportamento humano avançaram ainda mais, a ponto de se falar de um terceiro quociente, que pode descrever totalmente a inteligência humana. Trata-se do Quociente Espiritual, ou QS (Spiritual Quocient). Segundo os estudiosos dessa nova faceta da inteligência, por meio do QS, “abordamos e solucionamos problemas de sentido e valor”; é “a inteligência com a qual podemos pôr nossos atos e nossa vida em um contexto mais amplo, mais rico, mais gerador de sentido, a inteligência com a qual podemos avaliar que um curso de ação ou caminho na vida faz mais sentido do que outro. O QS permite que seres humanos sejam criativos, mudem as regras, alterem situações. O Quociente Espiritual (QS) é a fundação necessária para o funcionamento eficiente do QI e do QE. É a nossa inteligência final. (…) O QS dá-nos a capacidade de escolher. Dá-nos senso moral, a capacidade de temperar normas rígidas com compreensão e compaixão e igual capacidade de saber quando a compaixão e a compreensão chegaram a seus limites. Usamos o QS para lutar com questões acerca do bem e do mal, e imaginar possibilidades irrealizadas – sonhar, aspirar, nos erguermos da lama. (…) Nós o usamos para lidar com problemas existenciais – problemas em que nos sentimos pessoalmente num impasse, na armadilha de nossos velhos hábitos, nas neuroses, ou quando temos problemas com doença ou sofrimento. O QS nos torna conscientes de que temos problemas existenciais e nos dá meios para resolvê-los – ou pelo menos para encontrar paz no trato com eles. E nos dá um sentido ‘profundo do que significam as lutas da vida”.10

Segundo a física e filósofa Danah Zohar, “As indicações de um QS altamente desenvolvido incluem: capacidade de ser flexível, grau elevado de autopercepção e capacidade de enfrentar e usar o sofrimento, capacidade de enfrentar e transcender a dor, capacidade de ser inspirado por visão e valores, relutância em causar dano desnecessário, tendência para ver as conexões entre coisas diversas (ser ‘holístico’), tendência acentuada para fazer perguntas do tipo ‘Por quê? Ou ‘O que aconteceria se…’ e procurar respostas ‘fundamentais’ e ser o que os psicólogos denominam de ‘independente do campo – isto é, possuir capacidade de trabalhar contra convenções”.11 A mesma autora ensina a maneira pela qual podemos aprimorar o QS: “De modo geral, podemos aprimorar nosso QS passando a usar mais o processo terciário – a tendência de perguntar por que, procurar conexões entre coisas, trazer para a superfície as suposições que vimos fazendo sobre o sentido por trás e no âmago das coisas, tornando-nos mais reflexivos, estendendo-nos um pouco mais além de nós mesmos, assumindo responsabilidade, tornando-nos mais conscientes, mais honestos com nós mesmos e mais corajosos”.12

Ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade (Adolfo Sánchez Vásquez, apud Renato Nalini, Ética geral e profissional, p. 26). Divide-se em dois grandes ramos: ética geral e ética aplicada; esta última, desdobra-se em outros, como a ética ecológica, a ética familiar, a ética empresarial, ética profissional… “.13

Se são mesmo verdadeiras as afirmações de Saint-Exupéry e de Einstein, conclui-se que não se pode mais esperar do profissional do Direito apenas um QI elevado ou uma memória prodigiosa, que o torna apenas um operador do Direito. No Direito do século XXI, espera-se dele uma clara percepção de seu próprio sentimento e dos sentimentos dos outros. Espera-se dele empatia, compaixão, motivação e capacidade de reagir apropriadamente, principalmente à dor da coletividade. Espera-se dele, portanto, uma acurada inteligência emocional. Mas, na busca e na vivência de um Direito mais humano, que visará a abordagem e a solução de problemas de sentido e valor, com a colocação de atos e a vida em um contexto mais amplo, mais rico, mais gerador de sentido, mais criativo, que haverá de contribuir para a mudança das regras e a alteração das situações, mister se fará o desenvolvimento da inteligência espiritual. E, quando esse dia chegar, o profissional do Direito deixará de ser apenas um homem erudito, descobridor de fatos que já existem e tornar-se-á um homem sábio, criador de valores que não existem e que ele fará existir.

Diante das nossas reflexões, porém, um profissional do Direito atuante, que vivencia o dia a dia das lides judiciárias, poderia refutar as ideias expostas, sob a afirmação de que “a teoria, na prática, é outra”, pois é sabido por todos que a atuação na advocacia vem se tornando uma prática contínua de poucos, diante dos inúmeros problemas que afetam a classe, a começar da infinidade de profissionais que anualmente demandam do mercado de trabalho (a maioria mal preparada, como o Exame da Ordem e os concursos públicos bem o demonstram), os excessos de recursos processuais e a comprometida estrutura do Poder Judiciário, o que acarreta a lentidão na aplicação da Justiça e contribui para o empobrecimento desses profissionais.

Diante de um quadro desse, deparamo-nos amiúde com advogados respondendo a processos administrativos, decorrentes de infrações ao Estatuto da OAB e ao Código de Ética e Disciplina da OAB. Dentre as infrações previstas nos vinte e nove incisos do art. 34 do Estatuto, as que mais chegam à Comissão de Ética e Disciplina dizem respeito ao agenciamento de causas, mediante participação nos honorários a receber; angariar ou captar causas, com ou sem intervenção de terceiros; prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio; receber valores, da parte contrária ou de terceiro, relacionados com o objeto do mandato, sem expressa autorização do constituinte; locupletar-se por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por si ou interposta pessoa; recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele; reter, abusivamente, ou extraviar autos recebidos com vista ou em confiança; deixar de pagar as contribuições, multas e preços dos serviços devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo; incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional e praticar crime infamante.

De todas as infrações apontadas, observa-se que uma delas (falta de pagamento das contribuições devida à OAB) reflete um problema financeiro. Outra (incidência de erros reiterados que evidenciam inépcia profissional), diz respeito à má qualidade do ensino jurídico. As demais demonstram claramente um desvio ético, cuja raiz é encontrada nas profundezas do caráter do profissional.

Como corrigir-se desvios éticos do profissional do Direito? Provavelmente seria mais pertinente se perguntar: como preveni-los? É evidente que a prevenção depende muito mais da criação recebida pelo ser humano, nos primeiros anos de vida. Mas à escola, e especificamente às Faculdades de Direito cabem parcela significativa dessa prevenção, na medida em que busquem mudar a atual concepção de seus currículos, o qual prioriza o ensino estritamente técnico, adequando-o a uma concepção onde há de se priorizar o estudo da ética, da Filosofia do Direito, da Sociologia e da Filosofia. Somente assim emergirá o profissional do Direito do século XXI, que, no alto de sua inteligência espiritual, substituirá a experiência de base “Penso, logo existo”, e vivenciará o grandioso pensamento de Leonardo Boff: “sinto, logo existo”.14

(artigo publicado na revista Prática Jurídica, Ed. Consulex, n.º 41, 31 de agosto de 2005, seção Know How, p. 40-42)

Sergio Diniz da Costa

jornalculturalrol2@gmail.com




Inscrições abertas para o XX Simpósio de Direito Tributário do IET Tributação, Economia e Política em debate

Já está disponível, através do site do Instituto de Estudos Tributários (www.iet.org.br), o formulário para pré-inscrições no XX Simpósio de Direito Tributário.

O evento vai ser realizado nos dias 24 e 25 de novembro em Porto Alegre e terá entre os palestrantes grandes nomes do meio jurídico nacional, como ministros do STF e STJ.
O Simpósio tem coordenação dos advogados Rafael Nichele, Arthur Ferreira Neto e Pedro Adamy, respectivamente presidente e vices do IET.   O advogado e professor Luís Eduardo Schoueri será o homenageado do evento.
Dois palestrantes estrangeiros vêm a capital gaúcha especialmente para participar do evento no Painel de Tributação Internacional. O painel “IVA Europeu: um modelo de reforma tributária no Brasil?” será apresentado pelo Doutor Alberto Comelli, Professor de Direito Tributário da Universidade de Parma, na Itália.

Já para a palestra “Transparência Fiscal e as recomendações de combate à elisão tributária realizadas pelo OCDE nos planos de ação do BEPS”, a convidada é Natália Quiñones, Professora de Direito Fiscal Internacional de Bogotá, na Colômbia.
Entre os outros temas que serão debatidos no evento serão “As distorções do sistema tributário, as reformas tributárias possíveis, competitividade e segurança empresarial”; “Lei da Repatriação de Bens não declarados no exterior”; “Legalidade e aumento da carga tributária” e “ICMS e o diferencial de alíquota: questões atuais“.