Carlos Carvalho Cavalheiro: 'A eleição de Biden e o Brasil'
A eleição de Biden e o Brasil
O entusiasmo pela eleição de Joe Biden e Kamala Harris, respectivamente Presidente e Vice-Presidente dos Estados Unidos, cujo resultado foi consolidado no último final de semana, não ficou restrito apenas aos estadunidenses. A vitória do democrata representou uma esperança de mudança num mundo que cada vez mais marchava, a passos largos, para o modelo autoritário e excludente de governo. A escolha de Kamala como vice-presidente acentuou demasiadamente esse sentimento.
Kamala Harris não é somente a primeira mulher a ocupar o cargo da vice-presidência dos Estados Unidos. Ela é a primeira mulher negra, filha de imigrantes, cujos pais são originários de países pobres e em desenvolvimento: o pai era jamaicano e a mãe era indiana.
A vitória nas urnas da dupla Biden e Harris sinaliza para uma mudança, mas também simboliza tudo aquilo que se tornou o escombro utilizado por Donald Trump para alicerce de sua diretriz política.
É importante, no entanto, não cair na armadilha de canonizar o santo ainda em vida. Biden está à frente da maior potência mundial, acostumada há décadas ao imperialismo e a ingerência em países mais vulneráveis com o fito de obtenção de vantagens. Biden foi, enquanto senador, um dos articuladores da Guerra do Iraque, por exemplo. Assim como também foi durante o governo de Barack Obama que ocorreu a morte do líder líbio Muamar Al-Kadafi. Alguém há de se lembrar que a Secretária de Estado de Obama, Hillary Clinton, recebeu em primeira mão as imagens do assassinato de Kadafi por mensagem em aparelho celular.
Com a justificativa de combate a ditaduras pelo mundo, o serviço prestado pelos Estados Unidos nesses dois casos representou apenas a miserabilidade, a guerra civil, a morte, a destruição de qualquer possibilidade de organização política. Eram países cujos líderes eram contrários aos interesses estadunidenses. Coincidentemente, ambos possuem enormes reservas de petróleo.
A Líbia de Kadafi, por exemplo, converteu-se num caos sem fim. Nove anos depois da morte de Muamar Al-Kadafi, o país vive mergulhado numa instabilidade sem fim, com o governo de Fayez al-Sarraj, apoiado pela ONU, sendo desafiado pelas forças do general Khalifa Haftar. Não bastasse isso, centenas de refugiados líbios morrem afogados ou à deriva no Mar Mediterrâneo com a esperança de chegar à Itália.
Entretanto, é preciso deixar claro que existe sim diferença entre Biden e Trump. O primeiro é polido e político. O segundo, não. Biden tem a maturidade e não apenas os anos vividos. Trump só tem os anos que viveu. Ainda não se apagou da memória a cena de Trump se recusando a apertar a mão da chanceler alemã Angela Merkel. Ou mesmo a investida contra o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, com dados estatísticos falsos sobre o comércio entre os dois países. Trump se gabou de ter “enganado” o colega canadense.[1]
Esse tipo de postura infantil, truculenta, ignorante, desafiadora da ciência, apoiada em fanatismos religiosos e preconceitos de todos os tipos é algo que não se espera de Biden. E isso já representa muito. É sinal de que as pessoas não estão mais aceitando o discurso do ódio, da exclusão, do preconceito, da intolerância, da ignorância, da discriminação.
Para o Brasil, a vitória de Biden pode significar mudanças bruscas. Afinal, a política externa do atual governo se alinhou quase que exclusivamente a Donald Trump (não exatamente aos Estados Unidos). Prova disso é a morosidade do governo brasileiro em reconhecer a vitória de Biden. Dos dez principais parceiros comerciais do Brasil, a China ocupa o primeiro lugar (34 bilhões de dólares em exportação para aquele país), seguido dos Estados Unidos (representando 10 bilhões de dólares).[2]
Ocorre que o governo brasileiro insiste em desprezar a parceria econômica com a China, criando polêmicas desnecessárias. A última delas, em fins de outubro, Bolsonaro disse que o governo brasileiro não compraria a CoronaVac, vacina produzida pela China, afirmando que “os brasileiros não serão cobaias”.[3] Esta não é a primeira vez que a China é insultada por algum representante do atual governo brasileiro.
Assim, perdendo seu principal “guru”, Donald Trump, e fustigando impropérios contra a China, o governo brasileiro vai se isolando cada vez mais. A ironia é que muitos dos eleitores de Bolsonaro o elegeram para que o Brasil não se tornasse uma “Coreia do Norte” ou uma “Venezuela”. Se depender da inabilidade do governo, podemos nos converter nas duas opções, de uma vez só.
Carlos Carvalho Cavalheiro – 10.11.2020
[1] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/03/trump-se-gaba-de-ter-enganado-primeiro-ministro-do-canada.html
[2] https://administradores.com.br/noticias/conheca-os-10-principais-parceiros-comerciais-do-brasil
[3] https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/10/21/interna_politica,1196762/embaixador-da-china-reage-a-declaracoes-de-bolsonaro-sobre-coronavac.shtml