A escolha incerta, certa?
Francisco Evandro de Oliveira: Conto ‘A escolha incerta, certa?
Maurício chegou à porta de um famoso cabaré, o qual funcionava na rua Barata Ribeiro, bem nos tempos áureos da prostituição carioca.
O local era frequentado pela fina flor da sociedade decadente. Lá, era comum o frequentador ter contato com delegados, juízes, promotores, alguns artistas, socialites da época, cafetões, rufiões, mulheres à espera de um bom partido, homens à espera de uma mulher carente, mas que fosse rica, de preferência desimpedida e, principalmente, contato com policiais, os quais prestavam segurança às autoridades presentes e ao local em si, em troca de uma boa gratificação.
A noite mal havia começado e Maurício já havia se emborrachado de Campari, sua bebida predileta, e especialmente naquela noite que ele queria beber todas, porque estava deprimido.
Sua Janaína o havia deixado há cerca de três semanas e ele a descobrira trabalhando naquele antro de perdição, segundo sua visão.
Como estava sendo difícil para ele chegar até ali e tentar convencer Janaína a voltar. Maurício era um policial que fizera fortuna na Argentina, inicialmente como cantor de tangos, lá, ele dirigira boates, bares que apresentava shows artísticos ao vivo, em saunas… Maurício era um homem da noite e ele conhecia todos os truques e malandragens, golpes baixos que se aplicam nesses lugares.
Em uma noite de boemia, ele e outro boêmio foram parar no Jóquei Clube de Buenos Aires e essa noite o transformou em um homem de grande potencial financeiro, além do que ele já o era bom.
Porém, como essa mudança de vida veio aconteceu? Já havia cerca de um ano e dois meses que nenhum apostador de corridas acertava o bolo de sete pontos, ou seja, acertar os setes primeiros cavalos colocados nos sete últimos páreos.
O acumulado estava em uma verdadeira fortuna e a grana para quem o acertasse, dava para comprar várias coberturas na Barra da Tijuca e ainda sobraria dinheiro para comprar vários carros do ano e muito mais.
Se formos comparar com o prêmio da mega sena, dava uns seis prêmios da mega sena acumulados.
A febre pela corrida ao ouro se tornara o comentário geral da cidade. Maurício, já meio chumbado, pegou o programa e começou a comparar os nomes dos cavalos ou éguas com o de algumas mulheres que ele travara conhecimento ou já havia feito amor, então, seguindo esta linha de análise sem se importar com os critérios ou qualidades dos animais, Maurício passou a fazer a marcação do seu jogo.
Logo no primeiro páreo do bolo havia uma égua que jamais havia ganhado um prêmio de grande importância, para piorar, ele estava há dois anos sem ganhar qualquer páreo.
O comentário sobre a égua era que nem com terremoto ela ganharia, chamava-se Miss Canina e Maurício logo associou a Marina, que era uma jovem bailarina de um cabaré, por sinal, uma bonita loura que ele costumava fazer sexo, então, ele colocou o cavalo favorito e a Canina.
No segundo páreo do concurso, após olhar o nome de todos os cavalos, um lhe chamou atenção pela esquisitice do nome, o cavalo se chamava Escarlápio e Maurício associou o nome a um livro que ele já lera, cujo nome é “A Pimpinela Escarlate”, então, ele associou o nome a Daniela, uma linda mulher também da noite.
Ele novamente não teve dúvidas, cravou no bolo o Escarlápio e passou ao terceiro páreo do bolo milionário e quando ele viu os nomes, deu sua famosa risada, porque havia uma égua cujo nome era Miss Felina. Maurício sorriu e disse: ― Aqui está! Ah, minha doce e meiga Angelina, e cravou a Miss Felina; no quarto páreo do concurso, viu um cavalo de nome Cantos Aros, o qual Maurício rebatizou imediatamente com o nome de Cantalice em homenagem a uma ex-namorada de nome Alice e para os demais páreos foi rebatizando ou escolhendo conforme parecesse com o nome de algumas de suas mulheres, ele não via retrospecto, qualidade do animal, jóquei, haras; ele não queria saber de absolutamente nada, só queria assistir ao páreo e ter emoção e ver em que colocação eles poderiam ficar.
Ele fez seu jogo e foi logo chamado de louco pelo seu colega, contudo, Maurício nem se incomodou e foi saborear uma cerveja bem geladinha no restaurante do jóquei.
Quando lá chegou, deu de cara com Jacqueline, uma dançarina que estava trabalhando em sua casa de massagem; um chope aqui, um chope ali e muito papo; eles acabaram saindo para uma tarde mais emocionante em um motel três estrelas de Buenos Aires. Foi uma noite maravilhosa para ambos e Maurício só foi saber do resultado da corrida, no dia seguinte e ficou estarrecido quando a repórter comunicou que o sortudo que abiscoitara a bolada milionária, ainda não havia aparecido, então, ele por mera curiosidade foi checar o seu bolão e passo a passo ele ia ficando emocionado e com sua adrenalina chegando ao máximo.
Os nomes de suas mulheres haviam sido fiéis e ele era agora um grande milionário!
Os cavalos e éguas com nomes parecidos ou rimando com suas ex-mulheres tinham ganhado todos os páreos. Maurício que já tinha acumulado um grande capital com a vida noturna, agora estava rico, muito rico!
O que fazer? Era a pergunta que estava bailando em sua mente, resolveu ir à tesouraria do jóquei e quando lá chegou notou que havia muitos repórteres à espera de entrevistar o grande sortudo e estava lá também o repórter oficial do jóquei, com o mesmo propósito.
Maurício não estava a fim de expor sua privacidade e tampouco proporcionar ser assaltado ou sequestrado, já que os tempos estavam quentes em Buenos Aires.
Ele chamou reservadamente o repórter do jóquei, porque com esse ele teria que falar de qualquer maneira, aí ele se apresentou e solicitou que fosse a sua sala reservada, e lá se desenrolou a entrevista a contento.
Após pegar o cheque concernente ao prêmio, saiu pela tangente. Quando chegou a casa, resolveu voltar ao Brasil; ele era dado como morto por seus familiares que, italianos e tradicionalistas, não admitiam em hipótese alguma ter um membro dos Sapienza desgarrado.
Voltou da Argentina querendo dar uma guinada na forma de viver, resolveu ser policial, porque sempre fora o seu sonho de menino, fez concurso, passou e rapidamente tornou-se um detetive de primeira classe, não só por mérito pessoal, como também devido a sua inteligência e conhecimento da vida noturna.
Tal fato causava ciúmes nos outros policiais da delegacia em que ele estava lotado. Durante o perídio de folga e principalmente à noite, lá ia ele à procura de emoções; havia mudado de ramo, de vida, mas a febre da noite estava em seu sangue e ele saía a percorrer os cabarés da Lapa, Leblon, Copacabana e da rua Mem de Sá, os quais, na época, fervilhavam de frequentadores.
E no Atlântico ele conheceu sua Janaína. Foi uma paixão fulminante! Maurício passou a viver essa paixão avassaladora, todavia, ele estava sempre às turras, porque não admitia que sua mulher trabalhasse em cabaré e após seis meses de marchas e contras-marchas, Janaína lhe deu um ultimato e, após isso, cartão vermelho.
Maurício ficou desesperado, porque a paixão que ele nutria por aquela jovem mulher era diferente das anteriores e naquela situação que se apresentara, ele não sabia como se situar.
Ele não aguentou e após dois meses de separação Maurício foi ao cabaré a fim de convencer Janaína a voltar.
O porteiro foi avisá-la sobre a presença de Maurício, então ela foi avistar-se e no diálogo, ele a convenceu a se casar. Três meses depois ela era a senhora Sapienza.
A principal exigência para o acontecimento fora que Maurício largasse a vida de policial; a decisão foi difícil, contudo, a força do amor prevaleceu e Sapienza se rendeu as exigências de sua doce e meiga Janaína, todavia, a despeito de viver feliz com sua princesa, ele interiormente não estava feliz, porque a vida de policial estava no seu sangue.
Contudo, essa dicotomia prevaleceu por três longos anos até que um dia ele acordou da letargia da dúvida e resolver ser feliz interiormente. Largou sua Janaína e foi à caça de emoções mais fortes.
Farucki
Contatos com o autor
Voltar: http://www.jornalrol.com.br
Facebook: https://facebook.com/JCulturalRol/