Bruna Rosalem: 'Brincar é mais que se divertir, é viver!'

Bruna Rosalem

COLUNA PSICANÁLISE E COTIDIANO

Brincar é mais que se divertir, é viver!

                                                                                  Brinque para não padecer!

Assim já dizia o compositor Gonzaguinha:

Eu fico com a pureza da resposta das crianças

É a vida, é bonita. E é bonita!

Viver! E não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz….

 

Quem nunca se sentiu acanhado por ousar um pouco? Descontrair-se, gargalhar alto, ter um ataque de riso, dançar numa festa, pular de alegria, escapulir um arroto, ou ainda, por ventura, tropeçar “catando cavaco” e dar de cara no chão, ou derrubar tudo pela frente fazendo a maior bagunça. Quem nunca? Então por que a vergonha de cometer gafes ou por simplesmente se sentir bem e feliz com o momento? Será que, com a vida adulta vamos perdendo o encantamento pelo novo, pela surpresa? O brilho do improviso? Da criatividade? Da brincadeira? E passamos a ter medo daquilo que desvia dos nossos neuróticos roteiros? Esquecemo-nos de como brincar e rir de si mesmos?

É, parece que sim. Contudo, a época das brincadeiras foi a que mais permitiu desenvolver aprendizagens e habilidades que marcaram nossa existência e a maneira como nos enxergamos e nos relacionamos neste mundo.

O ato de brincar, jogar, o faz de conta, o interpretar fazem parte das práticas humanas de interação com o mundo e com as pessoas desde a tenra infância. Estas práticas caminham junto ao desenvolvimento psicossocial, físico e intelectual de todo ser humano, e é de extrema importância para um desenvolvimento saudável de todas as etapas da vida.

Certamente que, especialmente na infância, as brincadeiras são mais evidentes e valorizadas, pois há nelas todo um conjunto de especificidades que auxiliam na interação da criança com os seus pares e com o mundo de forma a promover diversas aprendizagens que serão cruciais, tais como: o conviver, as regras, o ganhar, o perder, o lidar com as frustrações, a resolução de conflitos, o exercício constante da imaginação, da continuidade da narrativa, o encadeamento de pensamentos, a interpretação de ações e personagens; tudo isso proporciona às crianças maneiras de compreender a vida e os desafios que virão. Ainda é possível dizer que, a fase do brincar faz com que a criança se posicione e molde a sua personalidade, potencializando sua afetividade, motricidade, inteligência, sociabilidade e criatividade. Claro que a construção da personalidade é um processo mais complexo, porém o universo dos jogos e das brincadeiras individuais e coletivas contribui para que este desenrolar se estabeleça de forma natural e saudável.

O russo Lev S. Vygotsky (1896-1934) foi um importante psicólogo do comportamento que entre seus estudos e pesquisas colocava que o sujeito se desenvolvia na relação com o outro em atividades que são inerentes ao fazer humano. E a brincadeira infantil se encaixa perfeitamente nesta análise do processo de constituição do sujeito e o desencadeamento de habilidades que serão importantes para o seu convívio em sociedade. Por isso, ainda, segundo o psicólogo, a brincadeira é uma maneira de expressão e apropriação do mundo das relações, das atividades e dos papéis dos adultos. A capacidade para imaginar, fazer planos, apropriar-se de novos conhecimentos surge nas crianças através do brincar. Os pequenos atuam, mesmo que simbolicamente, nas diferentes situações vividas, reelaborando sentimentos, conhecimentos, significados e atitudes.

Gradativamente a criança percebe que pode criar a qualquer momento histórias, fazer interpretações, inventar um outro mundo, mas que ao mesmo tempo vivencia a realidade de diversos espaços como a sala de aula, o parque, o seu próprio quarto, etc., assim aprendendo a conciliar a brincadeira de forma efetiva, criando vínculos mais duradouros. Dessa forma, os infantes desenvolvem sua capacidade de raciocinar, de julgar, de argumentar, de como chegar a um consenso, reconhecendo o quanto criar acordos e fazer pactos contribui para a socialização.

É interessante refletir que aprendizado e desenvolvimento caminham em sintonia bem antes de iniciarmos a vida escolar. Quando pequeno já carregávamos nossa história prévia, isto é, já nos deparamos com inúmeros significantes e vivenciamos certas experiências. E estas experiências são fruto, muitas vezes, deste período onde a ludicidade, a simbologia do brinquedo e dos jogos, do fazer de conta com os amigos, na contação de histórias com os familiares, nas atividades individuais e em grupo, se concretizaram.

Uma frase tão conhecida no universo pedagógico diz que a criança aprende brincando. De fato, este dizer carrega uma importante verdade: quanto mais a criança estiver inserida em um ambiente lúdico, simbólico, alegre que lhe cause bem-estar e satisfação, mais vai se apropriando das aprendizagens de forma natural.

De fato, a ludicidade, o fazer brincando contribuem sobremaneira para o desenvolvimento das estruturas psicológicas e cognitivas.  E mesmo quando nos tornamos adultos, ao nos depararmos com o mundo da imaginação e da fantasia, despertamos a criança que habita em nós. Se pararmos para refletir, a infância nunca deixa de existir. E isto é muito bom! Pois nos alerta que a vida que escolhemos para nós necessita de graça e da beleza de ser eternos aprendizes.

Como os versos de Gonzaguinha são verdadeiros! Como quando crianças brincávamos sem nos preocupar o que iriam pensar de nossas bobeiras e agora, crescidos e preocupados com os afazeres, não brincamos mais? O dia a dia muitas vezes frenético, não nos permite viver de maneira um pouco mais leve.

O saudoso psicanalista Contardo Calligaris nos deixou um importante ensinamento: a vida adulta é sempre menos adulta do que parece: ela é pilotada por restos e rastros da infância. Não vamos deixar que nossos corpos adultos sejam apenas depósito de fragmentos da infância, de lembranças de que um dia fomos crianças. Afinal, as brincadeiras, os jogos, o faz de conta que antes nos ensinavam tanto, hoje, não podem simplesmente desaparecer de nossas vidas. Então, divirta-se! Brinque para não padecer!

Bruna Rosalem

Psicanalista Clínica

@psicanalistabrunarosalem

www.psicanaliseecotidiano.com.br