Eliana Hoenhe Pereira: 'Era assim…'

Eliana Hoenhe Pereira

Era assim…

Beco dos crentes, Rua da Boiada, Cruzeiro SP. Um conto alusivo à década de 50/60

— Olha Liz, a mãe não quer que você brinque na porta da casa da Flô. Não me saia daqui da frente.

Flô era a mais nova moradora do Beco dos crentes, uma linda moça, deveria ter uns vinte e três anos de idade, bem vividos. Todas as vezes que ela ia à cidade chamava o “Mané charreteiro” para levá-la. Mané, era conhecido por todos os moradores. Ele passava o dia todo a cuidar do seu veículo.  Os vizinhos ficavam em estado de alerta, todos de alguma forma ficavam sabendo. Uma mistura de curiosidade tomava conta e, mesmo às escondidas, todos a viam sair. Seu perfume espalhava por todos os cantos do Beco.

Os vizinhos diziam que ela era “mulher da vida”, tinha sido dançarina da noite em uma das casas noturnas da famosa Rua 1 de Cruzeiro e um cliente apaixonou se por ela e a tirou da noite. Foi assim que Flô e sua filhinha foram parar no Beco.

Um dia, Flô, bateu à casa de Liz. A mãe da menina, assustada e meio sem graça, atendeu-a, saindo ao portão. A moça, educadamente, pediu para deixar a menina Liz ficar um pouquinho na casa dela, tempo de ir até a farmácia comprar remédio para a filha que amanhecera resfriadinha.

A mãe de Liz deixou-a ir após passar todas as recomendações. E a menina, toda feliz, logo que se viu sozinha na casa, foi conferir o que tinha, atraída pelo perfume de Flôr, que iniciou pelo quarto. Ficou deslumbrada ao ver inúmeros vidros de perfumes sobre a cômoda, pó de arroz, ruge e o batom vermelho.  A vontade de se lambuzar era grande, mas, lembrara das recomendações da mãe.

Flô morou no Beco dos crentes por uns dois anos e se manteve bem isolada.  Uma vez e outra pedia à Liz para ficar com a sua filha. O perfume dela permanecera até hoje impregnado no Beco por todos aqueles que ali moraram.

No Beco dos crentes a rua era de terra, o relógio o sol, os amigos não tinham cor, as gargalhadas espontâneas e a infância intensa.